3 – O Homem na Porta

Da série A Chama Ardente
Um conto erótico de Mr Caveira
Categoria: Heterossexual
Contém 828 palavras
Data: 07/06/2025 16:01:49

Era uma quinta-feira de garoa fina, dessas que parecem amolecer a cidade. Priscila havia me chamado para jantar no apartamento dela. Disse que queria algo “mais nosso”, e prometeu cozinhar. Um gesto raro, vindo dela. Não era exatamente do tipo que fazia planos.

Cheguei por volta das oito, vinho na mão, coração batendo ansioso. Toquei a campainha. Silêncio. Mais uma vez. Quase virei as costas quando ouvi a porta destrancar.

Mas não foi Priscila quem atendeu.

Era ele.

Gabriel.

Camisa preta de botões, barba por fazer, e um olhar cansado, como quem já viu o pior de alguém — e ainda assim volta por vontade própria.

Ele não disse nada. Apenas me encarou com um meio sorriso que mais parecia um teste de paciência. E, em um gesto teatral, segurou a porta aberta para que eu entrasse.

— Luiz, né? — disse com um tom neutro demais pra ser inocente.

Assenti. Ele fechou a porta atrás de mim e apontou com o queixo para a cozinha.

— Ela tá ali. Te esperando.

Priscila estava mexendo uma panela, de costas. Quando me viu, sorriu — mas algo naquele sorriso estava menos... inteiro.

— Vocês se conheceram? — perguntou, já sabendo a resposta.

— De certa forma — respondi. — Ele me recebeu como se fosse o dono da casa.

Gabriel riu, mas não com humor. Era mais uma confirmação do que um deboche.

— Eu conheço cada canto dessa casa. Ajudei a escolher os azulejos da cozinha, inclusive. Lembra, Pri?

Ela não respondeu de imediato. Só serviu três taças de vinho. Uma para cada.

Jantamos. Uma massa simples, mas feita com cuidado. Priscila tentava manter a leveza, mas havia uma corrente elétrica entre nós três. Gabriel falava de forma mansa, como quem já conhece todos os atalhos dela. E usava isso.

— Você ainda escuta aquela playlist que a gente fez em Arraial? — perguntou a ela, ao fundo de uma conversa sobre música.

Priscila riu com o canto da boca. Era um riso real. Do tipo que me fazia sentir um estranho.

— Às vezes. Quando estou melancólica.

— Ou com saudade — completou ele, encarando a taça, mas não disfarçando a intenção.

Senti um nó no estômago. Aquilo não era uma conversa qualquer. Era domínio. Um jogo sutil, onde eu era peça nova tentando entender as regras.

Depois do jantar, Gabriel foi embora. Mas antes de sair, se virou para mim, como quem dá um aviso:

— Ela tem um espírito selvagem, Luiz. Se você tentar prender... ela foge. Eu tentei. E ainda estou tentando não tentar mais.

Fechou a porta devagar. Priscila ficou em silêncio por alguns segundos.

— Ele aparece de tempos em tempos — murmurou. — Nunca pede permissão. Mas também nunca fica de verdade.

— Você ainda sente algo por ele?

Ela me olhou. Longo e fundo.

— Não sei se é amor ou se é hábito. Mas é algo que me move... e me confunde.

Naquela noite, transamos como se houvesse algo entre nós que não queríamos nomear. Ela estava intensa, mas distante. Montava o ritmo, guiava meus movimentos, como se quisesse que eu agisse como outra pessoa, tateava meu corpo com os olhos fechados. Como se procurasse algo que não era exatamente meu. Durante o orgasmo balbuciou uma palavra, sem som, mas a leitura labial foi óbvia. "Gabriel". Meu corpo estava ali, mas quem estava transando com ela era o Gabriel. Naquele momento eu virei um mero instrumento. Me beijou depois, como quem não beija alguém a muito tempo. Adormeceu.

Depois, no silêncio do quarto, senti sua mão escorregar pela minha pele. Quente. Presente. Mas ainda assim, parte dela... ausente.

Resolvo sair antes do amanhecer.

— Boa noite Pri. Beijando o seu rosto enquanto dorme.

— Boa noite meu amor. Ela responde sonolenta.

Vou embora com um aperto no peito, com a certeza de que o "meu amor" se refere a Gabriel e não a minha pessoa.

Nas semanas seguintes, Priscila começou a ficar mais volátil. Ora doce e entregue, ora distante como se tudo a incomodasse. E, inevitavelmente, Gabriel ressurgia. Uma foto antiga deixada na sala. Um casaco dele na poltrona. Uma marca de cigarro no cinzeiro que eu não usava, uma embalagem de preservativo aberta deixada entre as almofadas.

Era como se ele deixasse migalhas. Estava demarcando território.

Comecei a me incomodar. Sentia ciúmes, claro. Mas era um ciúmes estranho, impotente. Eu queria confrontá-la, mas toda vez que me aproximava desse abismo, ela se fechava. Sumia por dois, três dias. Voltava cheirando a saudade e a cama que não era a minha.

Certa vez, quando finalmente decidi confrontá-la, ela me cortou com um beijo longo, tenso.

— Não compete, Luiz. Eu sou caos. Você... é calmaria. E às vezes... eu preciso da tormenta pra lembrar que existo.

E ali entendi: eu não estava apenas me apaixonando por Priscila. Estava me apaixonando pela ideia de salvá-la. De ser o ponto fixo no furacão. Mas talvez... talvez ela não quisesse ser salva. Talvez amar Priscila fosse aceitar a dor de vê-la partir — e voltar — muitas vezes.

E talvez, no fundo, Gabriel nunca tivesse realmente ido embora.

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Comentários

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Excelente postagem, li as três partes e raramente vejo algo tão bem escrito e em poucas palavras. Em suma, impactante.Tambem já convivi com uma sombra, porém felizmente nunca se fez fisicamente presente e por fim com minha luz, consegui dissipa-la e trancar no " baú do esquecimento.

Deixo meu melhor dez e três merecidas estrelas.

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Obrigado pelo elogio. Como disse em comentário com outro colega baseio parcialmente meus contos em situações que já vivi ou estou vivendo. Atualmente estou convivendo com uma sombra, e embora ela esteja vencendo no momento, eu almejo algum dia, assim como vc, tranca-la no baú do esquecimento.

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😈 💦 🫦 Agora é possível ver qualquer uma pelada, inteirinha ➤ Ilink.im/nudos

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