Capítulo 8 – Três por Um e a Nova Chegada
Marcos levou a sério a dívida.
Na manhã seguinte ao jogo, enquanto Clara dormia exausta com o bebê ao lado, ele preparou um café da manhã silencioso, cortou frutas como ela gostava — com lascas de coco fresco — e deixou um bilhete dobrado sob a bandeja:
"Compensação 1: começar pelo seu corpo cansado antes do meu."
Ela acordou com o gesto e o sorriso sonolento de quem sente que algo mudou.
Na noite seguinte, a segunda compensação foi mais sutil: um banho morno com pétalas no box, que ele preparou enquanto ela amamentava. Quando entrou, encontrou-o sentado no chão do banheiro, de cueca, pronto para massagear suas pernas, pés e costas com um óleo de lavanda que ela adorava, mas que nunca mais tinha usado desde a gravidez.
— Estou no negativo ainda — ele disse com um sorrisinho tímido, enquanto os dedos deslizavam devagar sob seus ombros nus.
Clara, derretida, fechou os olhos. Estava deixando-se ser cuidada sem culpa. Era um prazer novo: passivo, recebido, legítimo.
A terceira compensação veio em forma de palavra.
— Escrevi pra você — ele disse, entregando-lhe um caderno de capa preta.
Clara abriu e leu em silêncio. Ele havia escrito um conto curto, uma fantasia sensual em que ela era a protagonista: desejada, reverenciada, misteriosa e forte. A personagem feminina tinha curvas reais, peito farto de leite e um olhar capaz de dominar o ambiente. A cada página, Clara via um desejo antigo seu traduzido na ficção. E ao final, havia apenas uma dedicatória:
"Você ainda é meu mundo. Mas agora você é mais. Mais mãe. Mais mulher. Mais você. Estou reaprendendo a te merecer."
Ela não respondeu. Apenas deitou sobre ele naquela noite, vestida de silêncio e gratidão.
Com a bebê completando dois meses, Clara decidiu organizar uma pequena recepção para apresentá-la à família e aos amigos. Nada formal — só flores frescas, almofadas pelo chão, sucos naturais e luz suave. Mas ela queria estar bonita. Queria se sentir celebrada junto da filha.
Foi Luísa, a terapeuta, quem sugeriu que talvez estivesse na hora de contratar alguém para ajudar com o bebê por algumas horas ao dia.
— Não como substituta — disse ela — mas como aliada. Toda mulher merece respirar. O cuidado compartilhado é ferramenta de libertação.
E apresentou uma jovem chamada Júlia: enfermeira pediátrica de formação, feminista, serena, com um olhar acolhedor e postura respeitosa. Clara simpatizou com ela de imediato.
— Aqui o cuidado é horizontal — Júlia disse, ao conhecer o casal. — A casa é de vocês. Eu só ajudo a proteger o tempo que a Clara também precisa pra ser… ela mesma.
Na festa, Clara usava um vestido longo, fluido, com o decote leve que deixava transparecer a maternidade com beleza, não como fardo. A bebê dormia tranquila nos braços de Júlia, enquanto Clara e Marcos recebiam abraços, sorrisos e até algumas perguntas indiscretas sobre o parto — às quais ela respondia com humor e firmeza.
No fim da tarde, quando todos já tinham ido, Clara encostou-se na varanda, sentindo o vento morno nas costas. Marcos a abraçou por trás.
— As três compensações já foram? — ele perguntou.
Ela sorriu, sem se virar.
— Foram lindas. Mas agora... tenho vontade de jogar de novo.
Ele riu.
— Com juros?
Ela se virou devagar e encostou os lábios nos dele.
— Com juros compostos, coelhinho.