Título: "Silêncio Entre as Paredes"
Clara olhava fixamente para a tela do teste de gravidez, como se esperasse que as duas linhas desaparecessem sozinhas. O silêncio do banheiro contrastava com o turbilhão dentro dela. Estava grávida. De Marcos.
Ela sentou-se no chão frio de azulejos, com os joelhos abraçados, o olhar perdido. Não era medo, nem raiva, exatamente. Era uma mistura desconfortável de incredulidade e resignação. O filho era dele, claro — seu marido. Mas o que significava isso, agora?
Marcos era gentil, trabalhador, prestativo. Mas na cama, Clara se sentia sozinha. O toque dele era apressado, ansioso, como se a urgência de terminar o ato fosse mais forte do que o desejo de partilhá-lo. As primeiras vezes, ela tentou conversar. "Você está nervoso?", perguntava com cuidado. Ele sorria, meio envergonhado, desviando o assunto. Depois, ela desistiu de falar e passou a fingir. Fingir prazer, fingir que não se importava, fingir que estava tudo bem.
No entanto, cada gemido encenado corroía um pouco mais a intimidade deles.
Agora, havia esse bebê — um milagre biológico vindo de um instante fugaz, de uma noite em que Clara sequer se lembrava de ter sentido algo além do peso do dever conjugal. E isso a incomodava. A gravidez a ligava ainda mais a Marcos, mas também escancarava o vazio que ela carregava por dentro.
Marcos entrou no quarto e a encontrou sentada na beira da cama, segurando o teste.
— Clara? Está tudo bem?
Ela não respondeu de imediato. Apenas olhou para ele como quem olha uma fotografia antiga: reconhecendo os contornos, mas não mais sentindo a mesma ligação.
— Estou grávida — disse, por fim, com voz neutra.
Ele arregalou os olhos, depois abriu um sorriso hesitante.
— Sério? Ah, meu Deus! Que alegria!
Ela sorriu de volta. Um sorriso treinado. Mas dentro dela, algo gritava.
Dias depois, Clara começou a escrever. Um diário. Uma tentativa de se entender. Anotava tudo: suas vontades, seus silêncios, seus desejos não atendidos. Às vezes, imaginava uma vida paralela — com um homem que a fizesse gozar com palavras, com gestos, com o tempo certo. Que a olhasse como um mistério, e não como uma obrigação semanal.
Mas então se lembrava do filho. Sim, filho. Ou filha. Algo que não tinha culpa da dor dos pais. Algo que talvez mudasse tudo — ou nada.
Certa noite, ao deitar-se, Clara virou-se para Marcos e tocou-lhe o peito.
— Precisamos conversar sobre nós — disse ela, firme.
Ele a olhou, confuso.
— Clara… eu sei que não sou perfeito.
— Não se trata disso. É sobre o que somos, o que queremos. O que sentimos. E o que deixamos de sentir.
Marcos hesitou. Pela primeira vez em muito tempo, pareceu ouvir de verdade.
Ela continuou:
— Eu vou ter esse filho. Mas não quero que ele cresça num lar cheio de silêncios e fingimentos. Quero verdade. Mesmo que doa.
E então, ali, naquela cama fria e emocionalmente desarrumada, os dois começaram — enfim — a se despir da fantasia do casamento perfeito.
Epílogo:
Meses depois, Clara segurava o bebê no colo. O mundo parecia outro. Marcos mudara. Procurou ajuda, leu, ouviu. Mas as marcas do passado ainda estavam ali. O amor, talvez, estivesse reaprendendo a nascer — assim como ela, como mãe, mulher, e alguém que não queria mais fingir.
Porque, às vezes, a maior revolução começa com duas linhas vermelhas e o r que elas quebram.