Capítulo 19 – A Casa Silenciosa Que Falava
A casa parecia respirar de outro modo. Não era maior, mas algo nela havia se expandido. Os móveis pareciam mais cúmplices, o ar mais denso de histórias não ditas. Desde a noite anterior, os silêncios entre Clara, Marcos e Júlia não eram mais hesitação — eram pactos.
No café da manhã, Júlia chegou à mesa ainda em silêncio, mas com o rosto tranquilo. Havia algo em sua expressão que não se via ali antes. Não era apenas serenidade. Era pertencimento.
Clara a observava com olhos de quem colheu o que plantou. E Marcos, ainda com vestígios da noite passada nos gestos, serviu o café de todos com um cuidado reverente.
A campainha tocou. Clara olhou o relógio.
— Os primeiros convidados chegaram.
A casa seria palco de uma pequena recepção — um almoço para amigos próximos, familiares e alguns colegas de Marcos do trabalho. A bebê, que dormia como se intuísse o clima de iniciação da casa, seria oficialmente apresentada. Mas, sob a superfície, havia algo mais: seria também o primeiro grande teste social para os três.
Júlia vestia um vestido azul claro, de tecido leve e corte recatado, mas sua postura era outra. Não havia mais aquela rigidez de quando chegou. Movia-se como quem ocupa um espaço com direito. Como quem fora não só convidada, mas escolhida.
Clara a puxou levemente para o espelho antes da chegada de outros convidados e ajeitou um fio de cabelo atrás da orelha dela.
— Você está linda.
Júlia não respondeu, mas seu sorriso disse o que precisava ser dito.
Marcos apareceu no corredor, engomado, com a camisa social branca e um leve rubor natural no rosto. Carregava um buquê pequeno de flores do jardim para decorar a mesa.
Clara, de novo, notou o gesto. Pequeno, mas simbólico.
— É a sua forma de agradecer? — perguntou ela, com um sorriso.
Ele assentiu em silêncio.
Os convidados começaram a encher os espaços. Conversas comuns, risadas, elogios à decoração e à bebê. A mesa repleta de comidas feitas em conjunto pelas mãos de Clara e Júlia — e algumas receitas que Marcos testara em segredo, apenas para surpreender.
— A babá parece da família — comentou uma prima distante de Clara.
— Não parece — respondeu Clara com serenidade. — Ela é.
No meio da tarde, depois de alguns brindes e histórias sobre fraldas, Clara chamou Marcos ao pé do ouvido.
— Lembra da tarefa silenciosa?
Ele assentiu, desconfiado.
— Quero que vá até o lavabo e me espere lá.
Ela saiu sem esperar resposta. Passou discretamente por Júlia, disse apenas “observe” e desapareceu.
No lavabo, Marcos esperava com o mesmo frio na barriga que tivera no primeiro ritual. Mas agora havia algo mais: expectativa. Clara entrou, trancou a porta. Não havia tempo para carícias longas, mas o gesto era claro. Ela se abaixou diante dele e o olhou como quem diz: “não esqueça quem conduz.”
E quando ele deixou escapar o som contido de entrega, Clara se ergueu, segurou sua cintura e, com um beijo calmo, o selou — enquanto suas mãos o mantinham firme, como se segurassem um fio invisível entre os dois.
Júlia, que havia se posicionado casualmente próximo ao corredor, viu Clara sair com um sorriso triunfante. Ao passar, sussurrou:
— Ele está pronto para o próximo nível.
Júlia não sabia se aquilo era um aviso ou um convite.
À noite, depois que a casa voltou ao seu silêncio de sempre, Clara preparou uma bandeja com chá e uvas. Chamou os dois para o quarto. O quarto agora era dos três.
Sentaram-se juntos na cama, como se fossem uma única trama.
Luísa, por mensagem, havia deixado uma última instrução:
"O último jogo é o mais difícil. Agora vocês devem conviver. Com naturalidade. Com sinceridade. Com as pausas e os risos. O erotismo está nas entrelinhas. A intimidade está no dia seguinte.”
Clara leu em voz alta, como uma bênção.
Júlia encostou a cabeça no ombro dela e Marcos, sem dizer palavra, estendeu a mão por cima das duas.
Não era mais um ritual.
Era um lar.