04___Roupa Suja

Um conto erótico de Thomas Britto
Categoria: Heterossexual
Contém 2531 palavras
Data: 23/07/2025 14:11:52
Última revisão: 23/07/2025 14:13:52
Assuntos: Heterossexual

04___Roupa Suja

A sexta-feira amanheceu nublada, mas com um sopro de esperança para a Bya.

Ela acordou antes do despertador, pois tinha que ir à cidade resolver umas coisas para a tia, mas, para a Bya, era como se fosse um evento especial. Ir para a cidade a pedido da tia lhe dava uma função de responsabilidade. Além disso, poderia passear sem ter que usar seu próprio dinheiro para o ônibus.

É claro que ela queria avisar o Diogo, mas era muito cedo... Ainda antes de dormir, já pensava em qual roupa iria usar. Acordou escolhendo uma das duas únicas opções que tinha. Escovou o cabelo e usou a sobra do protetor solar como se fosse base.

"Preciso urgentemente comprar alguma coisa de maquiagem", pensou.

Na cabeça, uma frase:

— "...é que gosto de mulher com boca vermelha."

Diogo tinha deixado isso escapar dias atrás, durante uma conversa qualquer, enquanto dirigia, sorrindo por trás dos óculos escuros.

Mas isso ela não esqueceu — guardou como quem recebe uma dica. Ou, ao menos, achava que tinha sido assim.

Levou junto um dinheirinho trazido de Brotas, que usava para despesas particulares. Na verdade, era até mais para emergências... E esse era um dos casos.

Enquanto terminava de amarrar o tênis, já tinha uma espécie de plano pronto: depois de resolver as coisas da tia, iria até a academia — mas, antes, passaria na perfumaria. Escolheria uma base e também o batom mais bonito, na cor mais indecente que tivesse coragem de usar.

Não era só vaidade. Era uma necessidade. Era o desejo de ser notada por ele.

Naquele último dia do mês de céu nublado, ela ainda estava no ônibus, confiante, sentia uma leve excitação, quase uma ousadia... e o calor continuava mais insuportável que antes. Às nove e meia, já havia passado na lotérica, resolvido o cartório e caminhava sem pressa pelas ruas do centro quase vazio.

Na perfumaria, a vendedora mostrou a base, o batom e ofereceu uma demonstração de maquiagem. Era ainda melhor do que podia imaginar. Sentou-se na cadeira e deixou-se maquiar. Um delineado discreto, rímel, blush leve.

Mas o batom... vermelho vivo, quase aceso. Sua boca parecia de outra mulher — mas ainda era dela.

Antes de sair, deu um toque com o perfume de amostra no pescoço e saiu de lá só com o batom e um lápis preto na sacolinha — a base ficaria para outro mês... outro dinheiro... outro dia.

Mas estava feliz, com o rosto pintado e o coração aberto e acelerado. O corpo suava no calor seco do dia, grudando seu cabelo no pescoço de um jeito trágico...

Teve a ideia de usar o banheiro da praça em frente à loja para prender o cabelo.

Fez um rabo de cavalo bem alto e se achou bonita pela primeira vez — será que era assim que ele a via?

Por um segundo, pensou que, pelo horário, já deveria ter mandado a mensagem para o Diogo, mas estava tão perdida dentro do seu próprio plano que resolveu deixar pra lá.

E, para não estragar o momento, decidiu: simplesmente apareceria na academia de surpresa. Fingiria um novo encontro casual, como havia sido da primeira vez.

Andava pelas ruas quase vazias de Santa Bárbara rumo à academia, lembrando de imitar a pose das mulheres bonitas que viu nos filmes. No reflexo das vitrines, se observava como quem ensaia um papel.

Linda? Não, linda ela não estava... Mas diferente, sim. E isso já era alguma coisa.

Será que era isso que Diogo falou? Sobre mudar, se aparecer mais?

Parou diante de uma loja de roupas femininas. Ficou louca com um vestido verde, banal, de alça fina. O preço era muito mais do que ela poderia pagar.

— Outro dia... — pensou, meio triste.

Mais adiante, teve que esperar para atravessar a rua, e uma vitrine do outro lado chamou ainda mais atenção: uma loja de lingerie. A mais bonita que já tinha visto.

— Na minha cidade não tem nada assim... — lembrou.

Os sutiãs com renda fina, os conjuntos em tons suaves ou provocantes.

Um conjunto estava o mesmo preço do vestido verde... pensou:

"Se eu não tenho dinheiro nem pro vestido, como é que vou pagar por algo assim... que ninguém vai ver?"

Ficou ali parada, desejando entrar. Ensaiando o que diria. Por causa da maquiagem, até se sentiu encorajada... A vitrine parecia um espelho cruel.

Lá dentro, a vendedora loira, alta, magra — cabelo impecável — dobrava peças com uma delicadeza e caminhava elegante, de salto alto, de um lado para o outro.

Bya sentiu-se encolher. Como se não coubesse ali.

Talvez ela não fosse como aquela garota que usava aquelas coisas bonitas.

Apressou o passo como quem tenta se recuperar de um baque.

Chegou à academia do jeito que tinha planejado, sem avisar ninguém. Queria que ele achasse que foi inesperado. Como se o destino estivesse do lado deles.

Ao chegar, a rua já estava cheia de carros — mas o dele, não.

Será que ainda não chegou?

Na recepção, viu a prima e ficou mexendo no telefone, fingindo distração. Entrou no Instagram da loja de lingerie. Rolava as fotos com o dedo, lenta, hipnotizada.

— Imagina eu com um desses...

Mas o pensamento seguinte veio sozinho:

— “Mas como comprar essas coisas?”

Será que o Diogo gosta?

A música da academia estava alta demais. Gente entrando feliz e saindo, suada. O calor fazia o ambiente pulsar.

Quando se deu conta, já haviam se passado mais de dez minutos...

Estava ali há tempo demais. O coração saltou sem avisar. Foi até a porta.

Nada.

Será que estacionou em outro lugar? Vasculhou o salão com os olhos. Nada. Corredor das aulas coletivas. Nada.

Chegou perto da prima, fingindo desinteresse:

— E aquele Diogo já chegou?

A prima olhou com desdém:

— Diogo? Quem é Diogo? — fingiu não saber. Mas sabia.

Bya engoliu seco.

— Aquele que conversou com você, que eu fui no posto… meio forte, de tatuagem... lembra?

— Ah, sim. E agora entendi por que você veio assim, toda empiriquitada...

— Não vi, não. Acho que hoje ele não veio ainda — e, com maldade, acrescentou:

— E, pelo horário, nem deve vir mais – já são dez e cinquenta...

A resposta caiu como uma pedra morna. Sem drama. Mas doeu.

Mais uma vez, ela se sentia... uma idiota.

Como se tivesse apostado alto em algo que só existia na cabeça dela.

Saiu da academia arrastando os tênis no chão quente, o rabo de cavalo ainda intacto, o batom vermelho impecável.

Os ombros pendiam pra frente, como quem faz a pose da derrota.

Puxou o elástico dos cabelos pelo lado, como quem tenta voltar a ser quem sempre foi...

Era um soco no estômago.

Mais uma vez, havia procurado a própria humilhação.

Não havia nada lá — e a culpa era toda dela.

No ponto de ônibus, não podia ser pior... Duas garotas mais bonitas que ela conversavam sobre rapazes e festas... De saltos altos, batons claros, unhas feitas.

Bya escondeu suas unhas, fechando os punhos, e os tênis velhos sob o banco imundo do ponto de ônibus.

Fingiu olhar o celular, mas não se dava por vencida – enviou:

Oi, bom dia, tudo bem???

Aquilo não ia deixar nada pior, pensou...

Ele não sabia o que aconteceu, só estava sendo educada...

Depois, mais um emoji de carinha com coração nos olhos...

Como já era de se esperar em casos assim — ele não respondeu...

Chegou em casa irritada e com raiva. Dela, sobretudo.

Sem paciência, empurrou o portão com força e sem jeito — o velho portão que sempre emperrava — e acabou batendo num dos vasos de planta da tia.

A cerâmica espatifou no chão com um estalo seco.

Ouviu o tio reclamar lá de dentro:

— Olha aí o prejuízo... parece trator chegando. Nem parece moça de família.

Pelo xingamento, ela já sabia que a tia não estava em casa.

Assustada, abaixou-se depressa, tentando juntar os cacos.

A terra se espalhava no chão de cimento pintado, misturada a lascas do vaso afiadas, à planta toda despedaçada, raiz, bituca de cigarros...

Foi até a lateral da casa, voltou com a vassoura, a mangueira, e começou a ajuntar a confusão que estava no chão — e dentro da sua cabeça também.

Ela limpava o chão, ajoelhada, como se fosse um ritual, quase uma punição.

E então ouviu a voz, vinda da calçada:

— Olha só ela aí... a Bya com Y…

Virou-se devagar. Levou uns segundos para identificar, mas o tom de voz era familiar...

— Esse bairro tá ficando cada vez melhor. Mas eu não sabia que a gente tava morando tão perto...

Era o açougueiro. Boné virado pra trás, bermudão, sem camisa, com um cordão parecido com o do Diogo, peito peludo, cheio de tatuagens pelos braços e sorriso à mostra.

— Com esse calor… só assim mesmo, né? Com a mangueira na mão, pra dar uma refrescada, hein?

Será que tudo o que vem dele é assim, imundo...? — pensou.

Ela riu, sem graça. Incomodada pelo jeito dele falar... Continuou lavando, como quem quer encerrar o assunto.

— E aí, a carne que levou tava boa?

— A gente nem fez ainda… — desconversou.

Ele piscou de canto, mas ela nem viu... Nervosa como estava, foi se levantando sem nem perceber, apertou a mangueira com força e, sem querer — molhou o pé dele, respingando pelas pernas.

A água dava um brilho na pele dele que ela não quis notar — mas notou.

— Eita! Tá querendo me dar um banho, é? — ele riu.

— Foi sem querer… — ela respondeu, mas a voz não saiu firme.

— Tem que ter cuidado, senão vou ter que te dar um banho também, já pensou?

Ela estava paralisada. Como é que ele conseguia falar aquelas coisas tão fácil, sem vergonha nenhuma?

Pensou enquanto olhava ele se secar, passando a camiseta pelo corpo.

Aquele ritmo sob o sol a pino parecia câmera lenta... grotesca e hipnótica.

Ao sair, comentou:

— Até que gostei dessa refrescada, hein, Bya. E você já sabe, né? Quando precisar, é só passar lá. Sempre tem coisa boa esperando...

Ele saiu de lá rindo...

Ela entrou rápido em casa, desligou a água, enrolando a mangueira, pensando bobagens, com o coração desregulado — mas quem era esse cara?

Só faltava essa agora.

O sol ainda ardia lá fora e, dentro da casa, o ar estava mais pesado.

Bya passou pela sala tentando ir direto pro quarto, mas a voz dele veio de encontro, a seguindo:

— E aí, mocinha... que confusão foi essa lá fora??? Quebrando as coisas da sua tia, papo com homem na calçada???

— Nada a ver, tio — ela disse, saindo...

— Mas eu vi... tava bem animada lá fora com o cara do açougue.

Ela parou. Virou-se devagar.

Encostado na porta do banheiro, estava o companheiro da tia, de chinelo, camiseta regata, e aquele olhar que nunca combinava com o que dizia.

— Você toma cuidado, viu? Porque mulher de batom vermelho assim, que conversa com quem não conhece, não presta. E você é nova por aqui... se continuar assim, se perde fácil...

Bya tentou sorrir, mas não foi convincente.

— Ele só falou comigo. Eu nem sei o nome dele, tio.

— Pode ser... mas sua tia não vai acreditar. E ela também não gosta de coisa errada. Aqui é casa de família. Não é lugar pra ficar de papo com estranho na calçada em frente de casa...

A frase ficou no ar, com cheiro de ameaça.

Ela tentou sair. Ele não abriu caminho.

— E você não percebeu, né? Tá diferente, crecida. O povo repara. Até eu reparo...

O corpo dela levou um choque.

Ficou quieta. Mas queria gritar.

— Nada a ver isso, tio. Eu fui ver umas coisas pra tia, imprimi uns currículos também, já deixei nas lojas... — mentiu, para tentar se proteger de si mesma.

— Eu quero seguir minha vida, trabalhar, sair daqui um dia, ter minha vida...

— Ah, isso é muito bom. Mas mulher assim, que sabe o que quer… sempre chama atenção. Principalmente de homem mais velho.

O olhar dele, dessa vez, pesou. Demais.

Talvez ele tenha olhado demais pro corpo dela. Aquele incômodo a deixava perturbada.

Ela não respondeu. Passou por ele devagar, como se não escutasse.

Trancou-se no banheiro.

Se enfiou debaixo do chuveiro, de roupa e tudo... com a água escorrendo, o rímel borrando e o perfume desbotando, permitiu-se esvaziar.

Chorava de soluçar sem nem saber a razão.

Não era tristeza — era cansaço, derrota, decepção.

Passou o resto do dia no quarto. Tinha muita coisa na cabeça. Muito mais tarde, deitada de lado, ainda sem ter resposta dele, achou que já era tempo pra enviar uma outra mensagem:

Oi… Te mandei mensagem faz tempo — manda um oizinho depois... tá tudo bem aí?

Ela tentou ser casual e ele respondeu bem mais tarde, às 17h23, bem despreocupado:

— Tudo sim, tô quase saindo pra facul. Me atrasei. O dia foi corrido e ainda tive que lavar a camiseta, tô quase sem roupa limpa de novo.

Ela tinha tantas perguntas, mas nenhuma coragem. Tentou manter a leveza e não ia falar nada sobre a academia.

— Ah, sei… verdade? Mas deu tempo de ir pra academia, pelo menos?

— Hahahaha, eu até fui. Mas no caminho o Murilo me chamou pra trocar uma ideia com ele. Tá com problema com a namorada de novo, maior rolo. Fui dar um apoio. Eu tava na frente, mas nem entrei. Paramos no posto — fiquei tomando uma com ele... voltei faz pouco tempo.

O posto. O maldito posto...

Bya pensou: claro — o único lugar onde ela não lembrou de ir...

— Ah, sei... mas amanhã você vai então? Porque talvez eu vá na cidade e podia passar lá. O que você acha?

— Vixi, amanhã vai ser corrido. Nem sei se dá tempo, Bya.

Preciso lavar mais um pouco de roupa pra semana que vem.

Eu tô indo pro interior ver meus velhos... tenho que pegar estrada... não gosto de viajar muito tarde.

Se não fizer isso, quando voltar tô sem roupa de novo. Hoje até tive que sair com roupa usada.

A boca secou. Esperar? E ela?

O impulso veio antes do pensamento:

— Ah, sei... mas é muita coisa?

Porque se não for, eu acho que consigo lavar pra você no fim de semana.

Ele demorou, mas respondeu:

— Jura que faria isso, Bya? Então eu vou...

Ela se animou. Ficou feliz, dizendo:

— Faço sim. É pouca coisa, né?

— Eu mostro amanhã... sim, tranquilo.

Mas eu te pago também, viu? Ela sempre cobra 40 reais mais ou menos pela quantia. Às vezes menos até, se é só coisa de academia que não precisa passar.

— Ah, sim, sei. Eu tenho roupa assim — mentiu.

— Amanhã então, a gente se vê, eu consigo treinar, a gente passeia um pouco, toma uma juntos, bate aquele papo e aproveito e já deixo as roupas.

Ela estava feliz.

Estar de novo com ele era tudo que ela queria.

— Você me espera então umas 11h30 lá no posto?

E, feliz da vida como estava, respondeu achando que estava sendo sensual:

— Sim, tá combinado então :)

— E se eu por acaso manchar sua camiseta de batom vermelho, não se preocupa que eu lavo, tá bom???

— Batom vermelho, Bya? Aí já é apelação...

Assim não dá nem pra prestar atenção na conversa.

A cabeça dela latejava.

Mas, por dentro, um alívio finalmente veio:

Eles iriam se ver de novo.

E o coração dela estava novo, em paz e escancarado.

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