Sem esperar, Ricardo surpreendeu Tony com um beijo caloroso. Era um beijo ardente, carregado de paixão reprimida. Tony se entregou completamente àquele momento. Beijaram-se com intensidade, num gesto molhado e profundo, esperado por tempo demais. Ricardo nunca havia beijado outro garoto antes. Sentiu-se no céu — entre as estrelas e a lua —, envolvido por uma sensação inédita e arrebatadora.
Ficaram ali, abraçados, por alguns minutos, saboreando aquele instante de descoberta e verdade.
Tony, com a respiração ofegante, perguntou, ainda surpreso:
— O que foi isso?
Ricardo, um pouco sem graça, respondeu:
— Esse foi o meu primeiro beijo em um homem. Eu também sou gay, cara... Só que eu não queria ser. Ainda estou tentando me aceitar, entende?
Tony assentiu com o olhar.
— Entendo sim. Eu e o Fernando já passamos por isso também.
— Como você sabe que o Fernando passou por isso?
— Porque todos nós passamos, Ricardo. Gays, bissexuais, lésbicas... Qualquer um que foge da "norma" sofre esse conflito interno em algum momento.
Ricardo sorriu, aliviado por não estar sozinho naquele sentimento.
— Foi muito bom você ter vindo pra cá, Tony. De verdade.
Ele hesitou um pouco, corou e disse com sinceridade:
— Desde o primeiro momento em que te vi hoje na escola... me conectei com o seu olhar. Me apaixonei por você ali mesmo.
Tony ficou em silêncio. Aquilo o pegou de surpresa. Sem saber como reagir, voltou para o quarto de Fernando sem dizer uma palavra, deixando Ricardo apreensivo. Ainda assim, Ricardo o seguiu.
Fernando, ao vê-los retornando, comentou:
— Pensei que tivessem saído.
— Não, cara. Não íamos te deixar aqui — respondeu Tony com um meio sorriso.
Ricardo então tentou resolver uma pendência.
— Precisamos entrar em contato com seus pais. Eles devem estar preocupados. Qual é o número deles?
Fernando passou os dados e, rapidamente, Ricardo fez a ligação, explicou o ocorrido e pediu que viessem ao hospital o quanto antes.
— Obrigado por me ajudarem — disse Fernando, com os olhos marejados.
— Não fomos só nós — corrigiu Tony. — Se não fosse o Jonathan e a Indiara, ainda estaríamos na rua.
— Jonathan e Indiara? — Fernando franziu a testa, confuso. — Não conheço eles.
— Tudo bem. Um dia talvez conheça — disse Ricardo, tentando não se estender no assunto.
Tony consultou o relógio.
— Mano, temos que ir. Seus pais devem estar chegando. E amanhã temos aula cedo.
— Tranquilo. Obrigado mais uma vez. E, se possível, quero manter contato com vocês.
Ele hesitou por um segundo, depois encarou Ricardo.
— Ah, e desculpa... Eu ouvi a conversa de vocês dois. Sem querer.
Ricardo ficou paralisado. Aquilo o deixou desconfortável.
— Fica tranquilo — completou Fernando rapidamente. — Não vou contar a ninguém. Prometo.
Ricardo respirou fundo e assentiu.
— Tudo bem. Vou confiar em você.
Fernando então comentou, com um ar sério:
— Uma hora ou outra... você vai ter que contar aos seus pais.
Ricardo não respondeu. Apenas o olhou, pensativo. Os três trocaram olhares e, por fim, Ricardo e Tony se despediram, saindo do hospital e tomando caminhos diferentes.
Foi uma caminhada longa até em casa. Quando Ricardo finalmente chegou, encontrou o irmão André dormindo no sofá, com a cabeça no colo da mãe.
— Já cheguei, dona Zélia — anunciou ele, tirando os tênis.
— Demorou, meu filho. A festa estava tão boa assim?
— Na verdade, saí cedo... mas encontrei um garoto machucado na rua. Levei ele ao hospital. Apanhou muito.
— Meu Deus, e ele está bem?
— Sim. Levou alguns pontos na cabeça, mas vai ficar bem.
— Que bom. E sua irmã, Amanda? Onde está?
— Estava na festa chorando. Acho que brigou com o namorado.
Zélia suspirou, preocupada.
— O que será que aconteceu?
— Não sei. Mas parece sério. Bem, vou subir pra dormir.
— Tá certo. Boa noite, filho.
Ricardo subiu, tomou banho e ficou revivendo mentalmente tudo o que acontecera naquele dia: a volta às aulas, a declaração de Marília, o beijo em Tony, a dor de Fernando... Em certo momento, deixou as lágrimas caírem livremente.
Quando saiu do banheiro, ainda com a toalha nos ombros, ouviu o celular vibrar.
— Diga — atendeu.
Uma voz desconhecida respondeu, fria e ameaçadora:
— Fique longe do Fernando. Está ouvindo? Longe dele, ou eu pego você.
— Alô? Quem tá falando? — Ricardo perguntou, já com o coração acelerado.
— Você entendeu bem. Esqueça que conheceu ele... ou vai se machucar feio.
Ricardo ficou parado, com o telefone ainda encostado na orelha, sentindo o pavor crescer no peito.
Continua...