Ela sorriu de novo, e aquele sorriso… ah, aquele sorriso era o sol em pessoa, capaz de aquecer a alma e espantar qualquer preguiça. “Passa das quatro da tarde, meu bem”, respondeu calmamente, os olhos rindo. “Você dormiu como um urso!”
Quatro da tarde! A revelação me atingiu com um leve choque. Eu tinha realmente dormido por horas a fio. A exaustão era genuína.
Levantei-me, o corpo ainda um pouco pesado e mole, e ajeitei-me minimamente — vestia uma camiseta roxa e uma bermuda vinho — ainda sentindo o cheiro suave do sabonete e do predador na minha pele. Segui o rastro do aroma convidativo do café, que já se espalhava pela casa, um convite irrecusável para despertar de vez.
Juntei-me a ela na cozinha, o coração da casa da vovó, sempre quente e acolhedor. Lá, sobre a mesa de madeira desgastada, cujas marcas de uso e do tempo pareciam contar suas próprias histórias, repousavam as xícaras fumegantes. O aroma forte do café recém-passado pairava no ar, denso e delicioso, chamando-me a despertar completamente.
Sentamos um de frente para o outro. O silêncio era confortável, pontuado somente pelo tilintar suave das colheres e pelo som da respiração. Vovó, com a curiosidade discreta e perspicaz que só ela possui — aquela que não pressiona, mas observa e espera, pacientemente, por uma brecha — tomou um gole do seu café quente.
Depois de um momento, com um ar de quem não quer nada, mas percebe tudo, ela lançou a pergunta: “E então, meu neto… Johnny conseguiu consertar aquelas goteiras do telhado?”.
Um rubor incontrolável pintou minhas bochechas, traindo meus esforços para manter a compostura. A simples menção de Johnny trouxe de volta, com força total, a imagem da nossa “foda” no chuveiro. Engoli em seco, tentando soar casual. “Ah, sim, vovó!”, respondi prontamente, talvez com um pouco de excesso. “Ele fez um ótimo trabalho! Nenhuma goteira irá nos incomodar mais”, acrescentei, tentando dar um ar de normalidade à minha voz embargada. “Ele é... ele é realmente um encanador incrível!” A palavra “encanador” ecoou de um jeito estranho na minha cabeça, quase como uma piada interna, dada a mentira do Lobo Mau.
Minha avozinha assentiu lentamente, os olhos fixos nos meus por um instante. Aqueles mesmos olhos onde eu lia a história do mundo, agora com um brilho que parecia ir além das palavras expressas. Dona Adelaide sorriu mais uma vez, um sorriso terno, que parecia carregar séculos de compreensão e aceitação. “Eu sei, meu bem”, disse ela, a voz suave, mas carregada de significados que eu não podia decifrar completamente. “Johnny é, de fato, um rapaz eficiente.”
Aquela última frase pairou no ar entre nós, uma nota de aprovação que ia além de um simples elogio técnico ao “encanador”. Era algo mais profundo, que me deixou com uma sensação ambígua no peito: um misto de alívio por seu aparente elogio e uma ligeira apreensão — uma apreensão que, para meu horror silencioso, começou a incluir a ideia perturbadora de que vovó pudesse, de alguma forma, sentir-se atraída por Johnny.
Após esvaziar as últimas gotas da minha xícara, decidi que era hora de ajudar a colocar o espaço em ordem. Era um daqueles momentos simples, mas preciosos, da tarde. Ela já se encaminhava para a pia, enquanto eu me encarregava de limpar a mesa, recolhendo as migalhas invisíveis e passando um pano úmido. Em seguida, peguei a vassoura para varrer o chão, juntando os poucos rastros de pão e açúcar que havíamos deixado.
Era um ritual nosso, uma dança coordenada de tarefas domésticas onde o barulho tranquilo da água a correr na torneira e o suave tilintar dos pratos a serem ensaboados pontuavam a quietude. Não precisávamos de muitas palavras; a companhia um do outro, essa calma compartilhada, onde a ausência de palavras era, na verdade, uma linguagem própria, repleta de afeto mudo e cumplicidade enraizada, bastava. Era um silêncio confortável, denso de presença e carinho.
Terminada a tarefa, a cozinha impecável sob a luz suave da tarde, houve aquele momento de pausa, um suspiro de satisfação com o dever cumprido. Sugerimos, quase ao mesmo tempo, que seria bom passar o fim da tarde assistindo a um filme. Minha querida vó, fiel ao seu gosto apurado para as emoções fortes e os finais (quase sempre) esperançosos, escolheu um clássico daqueles que retratam grandes amores, desencontros agonizantes e declarações de amor que parecem tirar o fôlego.
A tela logo ganhou vida com as cores saturadas de uma era passada, e os suspiros dramáticos dos personagens nos faziam suspirar junto a cada reviravolta sentimental. Acomodados no sofá macio da sala, um móvel antigo que parecia abraçar quem sentava, encolhidos sob a mesma manta macia que nos protegia do leve ar fresco que vinha da janela, estávamos imersos naquele universo melodramático.
No meio de um diálogo particularmente intenso entre os protagonistas, um momento de clímax onde o destino de dois amantes parecia selado por uma barreira intransponível, vovó virou a cabeça para o lado, quebrando o feitiço do filme. Seu olhar, que há pouco acompanhava as desventuras românticas na tela, virou-se para mim com uma intensidade e uma seriedade que me pareceram repentinas e deslocadas daquele cenário tranquilo. Com uma calma que me desarmou completamente, uma voz baixa, mas firmemente audível somente para nós dois no silêncio da sala, ela perguntou: “Tiago, meu bem, quando é que você vai arrumar um namorado?”.
A pergunta, inesperada e incrivelmente direta, atingiu-me como um raio no meio do peito. Foi um choque que percorreu cada célula do meu corpo e senti o ar rarear nos meus pulmões, como se tivessem sugado todo o oxigênio do ambiente. Fiquei mudo, os olhos arregalados fixos nos dela, sem saber onde esconder a minha surpresa avassaladora e o súbito pânico que começou a borbulhar dentro de mim. Mil pensamentos desconexos passaram pela minha cabeça em fração de segundos, uma mistura de medo, confusão e a sensação de ser descoberto.
Antes que eu pudesse articular qualquer palavra, antes que meu cérebro processasse minimamente o que havia acontecido, a mão enrugada e quente dela estendeu-se, encontrou as minhas que estavam sobre a manta, e as segurou com firmeza e delicadeza. E então, com uma voz que soava suave, sim, carregada de uma ternura imensa, mas também de uma firmeza e uma compreensão que me penetraram a alma, ela simplesmente completou, olhando fundo nos meus olhos: “Querido, eu sei. Sei que você gosta de garotos”.
Naquele instante, o mundo exterior, com seus filmes antigos e melodramas, desvaneceu. O som suave da respiração dela, o calor de suas mãos, tudo parecia amplificado enquanto o tempo parecia parar. Era como se o segredo mais profundo, aquele que eu guardava a sete chaves dentro de mim, aquele que eu achava tão bem escondido, tivesse sido delicadamente, mas de forma inequivocamente clara, trazido à luz pela pessoa que eu mais amava e temia desapontar.
Fiquei ali, paralisado, com a mente em branco e o coração acelerado, simplesmente sem ter a menor ideia de como ou o que responder àquela afirmação que desnudava a minha verdade mais íntima com tamanha simplicidade e aceitação inesperada.