O lado oculto do ciúme

Um conto erótico de Júlio
Categoria: Heterossexual
Contém 8045 palavras
Data: 24/07/2025 08:44:17

Tem coisa nessa vida que parece que foi escrita antes da gente nascer. Eu, um cabra do interior, nascido e criado na lida, vim parar na cidade grande com uma mala nas costas, uns trocados no bolso e uma cabeça cheia de vontade. Era bruto, mas não burro. Em pouco tempo, tava trabalhando como serralheiro fixo numa empresa boa, salário razoável, aluguel em dia e carne na panela todo domingo. Não era luxo, mas era vida digna.

Nas folga de sexta ou sábado, eu não dispensava um forró. Dançar era meu jeito de esquecer da dureza da semana, beber duas cervejas geladas e rir com os poucos amigos que arrumei por aqui. Foi numa dessas noites que eu vi ela: Jussara.

Lembro como se fosse ontem. A luz do salão piscando em cima da cabeça dela, fazendo sua pele mulata brilhar, os cabelos cacheados descendo soltos pelos ombros, os olhos grandes, cor de mel queimado, rindo de alguma bobagem do cara com quem ela tava. A saia rodava com ela no ritmo da zabumba, e eu... eu fiquei parado feito besta, só olhando.

Naquela noite a gente só trocou olhares. Eu tava com uma amiga, ela com um sujeito qualquer. Mas teve um momento, um só, em que nossos olhos se cruzaram por mais de três segundos. Três segundos que me deixaram doido, como se ela tivesse me puxado pra dentro de um feitiço.

No sábado seguinte, voltei no mesmo forró, com a cara mais lavada do mundo e esperança no bolso. Quando vi que ela tava sozinha, não pensei duas vezes. Me aproximei, meio sem jeito:

— Boa noite, moça... Tu dança?

Ela virou aquele sorriso moleque pra mim e disse:

— Se tu não pisar no meu pé, até danço.

A voz era doce, mas com um timbre engraçado, meio debochado. A gente dançou uma, dançou duas, dançou três. Depois já tava sentado, dividindo cerveja, falando de tudo: da infância, do sertão, de música, de comida de vó.

— Tu tem sotaque de roça — ela comentou, encostando o cotovelo na mesa e me olhando curiosa.

— E tu tem jeito de quem finge que é da cidade, mas sabe fazer cuscuz no cuscuzeiro de alumínio.

Ela riu alto, jogando a cabeça pra trás. Foi ali que eu soube: tava ferrado.

No fim da noite, ofereci carona. Ela aceitou. O coração batia mais que zabumba em véspera de São João. Quando parei na frente da casa dela, fiquei com aquele sorriso sem jeito.

— Eu… posso subir?

Ela mordeu o lábio inferior, meio tímida, e respondeu:

— Olha, não me leva a mal, mas eu não sou dessas de subir com homem na primeira vez. Pode achar bobeira, mas eu gosto de fazer as coisas no tempo certo.

Me pegou desprevenido. Mas aquilo me encantou mais ainda.

— Tá certa. Mulher que se guarda é mulher que se valoriza.

Ela sorriu, me deu um beijo doce, com gosto de cerveja e hortelã do chiclete, e saiu do carro com um tchau meio cantado.

Dirigi de volta pra casa sorrindo que nem besta. Jussara tinha um jeito leve de conquistar: não era forçado, não era vulgar. Era só ela sendo ela.

No outro dia, ela me mandou mensagem. E no outro. E no outro também. Quando percebi, já era rotina: um bom dia, uma gracinha, um áudio contando um caso engraçado. Nosso encontro seguinte foi ainda melhor. A gente já se olhava diferente, como quem já se pertence um pouco.

E num sábado qualquer, depois de três doses de catuaba e dois arrasta-pé, ela me puxou pela mão e me sussurrou no ouvido:

— Bora prum canto mais reservado?

Nem pensei. Ela me puxou pela mão, aquele olhar atrevido e a boca meio mordida que eu já conhecia bem. Entramos no banheiro do forró, apertado, suando pinga e desinfetante. Ela trancou a porta com rapidez e me empurrou contra a parede como se o corpo tivesse tomado conta do resto.

A mulher virou bicho.

Nos agarramos com sede. Beijos urgentes, mãos passeando sem cerimônia, esfregando, apertando. O vestido curto dela já tava subindo sozinho, e minha calça começava a descer com a ajuda dos dedos ansiosos dela.

Ela sorriu, me olhando nos olhos, safada:

— É hoje, Júlio. Quero sentir esse pauzão dentro de mim. Agora.

Meu pau latejava. Levantei ela pelas pernas e sentei na pia, torcendo praquela merda aguentar. Ela abriu as pernas sem vergonha, sem medo, só querendo. Fui abaixando a cueca, encaixando meu pau naquela buceta quente e molhada, e comecei a meter com força, segurando firme a cintura dela.

— Você é tão gostosa, Ju... Me deixa maluco, caralho.

— Mete... Mete mais. Isso, assim. Ai, que delícia…

Ela tentava segurar os gemidos, às vezes cobrindo a boca com a mão, mas os olhos entregavam tudo: tesão puro. Cada estocada fazia a pia ranger e o quadril dela vibrar, até que desconfiei que ia dar ruim e puxei ela pra mim, virando de costas.

Encostei ela na parede, empinada, bunda arrebitada na minha direção. Segurei firme nas ancas e voltei a meter, com força, fazendo a bunda dela bater nas minhas coxas. O barulho era abafado, mas o clima era de filme pornô clandestino. A calcinha já tinha desaparecido em algum canto. Ela apoiava as duas mãos na parede, o corpo tremendo.

— Ai, não goza dentro, não, Júlio... Hmm... tá rasgando minha buceta, seu puto!

Ela se contorcia, rebolando e gemendo baixinho, e eu já tava no limite. Tirei o pau a tempo e gozei com tudo nas costas e na bunda dela, o jato quente escorrendo pela pele morena enquanto eu arfava.

Ela virou com um sorriso orgulhoso, olhando pra trás por cima do ombro.

— Cê me sujou toda, ein? Que delícia... Tava cheio de tesão pra me comer, né?

Se limpou com os papéis do banheiro, com praticidade, me pedindo ajuda. Me olhou com aquele brilho sacana nos olhos e completou:

— Agora terminei meu feitiço, né? Vou ser sua mulher.

— Você nem sabe como. — respondi, puxando ela pela cintura. — Quero cada pedacinho de você só pra mim.

Ela mordeu o lábio de novo, ajeitando o vestido como se nada tivesse acontecido.

— Então me valoriza, Júlio. Que eu tô caidinha por você.

Depois daquela noite no banheiro do forró, tudo mudou. Não só porque a gente transou — porque isso, pra ser sincero, era questão de tempo — mas pelo jeito que ela ficou depois.

Alguns dias depois, enquanto a gente estava de prosa na minha casa, ela comentou, com um olhar sapeca:

— Tu me desmoralizou, viu? Logo num banheiro! Eu, toda certinha, dei pra tu num banheiro de forró. Merecia coisa melhor, viu?

Eu também ri, puxando ela pra perto e dando um beijo demorado no pescoço dela.

— Então eu vou me redimir. Tu vai ver.

E eu cumpri.

No meio da semana seguinte, peguei parte do meu salário e fiz o que nunca tinha feito antes. Reservei uma mesa num restaurante chique, daqueles que a gente passa na frente e acha que só político e artista entra. Botei uma camisa que nunca tinha usado, passei perfume e fui buscar ela em casa de carro lavado.

Ela subiu no carro toda produzida, cabelo preso num coque bonito, maquiagem leve, mas bem feita. Vestido vermelho colado no corpo magro, mas cheio de curvas. Quando entrou, ficou me olhando com uma sobrancelha arqueada.

— Que que tu aprontou?

— Tu vai ver — falei, sorrindo de canto.

Quando paramos em frente ao restaurante, ela arregalou os olhos.

— Julio, tu tá doido? Aqui é caro, homi!

— Eu sei. Mas tu disse que merecia mais. Então hoje tu vai ter.

Entramos meio tímidos, rindo de nervoso, tropeçando no nome dos pratos e errando o uso dos talheres. Ela tomou vinho e ficou com as bochechas vermelhas, gargalhando alto quando eu pedi o cardápio “traduzido em português”. Um garçom olhou feio pra gente, mas a maioria só sorria — acho que dava pra ver que a gente era feliz, mesmo sem saber o que era "foie gras".

— Tu é besta, viu? — ela disse depois de tomar um gole de vinho, me olhando daquele jeito que mistura encanto com desejo. — Nunca pensei que ia me sentir tão... sei lá, importante.

— Tu é. Só não sabia ainda.

Saímos meio bêbados, meio risonhos. Eu nem pensei duas vezes: dirigi direto pra um motel que tinha visto uns dias antes, na beira da estrada. Bonitinho, discreto, limpinho. Quando estacionei, ela franziu o cenho, desconfiada.

— Eita... cê planejou tudo, foi?

— Planejei. E ainda bem que tu veio linda desse jeito.

Ela deu um sorrisinho meio sem graça, mas entrou comigo. O quarto tinha espelho no teto, lençol vermelho, iluminação baixa. A gente riu da cafonice. Mas no fim, aquilo só deixou tudo mais leve.

Ela tirou os saltos com um suspiro aliviado e sentou na beira da cama, testando o colchão com a mão. Me olhou com um sorriso doce, olhos brilhando.

O clima ali era outro. Mais calmo, mais íntimo. No banheiro foi fogo e urgência. Agora, era carinho, desejo e alguma coisa que dava medo de nomear.

— Vem cá, meu garanhão...

Chamou com o dedo, provocante, e eu fui sem dizer nada, caindo sobre ela com um beijo quente, profundo, demorado. Senti a respiração dela entrecortada na minha, as mãos ágeis tirando minha camisa, o corpo esguio se desnudando aos poucos.

As roupas foram saindo devagar, como se a gente quisesse aproveitar cada centímetro descoberto. Ela deitou, abriu as pernas e me puxou com os olhos. A gente se encaixou num bom e velho papai e mamãe, mas não tinha nada de comum naquilo.

Deslizei devagar, sentindo ela inteira me receber. Movia a cintura num ritmo firme e cadenciado, trocando beijos molhados, sugando seus seios durinhos com a boca. Ela me apertava com as pernas, me arranhava de leve, gemia meu nome com aquela voz manhosa que me deixava maluco.

— Ai, Júlio... isso, amor... mete assim, não para...

Cada estocada fazia ela se contorcer mais, mordendo o lábio, suando, arrepiada. Fui levando ela com calma até sentir os espasmos do gozo tomar o corpo dela, e então me deixei ir também, gemendo mais alto, gozando fundo dentro dela, sem pressa, sem medo, enchendo aquela mulher quente com tudo que eu tinha.

Ficamos ali depois, ainda colados, abraçados. O ventilador velho fazia um ruído constante, e a noite parecia parar por alguns minutos.

Ela brincava com os pelos do meu peito, distraída, e eu beijava sua testa devagar, selando um pacto mudo. Queria aquela mulher nos meus braços pro resto da vida. Tinha encontrado a certa.

Daquele dia em diante, a gente ficou junto pra valer. Namorando, saindo direto, indo nos forrós, ficando até tarde nos bares, dormindo abraçado todo domingo. Uns meses depois, ela começou a ficar mais na minha casa do que na dela. As roupas foram se acumulando, as escovas de dente, os potes com farofa e feijão na geladeira.

Uma noite, do nada, falei:

— Jussara… e se tu ficasse de vez?

Ela ficou muda por um tempo, depois sorriu com os olhos brilhando.

— Tu tá me chamando pra morar contigo?

— Tô. A casa é simples, mas é nossa. E tu já tá aqui quase sempre mesmo.

— Se eu topar, tu vai me deixar escolher a cor da cortina da sala?

— Pode escolher até o prato que a gente vai comer domingo.

Ela me beijou com gosto, e a partir dali, começamos uma nova fase. Mas como toda história boa, essa também tem seus tropeços

Morar junto era bom. Era chegar em casa e sentir cheiro de comida no ar, ver ela desfilar pela casa, linda na simplicidade de um cabelo enrolado na rolha após um banho ou usando só um camisão meu, dividir o ventilador nas noites quentes e o cobertor nas frias. Jussara era uma dona de casa caprichosa, daquelas que passam pano ouvindo música alta e param no meio da faxina pra dançar.

Só que, junto com a rotina boa, veio uma coisa que me incomodava cada vez mais: o ciúme dela. No começo era até engraçado.

— Ô, Julio… minha prima, aquela morena de cabelo lisinho, não presta. É uma vaca. Cê não vá ficando de papinho com ela, ein.

— Oxente, mulher, tu tá doida? A menina cresceu contigo, a mãe dela é irmã do seu pai. Quer criar encrenca na sua família?

— É só que… sei lá. Ela te abraça apertado demais.

Eu ria, fazia piada, desviava, mas aquilo foi virando costume. Ela desconfiava das minhas colegas de trabalho, das meninas que dançavam perto da gente no forró, até da caixa do mercadinho que me dava bom dia animado demais, segundo ela.

— Tu é meu, Julio. Não quero dividi tu com ninguém — ela dizia, fazendo biquinho depois de uma crise. E aí vinha o chamego, o cafuné, o “me perdoa, amor, é que eu te amo demais”.

Eu aguentava. Porque amava também. E porque ela tinha um jeito doce de se redimir que fazia a raiva ir embora feito vento levando poeira.

Mas teve uma noite… uma noite que mudou o rumo da coisa.

Estávamos num forró que a gente frequentava sempre. O som tava bom, o povo animado, e eu já tava no segundo copo de cerveja. Jussara saiu pra ir ao banheiro, disse que era rápido. Mas demorou. Eu olhei no relógio, olhei em volta, nada dela.

Nisso, uma amiga nossa, a Cláudia — moça boa, dançava bem, sempre vinha falar com a gente — apareceu com o parceiro dela e me chamou:

— Dança uma comigo, Julio? Meu par cansou e vai sentar.

Pensei dois segundos. A Jussara tava demorando, não queria fazer desfeita, e era só uma dança. Aceitei. Dançamos um forrozinho rápido, com distância respeitosa, sem malícia.

Mas quando voltei pra mesa, lá estava Jussara, sentada com cara de quem tinha chupado limão sem sal.

— Que foi, mulher? — perguntei.

— Engraçado, né? Eu saio dois minutos e tu já tá se esfregando com a Cláudia.

— Esfregando? Tu tá maluca? A Cláudia é nossa amiga! Foi só uma dança, e nem encostei direito!

— E precisa encostar? Só de aceitar já me desrespeitou. Tu sabia que eu já vinha, podia ter me esperado.

— Ah, então agora eu tenho que pedir autorização pra levantar da cadeira também?

Ela ficou calada, mas a cara dizia tudo. O clima azedou. Voltamos pra casa sem se falar no carro. Mas em casa, o silêncio virou discussão.

— Tu confia em mim ou não confia, Jussara?

— Confio, mas mulher sente. E eu senti que tu tava querendo aparecer pra ela.

— Tu tá criando coisa na cabeça, mulher. Eu nunca te dei motivo pra isso.

Ela cruzou os braços, os olhos cheios de mágoa.

— É. Talvez eu seja doida mesmo.

Depois do estranhamento, ficamos um tempo em silêncio. Mais tarde, ela se aproximou, se aninhando do meu lado no sofá enquanto eu via TV. Era o jeitinho dela de pedir desculpas:

— Perdão se exagerei, amor. Eu tava de cabeça quente… Fiquei com medo de te perder.

— E por que esse medo todo, mulher? — perguntei, ainda um pouco carrancudo, mas já fazendo cafuné nos cachos dela.

— Ai, Júlio… Não ia aguentar te ver correndo atrás de outro rabo de saia. Eu confio em você, mas mulher quando quer seduzir, seduz… Aí me sobe o sangue, quero logo espantar.

— E pra que eu ia querer outro rabo de saia, tendo essa nega gostosa colada em mim, hein? — falei, dando um tapa na bunda dela, sorrindo. — Sou doido por você. Isso ainda não tá claro?

— Seu safado… Tô vendo que é mesmo.

Ela riu sapeca, passando a mão sobre o volume no short que eu usava, me atiçando ainda mais.

— Então me faz tua, Júlio. Vem me foder com gosto, vem.

Subiu no meu colo e já veio me beijando, rebolando com a cintura solta sobre mim. Agarrei aquela bunda com vontade, sentindo nossos corpos se roçarem. Dei uns bons tapas que arrancaram gritinhos dela.

— Vem cá, minha cachorra…

Falei, já com as bolas doendo e as roupas se espalhando pelo chão. Coloquei Jussara de quatro no sofá e gemi alto ao penetrá-la de uma só vez, sentindo aquela boceta bem molhada me esperando.

— Aaaah, isso! Fode a tua cachorra, filho da puta!

Segurei sua nuca, empurrando-a contra o sofá, deixando-a ainda mais empinada pra mim. Macetei com vontade, até sentir que aquele cuzinho tava me chamando. Rocei a cabeça ali e ela já soltou, toda maldosa:

— Tá querendo a porta de trás hoje, amor? Faz com carinho… Não desconta nossa briga no meu cuzinho, não.

Ela riu, abrindo uma das nádegas e olhando pra trás, toda travessa.

— Sei muito bem ser delicado também, cê sabe disso.

Dei um belo cuspe e passei a língua no cuzinho dela, arrancando gemidos da sua boca. Depois encaixei o pau, penetrando devagar, até estar completamente dentro.

Ela fazia cu doce pra liberar, mas no fundo adorava dar o cuzinho. Enquanto eu metia, ela brincava com os dedos na boceta, falando todo tipo de putaria entre gritinhos de dor e prazer.

— Enche meu cu de porra, vai… Deixa ele todo arrombado, amor. Quero sentir seu leitinho em mim, vai…

Era difícil resistir àquelas pregas tão apertadas.

— Toma, minha safada ciumenta… vou gozar….

Me desmontei em cima dela, gozando com força, sentindo a respiração pesar. Não era a primeira vez que seguíamos esse roteiro: uma briga boba inventada na cabeça dela, uma reconciliação que me fazia esquecer todo o estresse… e lembrar o quanto eu amava aquela mulher.

Naqueles momentos, o amor falava mais alto. Mas, no fundo… eu começava a perceber que havia algo fora do compasso. Um desequilíbrio que, se eu não prestasse atenção, podia virar desmoronamento. Aquela noite me acendeu esse alerta.

Depois daquela briga, juramos que íamos tentar melhorar. Eu, sendo mais paciente. Ela, tentando controlar o ciúme. E por um tempo, até que funcionou. Os dias passaram, o carinho voltou, e os forrós também. Era como se a gente estivesse aprendendo a se ajustar — dois teimosos, dançando na beira de um precipício e achando que sabiam voar.

Só que o ciúme dela não sumiu. Só mudou de roupa. Agora vinha mais calado, mais contido, mas não menos presente. Bastava um olhar atravessado, um comentário besta de alguma colega minha, que ela já travava a cara e virava o tempo. E eu, de tanto tentar consertar, comecei a me calar.

Teve uma noite que eu lembro até o cheiro da camisa que eu usava. Estávamos no nosso forró de sempre. A gente tinha discutido um pouco mais cedo, uma bobagem boba — por causa de uma mensagem que a prima dela mandou no meu celular. Nada demais, só perguntando de um favor que eu tinha prometido. Jussara fez uma cara feia, resmungou algo e ficou de bico. Mas depois se ajeitou, como quem não queria estragar a noite.

Chegando lá, ela tava calada, bebendo devagar. Não dançava, só olhava. Eu tentava puxar assunto, fazer graça, mas ela só sorria amarelo.

— Vou no banheiro — ela disse, depois de um tempo. — Já volto.

Fiquei ali, esperando. Dez, quinze minutos, nada dela. Levantei pra procurar. Passei pela área do banheiro, olhei em volta… nada. Foi aí que eu achei que tinha visto, de relance, os cachos dela sumindo pela porta lateral do salão. Indo pro estacionamento.

Estranhei. Fiquei com o coração acelerado. Dei a volta por fora, tentando não fazer barulho, nem cena. E foi ali, escondido atrás de um dos carros, que vi o que nunca imaginei ver.

Jussara tava perto de um carro escuro, com um sujeito. O cabra era alto, forte, camisa aberta no peito, cara de malandro. Ele falava perto demais, tocava demais. Pegava no braço dela, no cabelo, na cintura. Ela dava risada, desviava, mas sem firmeza. Tinha aquela resistência que é mais encenação do que vontade real.

Meu sangue ferveu.

Fui chegando rápido, sem pensar. Só lembro do barulho do meu sapato no cascalho e do rosto dela mudando de cor quando me viu.

— Que porra é essa, Jussara?

O sujeito levantou as mãos, com aquele ar de deboche.

— Calma aí, irmão. Nem encostei nela, não.

— Mentiroso do caralho! Eu vi tu botando a mão nela!

— Ô, Julio, pelo amor de Deus — ela disse, se metendo no meio. — Não faz escândalo aqui.

— Escândalo? Tu tá dando risadinha pra um cabra qualquer no estacionamento e eu que tô errado?

— Eu só tava tentando despistar ele! O cara veio puxar papo, eu tentei sair, mas ele insistiu!

— Insistiu, né? Parecia que tu tava era gostando da insistência.

A raiva me cegava. Se ela não tivesse entrado no meio, eu tinha partido pra cima do sujeito. Mas ela segurou meu braço, me puxou, com os olhos arregalados de pavor.

— Vamos embora, por favor. Não quero confusão.

No carro, o silêncio era grosso como barro molhado. Eu dirigia com os dedos duros no volante. Ela, encolhida no banco, tentava justificar.

— Eu não conheço ele, Julio. Ele apareceu do nada. Ele tava cheio de fala mole sim, mas eu tava tentando sair pela tangente, só isso.

— Tangente? Se fosse eu com alguma mulher me tocando daquele jeito, tu já tava me quebrando na porrada.

— Eu sei, eu sei… — ela falou baixinho. — Tu tem razão. Eu errei. Mas eu juro, não fiz por mal. Eu fiquei nervosa, mas dispensei todas as gracinhas dele e sai andando, ele que veio atrás, eu não sei lidar com essas situações.

Ficamos em silêncio até chegar em casa. A raiva ainda fervia em mim, mas uma parte de mim queria acreditar nela. Porque amar alguém é isso, às vezes. A gente quer acreditar, mesmo quando a pulga já subiu pro boné.

A gente brigou feio naquela noite. Quando chegamos em casa, ela foi direto pro quarto, e eu fiquei na sala, sentado no escuro, com a televisão ligada em volume baixo, mas sem prestar atenção em nada.

Eu tava puto, confuso, magoado.

Ela tinha prometido, no dia seguinte, com voz mansa e olhos cheios d’água, que ia mudar. Disse que tava cansada de fazer a gente sofrer por insegurança boba, de pisar na bola sempre, que ia ser firme dali em diante.

— Eu juro, Julio... aquilo nunca mais vai acontecer. Eu te amo demais pra ficar estragando tudo desse jeito.

Fiquei olhando pra ela por um tempo, tentando encontrar alguma mentira naqueles olhos pretos. Mas o que eu vi ali foi medo. Medo de me perder. Ou, talvez, medo de ser pega no pulo de novo.

Aceitei o pedido de desculpas, mas alguma coisa em mim não voltou mais pro lugar. Ficou torta, desconfiada, encolhida num canto.

Nos dias que seguiram, tentamos voltar ao normal. Ela até ficou mais doce, mais cuidadosa. Fazia café do jeito que eu gostava, me mandava mensagens no meio do expediente, perguntando se eu tinha almoçado. Mas tinha algo ali… algo que escapava das palavras.

Jussara percebeu que tinha algo errado que não era igual a antes. Ela ficou ressentida com a minha desconfiança. E isso eu percebi.

Não dizia, mas mostrava no jeito de se calar por mais tempo. De virar pro lado oposto na cama. De demorar a responder quando eu perguntava algo bobo. Era como se guardasse alguma mágoa, não da situação em si, mas do modo como eu reagi. Como se me culpasse por não tê-la defendido mais… mesmo vendo o outro sujeito pegando nela.

Fiquei quieto. Esperei o tempo ajeitar. E ajeitou — ao menos no papel.

Voltamos aos forrós, aos domingos preguiçosos, às noites de conversa jogada fora na varanda. Mas eu comecei a reparar em coisas pequenas. Coisas que já aconteciam antes, mas eu nem via, talvez por achar bobo ou por estar cego.

Como ela saia e chegava em casa em horários meio quebrados. Às vezes dizia que ia passar na casa da mãe, mas voltava uma hora depois do normal. Outras vezes, voltava mais cedo do que o previsto, dizendo que “não tava rolando ficar lá”. Sempre com desculpa pronta, sempre com o tom leve demais.

E as compras…

Antes, Jussara era contida. Sabia cuidar do dinheiro. Mas de repente começaram a aparecer umas coisinhas novas no guarda-roupa. Blusas chiques, perfumes que eu nunca tinha visto, maquiagem importada.

— Promoção — ela dizia. — Ganhei da minha tia. Peguei emprestado com minha prima. É velho, só nunca usei.

Nada disso batia com o que eu conhecia dela.

Mas em vez de confrontar, resolvi calar. Não era burrice, era estratégia. Quem fala demais, assusta a verdade. Quem ouve calado, escuta o que precisa.

A desconfiança já vinha me cozinhando em fogo brando há dias. E naquele fim de tarde, quando ela saiu dizendo que ia na casa da mãe, resolvi que era hora de parar de esperar a verdade bater na porta. Eu é que ia atrás dela.

No trabalho, inventei uma emergência doméstica e pedi pra sair mais cedo. Peguei o ônibus direto pro bairro onde dona Denilda, minha sogra, morava, coração batendo apressado, não de ansiedade, mas de pressentimento.

Ela abriu a porta com um susto no olhar, mas logo disfarçou com um sorriso apertado.

— Júlio? Que surpresa... Aconteceu alguma coisa?

— Nada não, dona Denilda. Só passei pra dar um alô... A Jussara, ela tá por aí?

A expressão dela mudou de leve. Um franzir sutil na testa, um desconforto nas mãos que seguravam o pano de prato.

— Jussara? Ué... ela não tá aqui, não. Por que? Ela disse que vinha?

Engoli seco, mantendo o semblante sereno. Tirei o celular do bolso e disquei. Ela atendeu rápido, voz mansa como de costume.

— Amor? Tá tudo bem?

— Tudo sim. Pode comprar aquele queijo que eu gosto hoje? O amarelo redondo, sabe?

Ela hesitou um segundo.

— Ah! Tava mesmo pensando em passar no mercado quando sair daqui da casa da mãe. Se quiser, eu pego.

— Beleza. Até já.

Desliguei devagar. Dona Denilda me olhava, agora visivelmente desconcertada.

— Ela... ela disse que tava aqui?

Assenti, cruzando os braços.

— Disse sim. Que ia sair daqui pra ir no mercado.

A mulher ficou branca. Sentou na beira do sofá como se tivesse perdido o chão.

— Meu Deus do céu... essa menina. Júlio, eu não sei o que tá acontecendo. Ela não é disso. Sempre foi uma boa filha. Sincera…

— É. E uma boa atriz também, pelo visto.

Ela tentou amenizar.

— Olha, vai ver... vai ver ela tava preparando alguma surpresa. Às vezes inventa uma mentirinha boba pra disfarçar. Mulher tem dessas...

— Pois que seja surpresa, dona Denilda. Mas se for o que tô pensando... hoje ela vai se surpreender também.

Me despedi com educação, mas sem sorriso, deixando uma dona Denilda preocupada para trás. O caminho de volta foi um monólogo silencioso da minha raiva crescendo. Ao chegar em casa, Jussara já tava lá, sentada no sofá com o celular na mão e uma cara lavada de quem nunca feriu uma mosca.

— Oi, amor. Que bom que chegou cedo.

— Pois é. O serviço acabou mais cedo. E tu, chegou agora do mercado?

Ela assentiu, sorrindo. A sacola no chão ainda com os produtos. Tive vontade de gritar, mas fui direto:

— E a tua mãe? Tava bem?

Ela congelou por um segundo. Depois piscou rápido, tentando manter a calma.

— Tava sim. A gente ficou conversando bastante, mas saí mais cedo pra passar no mercado.

— Engraçado. Porque passei lá hoje. E ela disse que tu nem apareceu.

O silêncio desceu como uma cortina pesada. Jussara empalideceu. Os olhos buscaram apoio no chão, depois em mim, mas não encontraram refúgio.

— Júlio... eu posso explicar.

— Pode mesmo. Porque se não explicar direito, hoje tu dorme fora. E não é brincadeira. Nunca te vi mentindo desse jeito. E olha que quem me contou foi tua própria mãe.

— Calma... não é o que tu tá pensando...

— Então me diz o que é. Agora. Doa onde doer. Ou tu some dessa casa hoje ainda.

Ela ficou de pé num pulo, os olhos marejando. A voz embargada, mas o tom ainda defensivo.

— Eu... eu fiz merda. Mas já resolvi. Só não queria te magoar, Júlio.

— Já magoou. Agora tu vai contar tim tim por tim tim. Ou vai sair com as roupas dentro de uma sacola plástica. Tua escolha.

Ela nunca tinha me visto daquele jeito. O medo no olhar dela era real. E eu... eu nem sabia mais se queria ouvir a verdade ou só confirmar a dor que já sentia.

Ela sentou de novo, devagar, como se as pernas estivessem bambas. As lágrimas já desciam, mas eu não me comovi. Não dessa vez.

— Júlio... eu te juro... eu não queria que fosse assim.

— Assim como? Com mentira, disfarce, e tua mãe servindo de álibi sem saber? Fala logo, Jussara.

— Foi só um erro, uma sequência de erros que eu não soube como parar. Começou com um elogio, uma brincadeira besta. Um homem que apareceu nos forrós... foi gentil, foi insistente. Eu dizia que não, mas ele era insistente daquele jeito que mexe com a cabeça da gente.

— Mexe com a cabeça de quem quer ser mexida, né?

Ela se encolheu. A culpa estava ali, clara.

— Ele sabia agradar. Me levava pra jantar, pagava as coisas, fazia eu me sentir importante, desejada... Tu sabe que às vezes eu me sinto deixada de lado, Júlio. Que tu é meio seco, que parece que não repara mais...

— Ah, entendi. A culpa é minha agora?

— Não é isso... não é isso! Eu que errei. Eu fui fraca. Mas juro, Júlio... não era amor. Era só... confusão. Ele me envolveu. E teve uma noite que eu fui com ele pra um motel. Depois, mais uma vez. Só duas vezes. Eu me senti um lixo, te juro. Mas ele sabia me convencer. Ele fazia parecer que era tudo leve, divertido, como se não fosse traição…

— E era o quê, então? Recreação? Tu tava entediada e foi procurar lazer? Duas vezes, Jussara?

Ela chorava, já de joelhos, tentando segurar minha mão.

— Eu acabei. Acabei tudo com ele. Porque eu pensava em ti, toda vez que saía de lá. Pensava no teu cheiro, no teu jeito. Eu percebi que era você que eu amava quando a euforia passava. Que eu não queria mais aquilo. Que eu precisava voltar pra gente…

— E resolveu como? Me enganando? Inventando que foi na casa da tua mãe?

— Eu tava com medo! Medo de tu não perdoar, de tu nunca mais olhar na minha cara…

— Tu devia ter tido medo antes de abrir as pernas pra outro, Jussara!

Ela encolheu com o grito. A vizinha de cima arrastou uma cadeira. A tensão era palpável.

— Eu nunca quis te machucar, Júlio. Nunca!

— Tu tem ciúme de mim, mas faz com os outros aquilo que morre de medo que façam contigo. Tu queria o quê, hein? Que eu engolisse isso calado?

— Eu queria que tu... que tu me perdoasse. Eu tô aqui, dizendo tudo, me humilhando porque eu te amo demais.

Eu a olhei. De verdade. E ali, mesmo com os olhos vermelhos e a cara inchada de choro, eu enxerguei a mulher que eu amei tanto. Mas também enxerguei a mulher que me traiu. Que mentiu. Que me deixou com cara de otário.

— Não dá, Jussara. Não dá. Vai embora. Quer que eu acredite em você, depois que eu sei que é uma mentirosa?

— Júlio…

— Vai embora hoje. Agora. Junta tuas coisas. Eu te amei como nunca amei ninguém, mas eu me amo mais. E não quero mais viver com medo, igual tu dizia viver. Eu não sou igual a tu.

Ela ainda tentou insistir. Tentou se agarrar em mim. Mas quando percebeu que minha decisão tava tomada, levantou e foi pro quarto. A cada passo, o silêncio parecia mais pesado que qualquer grito.

Enquanto ela recolhia os pertences, eu sentei na beira do sofá, com o coração moído. Doeu. Mas era uma dor que eu precisava sentir. Uma dor que vinha junto com uma libertação.

Os dias seguintes foram um borrão. A casa, silenciosa demais. A cama, grande demais. A rotina, toda esburacada. Cada canto parecia gritar o nome dela, mesmo que minha raiva ainda queimasse viva.

As mensagens chegaram. Primeiro, no mesmo dia. Depois, nos seguintes. “Só quero conversar”, “Me dá mais uma chance”, “Tu não sabe o quanto eu tô sofrendo”. Apaguei todas. Mas lia antes, é claro. A dor da traição ainda morava no peito, mas eu não ia abrir a porta pra ela se sentir em casa.

Alguns dias depois, dona Denilda ligou. Atendi por educação.

— Júlio... sei que não é minha obrigação me meter, mas eu precisava falar.

— Pode falar.

— A Jussara... ela tá muito mal, meu filho. Não come, não sai do quarto, só chora. Ela errou, eu sei. Nem tenho como defender. Mas ela te amava, te ama. Só foi burra. Foi iludida por um safado qualquer. Tu sabe como mulher se engana fácil quando o coração tá carente…

— Dona Denilda, eu respeito muito a senhora. Mas eu também sofri. Eu amava aquela mulher. Só que amor sozinho não sustenta casa. Nem apaga mentira. Ela fez a escolha dela. Agora aguenta as consequência.

Ela suspirou do outro lado da linha.

— Tá certo, meu filho. Não vou insistir. Só queria que tu soubesse que ela se arrependeu de verdade.

— Boa noite, dona Denilda.

E desliguei.

Depois disso, evitei forrós, bares, até os amigos. Não queria encarar gente perguntando de Jussara. Não queria o risco de esbarrar com ela e a cicatriz abrir de novo. Me enfiei no trabalho, em casa, nas minhas próprias reflexões.

Foram semanas assim. Mas a saudade, mesmo ferida, começava a virar silêncio. E o silêncio, com o tempo, vira espaço pra coisa nova.

Foi numa sexta-feira qualquer que decidi voltar pro forró. O salão de sempre, o mesmo cheiro de cerveja misturado com suor e perfume barato. A mesma música cortando o ar quente. Mas eu, de algum modo, era outro homem.

Entrei meio receoso, como quem não queria ser visto. Olhei em volta — nada de Jussara. Ufa.

Pedi uma cerveja. Sentei num canto. E foi entre uma música e outra que vi Yasmin.

Já tinha cruzado com ela antes. Morena jambô, corpo escultural, sorriso rápido. Mas nunca trocamos mais que um “boa noite” e um aceno. Dessa vez, ela me viu primeiro e veio até mim.

— Sumido, hein?

— Tava precisando de um tempo. Resolvi voltar hoje. Quem sabe pra espantar os fantasmas.

Ela riu. Um riso bonito, livre.

— Então dança comigo. A gente espanta junto.

Fui. O corpo ainda lembrava como se mexer, e os passos acompanharam sem esforço. A conversa fluiu, simples, direta. Ela sabia que eu namorava, sabia que eu não tava mais. Sabia de mais do que falava, mas respeitou o ritmo.

No fim da noite, ela perguntou se eu queria esticar a prosa. Saímos do forró como dois cúmplices recém-formados.

Fomos direto pra minha casa, trocando beijos por todo o caminho. No carro, ela chegou a pegar no meu pau enquanto eu dirigia, rindo e dizendo o quanto eu era safado:

— Olha, que pauzão duro assim pra mim. Tô com um tesão em você…

— Se quiser já começar... — joguei um verde, provocando.

Mas ela apenas riu:

— Você é um tarado mesmo. Eu prefiro fazer com calma, ter toda a sua atenção só pra mim. Mas... tá gostoso te provocar um cadinho.

Ao chegarmos, não demoramos a ir pra cama. Eu estava sem meter há um tempinho, então me entreguei completamente àquela mulher — e ela também a mim, apesar da pouca intimidade.

Nosso sexo encaixou de cara. Não foi difícil levá-la ao orgasmo, e tampouco eu durei muito antes de gozar dentro dela. Ficamos de chamego na cama, aproveitando aquele calor, até o pau ficar duro de novo... e recomeçamos tudo.

Acordamos no meu quarto, os lençóis bagunçados e um silêncio gostoso preenchendo o espaço. Ela vestia só uma camiseta minha e sorria de canto.

— Não esperava isso hoje. Mas tô feliz que aconteceu.

— Nem eu esperava. Mas acho que tava na hora.

Era diferente. Tudo era. Yasmin não cobrava, não pressionava, não precisava provar nada. E isso, por si só, já me dava paz.

Os encontros com Yasmin começaram a virar rotina — sem a obrigação de ser. Ela não mandava mensagem cobrando onde eu tava, não fazia perguntas atravessadas, nem me olhava torto quando eu dizia que ia sair com os amigos ou que ia ficar em casa quieto. Mas também tava sempre ali, presente, com um toque carinhoso, uma palavra certa.

A gente se encontrava duas, três vezes por semana. Dançava junto, ria junto, comia besteira na rua. Às vezes, ela dormia lá em casa. Outras, eu é que dormia na dela. O sexo era bom — muito bom.

Mesmo assim, eu me pegava pensando: era só o corpo que tava viciado nela, ou o coração também tava entrando no jogo?

Yasmin tinha um jeito mais livre, mais desapegado. Não se metia nas minhas coisas, nem demonstrava grandes expectativas. E isso me deixava meio desconcertado. Depois de tudo com a Jussara, talvez eu tivesse me acostumado a ser o centro do furacão — e agora tava diante de uma brisa leve.

Teve um sábado em que decidimos ir ao mesmo forró onde eu e Jussara passávamos mais tempo. Eu tava receoso. Não era medo de encontrar, era... sei lá. Aquela pontada que bate quando a gente revê os próprios rastros.

Mas Yasmin segurou minha mão com firmeza na entrada.

— Relaxa, Julio. A noite é nossa. E se aparecer fantasma, a gente dança de costas pra ele.

Entrei com ela do lado e a cabeça erguida. Dançamos, rimos, bebemos. Ela me fez esquecer qualquer lembrança amarga por um tempo.

Mas foi depois da terceira música lenta que aconteceu.

Vi Jussara.

Ela estava perto do balcão, de vestido azul justo, cachos mais soltos, batom vermelho demais pra alguém que não queria ser notada. Nossos olhos se cruzaram. Ela parou de sorrir na hora.

Fiquei parado, tenso, mas continuei dançando. Yasmin percebeu o clima, mas não soltou minha mão.

Jussara veio. Com passos firmes, os olhos marejados e um jeito de quem ensaiou aquele momento mil vezes.

— Posso falar contigo?

— Agora?

— Só dois minutos. Não tô pedindo pra voltar. Só pra falar.

Olhei pra Yasmin, que assentiu com um sorriso educado, mas frio. Me afastei alguns metros com Jussara. A voz dela saiu num sussurro desesperado.

— Tu já tá com outra... tão rápido assim?

— Tô. E o que tem?

— Ela não é melhor que eu, Júlio. Essa aí... essa Yasmin é rodada. Já ficou com meio mundo. Tu vai trocar o amor que a gente construiu por uma mulher assim?

— O amor que a gente construiu? O que tu destruiu, tu quer agora pintar como obra de arte? Tu me traiu, mentiu, e ainda tem coragem de vir falar da vida da outra?

Ela tremeu.

— Mas eu te amava... Eu ainda amo. Eu errei, eu sei. Mas tu era tudo pra mim.

— Pois então tu devia ter me respeitado. Yasmin pode ter mil defeitos, mas não me traiu. Não me mentiu. Não fez eu me sentir um idiota. E mais: ela não tem crise de ciúme por tudo. Sabe viver. E me deixa viver também.

Ela ficou em silêncio. Os olhos dela diziam tudo: dor, ciúme, incredulidade.

— Eu só... queria entender. Por que ela e não eu?

— Porque ela não tentou me prender numa coleira enquanto corria solta no mato.

Voltei pra perto de Yasmin com o coração disparado. Ela me olhou com aqueles olhos vivos e disse:

— Fantasma encontrado?

— Enterrado.

Depois daquela noite, eu percebi que algo dentro de mim tinha virado uma chave. Jussara podia me olhar com os olhos mais úmidos do mundo, dizer as palavras mais bonitas, vestir o perfume que me fazia tremer — mas já não mexia comigo como antes. Era como ver um filme que a gente já conhece o final. E nesse filme, eu era o cara que terminava sozinho, do lado de fora, na chuva.

Com Yasmin, tudo era diferente. Não tinha promessas. Tinha presença. E essa presença foi ficando constante. Um dia era um almoço improvisado, outro era ela aparecendo com sorvete num domingo quente. Não grudava, mas somava. Não cobrava, mas cuidava. E isso, pra mim, era novidade.

A gente não falou em namoro. Nem precisou. Quando percebi, minhas roupas já estavam misturadas na gaveta dela, e a escova de dentes dela já morava na minha pia. Era uma dança silenciosa de quem aprendeu, com as pancadas, a ir com calma.

— Júlio, tu já pensou em ter filho? — ela perguntou uma vez, deitada com a cabeça no meu peito.

— Já. Mas achava que não era pra mim.

— Por quê?

— Porque sempre tive medo de errar. De ser ausente. De não conseguir dar conta. E, pra ser sincero, porque nunca confiei que ia ter alguém do lado que segurasse a barra comigo.

Ela ficou em silêncio por um tempo. Depois apertou minha mão.

— Pois se um dia esse medo passar, eu tô aqui. Quero um filho teu.

Não era uma cobrança. Era só um aviso doce de quem queria construir, mas não ia forçar.

O tempo passou. Os meses se encaixaram, sem pressa. De vez em quando, alguém do nosso círculo perguntava de Jussara. Eu respondia pouco. Só o necessário. Nunca mais falei com ela — mas de vez em quando, via de longe.

No forró, ela aparecia com outro. Um homem mais velho, cara de funcionário público. Sorria, dançava, bebia. Mas o jeito como olhava de canto, quando eu passava com Yasmin, entregava tudo. Ciúme. Arrependimento. Saudade? Talvez.

Uma vez, nos esbarramos no banheiro do salão. Ela saiu do feminino no mesmo instante em que eu saía do masculino. Parou na minha frente, como se o universo tivesse marcado encontro.

— Oi…

— Oi.

— Tu tá bem?

— Tô. E tu?

Ela deu um sorriso amarelo.

— Tô levando.

Assenti, pronto pra seguir caminho. Mas ela me segurou pelo braço.

— Júlio... só queria dizer que fico feliz por ti. De verdade. Tu merece alguém que te ame direito.

— Eu encontrei. E espero que tu encontre também.

Ela soltou o braço, e ficou ali parada, com aquele mesmo olhar de quando a gente terminou. Aquele olhar de quem queria voltar, mas já sabia que não tinha mais porta aberta.

Voltei pra pista, onde Yasmin me esperava sorrindo, uma cerveja na mão. Me recebeu com um beijo rápido no canto da boca e aquele olhar tranquilo que ela sempre carregava.

Ali, naquele instante, eu soube: eu tinha feito a escolha certa.

Os meses passaram serenos, como nunca tinham passado antes na minha vida amorosa. Eu e Yasmin tínhamos nosso próprio ritmo — mais maduro, mais leve, sem promessas mirabolantes, mas cheio de pequenos gestos que, juntos, diziam tudo. A confiança se construía no silêncio dos dias comuns, na partilha das tarefas, nas conversas atravessadas enquanto dobrávamos roupa ou fritávamos ovo.

Até que um dia, ela chegou em casa com os olhos brilhando e um teste na mão. Positivo.

— Eu fiz três, pra não ter dúvida — ela disse, rindo nervosa, como quem não sabia se pulava ou chorava.

Sentei na beira do sofá, os olhos fixos naquele palitinho rosa.

— Tu... tu tá grávida?

— Tô. E antes que tu pense qualquer coisa, eu não planejei. Mas também não tô desesperada. Se tu quiser estar junto, eu quero que seja com calma. Não vou te cobrar nada.

Puxei a mão dela devagar, beijei seus dedos um a um, e respondi:

— Eu tô contigo. De verdade. Isso aqui não é só cama, Yasmin. Tu entrou na minha vida com pé leve, mas fincou raiz sem fazer barulho. A gente vai criar esse menino — ou essa menina — do nosso jeito.

Ela chorou baixinho, e eu abracei forte. Naquele instante, sem fogos, sem trilha sonora, eu soube que era ali o meu lugar.

Os meses da gestação foram um teste. Yasmin oscilava entre o carinho extremo e umas explosões hormonais que me faziam rir por dentro. Tinha dias que chorava porque o feijão tava salgado, outros que ria porque o bebê mexia ao som de forró. Eu acompanhava tudo, sem reclamar. Era ali que eu queria estar.

E quando a nossa filha nasceu — pequena, moreninha, cheia de cabelo preto como os nossos — eu entendi o que era recomeçar do zero, mas com alicerce firme.

A chamamos de Lúcia, nome da minha avó. Yasmin gostou de cara. E assim, sem precisar de cerimônia, viramos uma família.

Voltamos ao forró só meses depois, quando a poeira baixou. Minha mãe veio do interior passar uns dias, e ficou com a pequena pra gente poder dançar de novo. Quando entramos no salão, mãos dadas, quase como nos velhos tempos, uma onda de lembranças me atingiu — mas não com dor. Com um tipo de orgulho calado. Eu tinha sobrevivido à tempestade.

No meio da noite, vi Jussara.

Ela tava num canto, abraçada com um homem barrigudo, aliança no dedo e um sorriso mecânico. Mas bastou me ver pra mudar. O olhar dela me perseguiu por uns segundos longos demais. E quando me viu pegar Yasmin pela cintura e girar no compasso da música, mordeu o lábio e desviou o rosto, fingindo conversar com alguém.

Mas eu vi. Eu vi o olhar.

Aquele olhar que eu conhecia melhor do que devia. O olhar de quem se arrependeu tarde. De quem percebeu que perdeu não só um homem, mas um companheiro. Um amor que, apesar das brigas, era verdadeiro.

Só que eu também já tinha aprendido: amor sem respeito não dura. Paixão sem verdade só leva ao abismo.

Yasmin me puxou de volta pro ritmo com um sorriso.

— Tu ainda dança bem, viu?

— To enferrujando mas ainda do pro gasto.

Os anos foram passando com a mesma naturalidade com que as estações mudam de roupa. A gente nem percebe quando o frio chega mais tarde, ou quando o vento esquenta antes do tempo. Só sente. E foi assim que nossa vida seguiu: sentindo.

Yasmin e eu aprendemos a conviver com as diferenças, sem tentar mudar um ao outro. Ela seguia sendo prática, meio fechada às vezes, mas carinhosa na medida certa. Eu aprendi a respeitar os silêncios dela, e ela, a confiar na firmeza do meu amor. Lúcia crescia linda, com o riso fácil da mãe e a teimosia minha. E toda vez que ela corria pela casa gritando “painho!”, eu sentia que tudo tinha valido a pena.

A gente ainda ia pros forrós, vez ou outra. Agora menos, mais espaçado, mas ainda dançava. Era só a música certa tocar, e Yasmin já me puxava pela mão, com aquele jeitinho dela que misturava provocação e ternura. E eu ia, claro. Sempre fui bobo por um convite bonito.

Numa dessas noites, lá estava ela de novo: Jussara.

O tempo tinha passado, mas não muito. Ela ainda era bonita, ainda chamava atenção quando passava. Estava com um homem ao lado — aliança no dedo também — e um sorriso que não convencia nem quem não conhecia. Eu sabia. A gente sempre sabe.

Nossos olhos se cruzaram por alguns segundos. E ali, no meio da dança, senti. Não raiva. Nem tristeza. Mas um tipo estranho de compaixão. Como quem vê um retrato antigo e lembra de um tempo que não volta, mas que também não dói mais.

Ela não tentou se aproximar. Nem falou comigo. Mas me olhava. E eu conhecia aquele olhar. Era ciúme. Não do presente que ela tinha — mas do futuro que ela perdeu. E mesmo com outro homem ao lado, com outro anel na mão, era pra mim que ela olhava quando achava que ninguém via.

Mas eu via.

Yasmin encostou a cabeça no meu ombro durante a música lenta, e sussurrou:

— Tu tá em outro mundo, hein?

— Tô aqui, amor. Mais aqui do que nunca.

Ela sorriu. Me deu um beijo leve no pescoço e continuou dançando. E eu, com a mulher certa nos braços e a filha dormindo em casa com o cobertor puxado até o nariz, soube que não precisava de mais nada.

Porque no fim das contas, o amor de verdade não grita, não exige, não aperta. Ele dança no compasso certo. Mesmo que o começo tenha sido fora do ritmo.

E eu? Descobri que a estabilidade de um relacionamento cercado de compreensão e companheirismo é muito melhor do que os altos e baixos de uma paixão, por mais romantizada que essa versão do amor seja.

E se às vezes cruzo com o olhar de Jussara no salão, tudo que faço é sorrir, apertar mais a cintura da minha mulher e lembrar: o ciúme mostrou o que havia de podre. Mas foi o amor, paciente e sincero, que me trouxe pro que há de mais bonito.

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Comentários

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Cara,suas histórias são profundas hein!? Sempre uma reviravolta,uma mensagem,algo que se quebra ense reconstrói. Muito legal! A certinha traiu e a "rodada" construiu uma família e uma relação estável.

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Nossa , esse conto prendeu minha respiração

De um lado uma esposa que errou mas foi mulher de confessar para o esposa .

De outro lado o esposo que sempre amou e esperava ser amado do jeito certo .

Essa história mesmo sendo em um site de co tô erótico retrata muito bem a realidade , muitas vezes nos iludimos com coisas que achamos ser melhor que temos dentro de casa , achando que oque temos e oque conquistanos é pouco , e só descobrimos a verdade quando perdemos.

Este conto faz a gente refletir bastante, a esposa se dizia que o esposo deixava ela de lado as vezes , mas será que se ela tentasse conversar com ele as coisas não poderiam mudar. ? E por outro lado , será q a esposa em algum momento do casamento não deixou o esposo de lado. ?

Nos contos sempre vejo que as esposas dão um motivo de trair , é sempre a mesma coisa , o esposo não estava dando atenção, mas a esposa conversou com o esposo ? Não, a esposa procurou saber pq a relação esfriou ? Não

Simplesmente traiu e ponto, e até parece que a traição é justificável no ponto de vista dela .

Conto muito bom , adorei ler

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