Ricardo se assustou completamente com aquela descoberta.
Não… Marília não podia gostar dele. Ao olhar na direção dela e ver os dois — Marília e Tony — lado a lado, o coração de Ricardo apertou. O garoto por quem ele começava a se apaixonar… e a garota que era apaixonada por ele. Tudo parecia fazer sentido agora. Lembrou-se da forma como Marília sempre o tratava com carinho ao longo dos anos. E mais ainda… se recordou de seu último sonho: estava numa festa, beijando uma garota — Marília — que se transformava em um garoto — Tony. Aquilo o assustou.
— Então, Rick… você vai ter que conversar com ela — disse Carol, tirando-o dos devaneios.
— Mas, Carol… ela é minha amiga. Gosto dela… mas só como amiga.
— O problema é que ela gosta de você como homem.
Ricardo ficou pensativo, mas assentiu. Enquanto caminhavam de volta ao grupo, Carol fez um sinal discreto para Marília. A garota entendeu: ele já sabia.
Na mente de Ricardo, surgia a ideia de tentar algo com Marília, talvez para esquecer seu desejo por garotos. Mas logo sentia o peso disso: ele estaria apenas usando os sentimentos dela. Aquilo acabou com seu clima de festa.
— É impressão minha ou o clima aqui tá meio pesado? — perguntou Tony, tentando quebrar o silêncio.
Carol olhou para Marília e Ricardo, e vendo que nenhum dos dois falaria, puxou Tony para a pista de dança. Ricardo e Marília ficaram constrangidos.
Por alguns segundos, reinou um silêncio ensurdecedor.
— Acho que precisamos conversar — disse Ricardo.
Marília apenas assentiu. Estava gelada e com o coração acelerado. Enquanto caminhavam para um canto mais tranquilo da festa, Ricardo notou sua irmã Amanda chorando, discutindo com o namorado Bruno. Mas logo voltou sua atenção para Marília.
— O que a Carol me disse… é verdade?
— Sim, Rick.
— Mas… por que você não me disse antes?
— Eu não sabia como você ia reagir. E a Carol sempre soube falar melhor… foi ela quem me convenceu a te contar. Senão, você nunca saberia.
— Seria melhor se não tivesse dito — respondeu ele, sem pensar.
O arrependimento veio imediatamente. Os olhos de Marília se encheram de lágrimas e ela saiu correndo da festa. Ricardo foi atrás, mas Carol o impediu.
— Deixa que eu vou atrás dela. É melhor assim.
— Droga… falei besteira.
Carol correu atrás de Marília, deixando Ricardo sozinho. Tony veio ao seu encontro.
— Cara, o que houve?
— Fiz uma burrada — disse Ricardo, explicando tudo.
Tony pareceu um pouco abatido, mas disfarçou.
— Você fez a coisa certa. Se não a ama, não tem por que fingir. Você tem que buscar o que te faz feliz, não o que parece certo pros outros.
As palavras de Tony tocaram fundo em Ricardo. Apesar de tudo, ele ainda não sabia se Tony também se interessava por garotos. Pensou na quase-beijo que aconteceu entre eles, e no desvio de Tony. Será que ele desviou por não gostar? Sua mente já não estava em clima de festa.
— Cara, acho que já vou embora. E você?
— Também. Só vim porque você me chamou.
Ricardo sorriu. Tony retribuiu o gesto.
— Vamos avisar o Léo? Sabe onde ele foi?
— Sei sim. Vem comigo.
No meio da multidão dançante, foram abrindo caminho até uma porta fechada. Ao abri-la, depararam-se com uma cena chocante: um dos homens misteriosos que haviam chegado mais cedo estava segurando o braço de Léo com força, quase o quebrando. Ao verem os garotos, o homem soltou o braço e disse:
— Estamos entendidos, então.
Eles saíram. Tony e Ricardo correram até Léo, que massageava o braço, com o rosto machucado.
— O que aconteceu, cara? — perguntou Ricardo.
— Nada que vocês precisem se preocupar — respondeu Léo.
— Como assim, cara? Olha pra você — disse Tony, ajudando-o a se levantar.
Léo se soltou bruscamente e saiu da sala.
— O que será que aconteceu? — perguntou Ricardo.
— Não sei, mas deve ser sério. Vamos embora.
Já fora da festa, caminhavam sob um céu estrelado. Ao lado da lua, uma estrela brilhava mais do que todas.
— Olha aquela estrela ali — disse Tony.
— É mesmo. Brilhante… parece com você.
— Haha. Parece com a gente.
— É… com a nossa amizade.
Tony ficou em silêncio por um momento. Depois, disse:
— Cara, nem te agradeci por hoje. Pensando agora… talvez não teria valido a pena tentar morrer. Se tivesse feito aquilo, não estaria aqui com você agora. Você é um cara legal, me fez esquecer um pouco a vida em São Paulo. Obrigado.
— Pô, cara… você sabe como emocionar alguém. Foi bom te conhecer. Olha só… nossa estrela tá brilhando mais.
Ambos olharam para o céu com lágrimas nos olhos. Ricardo queria beijar Tony ali mesmo, mas o medo ainda o segurava. Tony então o abraçou e chorou.
— O que foi, cara?
— Não sei… mas sinto que te conheço há muito tempo. Desde a primeira vez que te vi na escola… senti algo. E, mano… tenho que te contar uma coisa. Espero que você não deixe de ser meu amigo por isso.
— Nunca deixaria de ser seu amigo, cara. Prometo.
— Ricardo… eu sou gay.
Foi um momento intenso. Ricardo digeria a revelação por fora com serenidade, mas por dentro… vibrava de alegria. Ele tinha uma chance.
— Sei que é difícil de ouvir. Minha vida inteira foi assim. Quando conto para alguém, muitos se afastam. Poucos me apoiaram. Esses, sim, posso chamar de amigos.
— Então… sou mais um que você pode chamar assim.
— Obrigado, cara. Obrigado mesmo.
Abraçaram-se novamente. Tony chorava muito, e Ricardo entendia a dor. Só havia eles dois ali, como se o mundo tivesse parado. Ricardo queria contar seu próprio segredo também, mas ainda tinha medo.
— Quer que eu te acompanhe até em casa?
— Não precisa. Moro perto da sua. Vai ficar tarde pra você, e acho perigoso. Você é o único aqui que sabe do meu segredo. Não quero que nada aconteça com você.
“A única pessoa que sabe do meu segredo.” Essas palavras pesaram. Ricardo sentiu que precisava falar.
— Tony, eu...
Mas foi interrompido por uma cena horrível ao virarem a esquina.
Um garoto jazia no chão, contorcendo-se de dor. Sua cabeça sangrava muito. Ele mal conseguia falar.
— Socorro… me ajudem...
Continua...