A música estava alta, o ambiente tomado por luzes coloridas que dançavam junto com a multidão. Na pista, Ricardo se deixava levar pelo ritmo pulsante da balada. Pulava, sacudia os braços, ria, bebia algo gelado e mordiscava petiscos servidos em bandejas que passavam. Estava se divertindo como há muito não fazia.
De repente, em meio à multidão, surgiu uma garota deslumbrante. Tinha olhos azuis intensos, que pareciam brilhar sob as luzes da festa, e cabelos negros, lisos e sedosos, que deslizavam pelos ombros como uma cascata. Ela se aproximou sem dizer uma palavra e, num impulso inesperado, tascou um beijo quente em Ricardo. Ele, tomado pela energia do momento, se entregou sem pensar, sentindo o calor e o frenesi daquele instante.
Mas, subitamente, tudo mudou. A linda garota começou a se transformar diante dos seus olhos. Seus traços delicados deram lugar a um rosto masculino, firme e sedutor. Os cabelos diminuíram, o corpo ficou mais robusto, alto e másculo. O homem que agora o beijava era incrivelmente atraente. Ricardo se afastou num salto, assustado — e então acordou. Tudo não passara de um sonho. Um estranho, confuso e perturbador sonho.
Esse tipo de sonho não era novidade para ele. Ricardo, um rapaz de 17 anos, moreno-claro, de corpo esguio e definido na medida certa, cabelos lisos e levemente dourados, vivia no interior da Bahia. Era considerado bonito por muitos, mas carregava consigo um segredo que só o seu diário conhecia. Nele, Ricardo desabafava tudo que não tinha coragem de dizer a ninguém.
Ele sabia que sentia algo diferente. Havia uma atração silenciosa por outros garotos, algo que o confundia profundamente. Crescera ouvindo que isso era errado, que era pecado, e por isso lutava contra seus pensamentos, tentando afastá-los. Nunca tinha ficado com outro garoto, embora já tivesse ficado com algumas meninas — mais por pressão social do que por vontade real.
Naquela manhã, ele se preparava para o primeiro dia do último ano do ensino médio. Levantou-se ainda pensativo com o sonho, tomou um banho quente e vestiu-se com uma roupa leve, apropriada para o calor típico da região. Ao descer, encontrou a mãe na cozinha.
— Bom dia, filho. O café já está na mesa — disse ela com um sorriso acolhedor. — Fiz panquecas, sua comida preferida, pra você começar bem o primeiro dia de aula.
— Bom dia, mãe. Valeu pelo café… — respondeu ele, sorrindo e dando um beijo carinhoso em sua testa. — Mas nem me lembre de aula agora!
— Vá comer, menino! Vai acabar se atrasando — ela disse, rindo.
— Ah, o último ano do colégio… ainda bem! — comentou, sentando-se à mesa. — Mas cadê o André e a Amanda?
— O André já saiu. Foi encontrar os colegas na escola. E a Amanda foi pra casa do namorado.
— Desde cedo grudada no ado… daqui a pouco ele larga dela — brincou Ricardo, fazendo a mãe rir. — Que garota grudenta!
— Ah, mas eles são tão bonitinhos juntos… E você, cadê a namorada, hein?
Ricardo desviou o olhar, mantendo o mesmo discurso de sempre:
— Mãe… quando eu achar a garota certa, eu apresento.
E se levantou rapidamente, encerrando o assunto como fazia todas as vezes que surgia esse tipo de pergunta.
A escola era próxima de sua casa, então caminhou tranquilamente pelas ruas já movimentadas. Ao chegar, foi recebido pela visão familiar do grande prédio com seu amplo pátio, onde grupos de estudantes se organizavam por série. Procurou o grupo de amigos até encontrá-los.
A primeira a notar sua chegada foi Carol — a mais alta do grupo, com seus cabelos cacheados, volumosos e bem cuidados. Era negra, inteligente, espirituosa e dona de uma beleza vibrante.
— Oi, Rick! Pensei que você fosse furar no primeiro dia — disse, sorrindo.
— Claro que não, Carol! Vim ver meus amigos, né?
Logo em seguida, Marília também se aproximou. Tímida, baixinha, de cabelos loiros lisos e olhos castanhos claros, tinha um jeito doce e falava com delicadeza:
— Eu sabia que você viria... ainda mais sabendo da festa que o Léo vai dar depois da aula, né, Léo?
Léo, que estava ao lado delas, sorriu. Era alto, forte, com os cabelos raspados e olhos de um castanho quase dourado. Era o melhor amigo de Ricardo desde o fundamental.
— Sim, cara. Vai ter uma festa na minha casa. Depois da aula, já sabe, né?
Ricardo sorriu animado.
— Que legal! Tava mesmo precisando de um pouco de festa.
O dia apenas começava, e mal sabia Ricardo que esse seria o início de uma jornada que o obrigaria a encarar a si mesmo com mais coragem do que jamais tivera.
O sinal finalmente bateu, e o burburinho no pátio se transformou em movimento. Os alunos começaram a entrar nas salas, alguns animados, outros com aquele ar típico de quem preferia estar em qualquer outro lugar. Ricardo e seus amigos seguiram juntos até a sala do 3º ano.
Ao entrar, Ricardo olhou ao redor, observando os rostos familiares — alguns colegas de anos anteriores, outros apenas de vista. Mas havia também rostos novos, alunos transferidos ou repetentes. A sala estava cheia, barulhenta, viva.
E então, por um instante, o tempo pareceu desacelerar.
Ao fundo, encostado próximo à janela, estava um garoto que Ricardo nunca tinha visto antes. Ele estava de perfil, apoiado na carteira, mexendo no celular. Quando ergueu o rosto e virou-se para olhar em direção à porta, seus olhos cruzaram com os de Ricardo.
Foi como um estalo.
Os olhos do garoto eram de um castanho profundo, quase âmbar, intensos e misteriosos. Os cabelos eram pretos, lisos, com uma franja leve que caía sobre a testa. A pele era morena, suave como se tivesse sido esculpida à luz do entardecer. E o olhar... havia algo naquele olhar que fez o coração de Ricardo disparar.
Por breves segundos, os dois ficaram se encarando, como se o resto do mundo tivesse se apagado. Um brilho silencioso atravessou o olhar de ambos — algo novo, desconhecido, mas forte.
Ricardo sentiu um frio percorrer sua espinha. O estômago revirou. O coração acelerou tanto que ele achou que alguém pudesse ouvir.
— Rick? — chamou Carol, dando-lhe um leve toque no braço. — Tá tudo bem?
Ele piscou, saindo do transe.
— O quê? Tá sim… — respondeu, tentando disfarçar o impacto daquele momento.
Mas por dentro, tudo estava diferente. Ele não sabia o nome do garoto. Não sabia de onde ele vinha. Mas naquele instante, com um único olhar, Ricardo teve certeza: acabara de se apaixonar à primeira vista.
Continua...