Eu havia me mudado da capital para o interior, para uma fazenda que pertencia à família da minha mãe.
Meu nome é Marcel, e vou contar para vocês uma história que marcou o início da minha adolescência.
Sempre fui pequeno para a minha idade, o que me tornava tímido e com dificuldade para fazer amizades. Mas, no interior, isso logo se mostrou irrelevante. As pessoas eram incrivelmente simpáticas e acolhedoras. Em pouco tempo, já havia feito amizade com todos os garotos da região — éramos apenas sete, todos com idades parecidas.
A primeira vez que nos reunimos de verdade foi embaixo da mangueira da casa do Jonas, onde costumávamos jogar conversa fora até o sol sumir no horizonte. Jonas era o mais velho de nós, um ar de quem sempre sabia o que estava fazendo — mesmo quando claramente não sabia. Ele tinha uma voz firme e era o tipo de pessoa que os outros seguiam sem pensar duas vezes.
Entre nós também estavam os gêmeos Samuel e Daniel. Eram negros, idênticos por fora, mas completamente diferentes por dentro. Samuel vivia fazendo piadas, arrumando alguma travessura ou cutucando a curiosidade de todo mundo. Já Daniel era mais calado, preferia observar. Tinha olhos atentos e um caderno velho onde vivia rabiscando — embora nunca deixasse ninguém ver o que escrevia.
Caíque era o mais falante. Se deixássemos, ele contava três histórias antes de qualquer um conseguir dizer “oi”. A maioria era mentira ou, como ele dizia, “baseada em fatos duvidosos”. Ainda assim, ninguém queria que ele parasse.
Lucas era o prático. Sempre tinha uma ferramenta no bolso e alguma solução na cabeça. Não falava muito, mas quando abria a boca, todo mundo escutava.
E por fim, tinha o Tiago. O coitado vivia se metendo em confusão sem nem entender como. Era desajeitado, curioso e, sem querer, acabava envolvido em quase todos os nossos problemas.
Após alguns meses vivendo na fazenda, foi o Caíque quem chegou com a notícia — como sempre, ofegante e com um brilho nos olhos que só aparecia quando havia confusão no ar.
— Vocês não vão acreditar — ele disse, reunindo todo mundo sob a mangueira. — O Daniel… o Daniel foi pego no quarto da Daniela!
Ficamos todos em silêncio por alguns segundos, tentando entender se ele estava só inventando mais uma das suas histórias. Mas, pela primeira vez em muito tempo, Caíque parecia sério.
— O pai do Jonas pegou ele lá. De noite.
Não demorou nada. Em menos de cinco minutos, estávamos todos em cima do Daniel e do Jonas, pressionando os dois para saber o que, afinal, estava acontecendo.
Daniel estava encostado no tronco da mangueira, com o caderno fechado no colo. Jonas estava ao lado, de braços cruzados, olhando pra gente como quem já sabia que seria julgado.
— Vai, fala logo — disse Samuel, impaciente. — É verdade essa história?
Daniel encarou o chão por um tempo. O silêncio entre nós era denso, como se todo o ar tivesse sido sugado pela revelação. Ele respirou fundo e respondeu:
— É verdade.
A reação veio na hora: olhos arregalados, sorrisos incrédulos, um ou outro palavrão baixo.
— Cara, você tava mesmo no quarto da irmã do Jonas? — insistiu Caíque, como se ainda duvidasse.
— Tava — Daniel confirmou. — O pai dela me flagrou na terceira vez.
As palavras pairaram no ar como uma bomba de efeito retardado. Ninguém falou por alguns segundos.
— Três vezes? — Tiago sussurrou. — E o Jonas... sabia?
Jonas ergueu os olhos, sem desviar o rosto.
— Eu deixei, gosto de assistir.
A comoção foi geral.
— Deixou?! — Samuel praticamente gritou. — Você deixou e assistiu o cara meter na sua irmã dentro da sua própria casa?
— É muito gostoso de ver— respondeu Jonas, sem se abalar. — A Daniela não é uma criança. Ela tem 21 anos, é madura o bastante pra decidir com quem quer ficar. E, sinceramente... a ideia foi toda dela.
— E você ficou fazendo o quê, Jonas? Ficava tocando punheta da porta enquanto eles estavam lá? — Caíque debochou, mas a pergunta tinha mais verdade do que brincadeira.
Jonas hesitou. Depois deu um leve sorriso de canto.
— Basicamente! Só que estava muito mais próximo do que isso.
Daniel complementou, com a voz baixa:
— Não era só sobre assistir. Era só pra garantir que a coisa toda fosse feita no sigilo. Sem pressa, com discrição. A gente só... só aconteceu. Eu queria ter contado para vocês, mas ela falou que se desconfiasse que eu fiz isso, nunca mais eu teria outra chance.
Samuel balançou a cabeça, ainda sem saber se estava indignado ou só surpreso.
— E o que rolou lá dentro?
Daniel olhou para Jonas por um momento, como quem pedia permissão.
— Beijos, carinho... e um pouco mais.
O grupo ficou em silêncio de novo. Dessa vez, não era exatamente desconforto — era mais a vontade de estar lá, no lugar dele. Estávamos todos em idade de entender aquilo, mas entender não é o mesmo que aceitar e fazer.
Lucas quebrou o silêncio, como sempre com sua frieza direta:
— Bom... vocês dois fizeram de acordo, e a Daniela é muito gostosa, nós também queremos participar!
— E como assim você ficou só assistindo, Jonas — disse Tiago, ainda tentando digerir.
— Se ela quisesse que eu mantivesse segredo teria que me deixar participar. Mas confia... quando ela percebeu que não dá pra me controlar, chegamos ao acordo de que eu só iria assistir.
Samuel riu, balançando a cabeça:
— Tá, filósofo... só não me aparece com a minha irmã, que aí a história muda.
Todo mundo riu. E, como sempre, a mangueira virou testemunha de mais um momento onde nossas amizades se testavam — e, de algum jeito estranho, ficavam mais fortes.