Um mês havia se passado desde que Jean alugara o quarto individual no quarto andar da Pensão do Luizão. A rotina na casa seguia como um relógio: durante a semana, os trabalhadores da construção civil saíam cedo e voltavam tarde, enchendo o terceiro andar com conversas arrastadas e o cheiro persistente de suor. O quarto andar, onde apenas Luizão e Jean dormiam, era quase um oásis de silêncio. O corredor era tranquilo, interrompido apenas por ruídos ocasionais vindos do quarto de Luizão, que, sentindo-se sozinho durante o dia, às vezes se permitia assistir a vídeos pornográficos com a porta fechada e o volume baixo — embora nem tanto que passasse despercebido.
Naquela sexta-feira, Jean, por sorte, não teria aulas à tarde na USP Leste. Por volta das 13h, chegou à pensão bem na hora em que Dona Márcia, responsável pela limpeza e pela cozinha, saía mais cedo, como de costume.
— Boa tarde, Dona Márcia, até semana que vem! — disse Jean com um sorriso educado, recebendo um aceno em resposta antes de vê-la desaparecer pela calçada.
Subiu as escadas com a mochila nas costas, mas, ao se aproximar do corredor, ouviu gemidos abafados vindos do quarto de Luizão. A porta estava fechada, mas o som inconfundível de um vídeo adulto escapava pelas frestas. Jean parou, curioso, tentando não fazer barulho. O coração acelerou, e não apenas pela situação, mas pela imagem que sua mente criava ao imaginar o que Luizão — aquele coroa imponente — estaria fazendo ali.
Luizão, porém, era atento. Pela fresta da porta, notou uma sombra se movendo no corredor. Sabendo que os operários só voltariam à noite e que Dona Márcia já teria ido, deduziu que era Jean. Um sorriso malicioso se formou em seus lábios. Desligou o vídeo, como estava só de cueca, propositalmente tirou a cueca, colocou um short de futebol branco, fino, e desceu até a sala no segundo andar. Caminhou até a varanda, fingindo observar o movimento da rua, o short marcando cada detalhe de seu corpo robusto.
Pouco depois, Jean desceu ainda com a mochila no ombro.
— Opa, Seu Luizão! — cumprimentou, tentando soar natural.
Luizão se virou. O peito largo e peludo à mostra, e o short deixando evidente o contorno do que havia por baixo, mesmo em repouso.
— Opa, meu jovem! Não sabia que você já tinha chegado… Por isso tô assim. Deixa eu subir pra botar uma camisa. — falou num tom meio brincalhão.
Jean, desviando os olhos, mas não antes de encarar o volume à frente de Luizão, respondeu apressado:
— Relaxa, Seu Luizão. Aqui só tem homem mesmo, e a casa é sua.
Tentou disfarçar o rubor nas bochechas.
— Cheguei mais cedo porque não teve aula hoje à tarde.
Luizão notou o olhar de Jean e retribuiu com um sorriso discreto.
— Tá certo. Se não incomoda, fico assim mesmo. — E sentou-se no sofá, esticando as pernas musculosas.
Jean comentou que iria até a adega buscar umas cervejas e perguntou se Luizão queria alguma.
— Pô, aceito sim! Quer que eu te dê um troco? — ofereceu Luizão.
— Não precisa, eu pago. — respondeu Jean, com um aceno.
Ao voltar, trazendo algumas latas geladas, encontrou Luizão ainda no sofá, agora mais à vontade, o short colado ao corpo. Sentaram-se, abriram as latas, e a conversa começou a fluir com leveza. Falaram sobre São Paulo, os estudos de Jean, o movimento na rua 25 de Março. Por volta das 15h, Luizão levantou-se:
— Vou dar um mijão rapidão, já volto. — disse com naturalidade.
Jean assentiu com um sorriso, tomando mais um gole de cerveja.
Quando voltou, a conversa tomou um rumo mais pessoal. Luizão, com a voz grave e um brilho curioso nos olhos, perguntou:
— E aí, Jean, não namora ninguém? Um cara novo, bonito, estudante de medicina… deve ter um monte de gente no teu pé.
Jean riu, um pouco sem graça:
— Ainda não encontrei um pretendente, Seu Luizão.
Luizão arqueou uma sobrancelha, intrigado:
— Um? Como assim, “um”?
Jean riu mais abertamente, talvez ajudado pela cerveja:
— Isso mesmo. Eu sou gay. Tento ser discreto, mas é isso aí.
Deu de ombros, atento à reação do outro.
Luizão manteve a expressão tranquila, mas com um leve sorriso nos lábios.
— Pô, tu é discreto mesmo. Nunca imaginei. Mas tá de boa, cada um com a sua vida.
Jean aproveitou para devolver a pergunta:
— E o senhor, não namora ninguém?
Luizão soltou uma risada grave, recostando-se no sofá:
— Depois que me separei, preferi ficar sozinho. A ex levou os filhos pro Nordeste e eu fiquei por aqui. Vivo dos aluguéis, treino à tarde, cozinho no fim de semana… tô vivendo minha paz.
Deu mais um gole na cerveja, os olhos fixos em Jean por um momento mais longo.
A conversa foi murchando aos poucos, e Jean, sentindo o peso daquele olhar, levantou-se:
— Vou subir, descansar um pouco.
— Beleza, meu jovem. Qualquer coisa, tô por aqui. — respondeu Luizão, ainda no sofá, observando Jean subir as escadas, o short jeans justo destacando a bunda empinada.
Luizão ficou ali, pensativo, com a lata de cerveja na mão, sentindo que alguma coisa — sutil, mas intensa — começava a mudar no ar da pensão.