Pipa Avoada
Era uma daquelas segundas-feiras infernais, em que o ar parece ter saído direto do cu do demônio. Eu estava suando até pelos pensamentos, então me joguei num shortinho minúsculo e fui tentar não morrer derretido no quintal. A cozinha já parecia um forno aceso, e o ventilador... bem, só servia pra espalhar calor, em meus 26 anos nunca vi uma fornalha do satanás como esse calor que faz na Rocinha.
Peguei a mangueira, fechei os olhos e deixei a água gelada correr pelo meu corpo. Foi um alívio quase religioso. Senti a água escorrendo pelo peito, pela barriga e descendo até o elástico do short, que já estava colado na pele. Eu estava sem cueca. Porque, né, dignidade é luxo quando se está fritando no próprio suco.
Foi aí que escutei gritos na rua — vozes de moleques, agudos, animados e, como sempre, inoportunos.
Levantei os olhos. Pipas. Malditas pipas. Tinham umas cinco voando no céu e pelo barulho, parecia que alguma tinha sido cortada. Aquele fuzuê típico do verão suburbano: molecada gritando, correndo, subindo em muro, se engalfinhando como se aquelas varetinhas coloridas fossem barras de ouro. E o pior — às vezes invadiam mesmo o quintal, como se fosse terra de ninguém.
Fechei os olhos de novo, tentando me reconectar com o prazer da água gelada. Meu corpo já relaxava, e confesso que por um segundo pensei em tirar o short. Mas o mundo não é um pornô de piscina: qualquer vizinho bisbilhoteiro podia aparecer. Ou pior, um daqueles pestinhas.
Mas claro que o universo adora me testar.
— Puta que pariu! — soltei, me virando bruscamente.
Ali estava ele: um moleque em cima do muro lateral, como se fosse o próprio rei do tráfico das pipas. Devia ter uns 19 anos, com aquele tipo de corpo que ainda não entendeu se quer ser magro ou bombado. Moreno, cabelo descolorido num loiro quase criminoso, estilo “barbeiro de quebrada”. Bermuda, chinelo e aquele olhar de “foi mal, tio”.
— Caralho, garoto! — berrei. — Tá maluco? Vai morrer aí em cima, porra!
— Foi mal aí... — respondeu, com a maior cara de pau do mundo.
— “Foi mal” é o caralho! Tá invadindo minha casa, seu demônio mirim!
Ele mostrou a pipa, como se aquilo fosse um salvo-conduto celestial.
— Só vim pegar isso aqui, ó.
Fiquei olhando. Esperando que ele tivesse o mínimo de bom senso pra vazar. Mas não. O moleque ficou ali, me encarando, como se eu fosse o ET do Discovery Channel.
— Tá bom. Já pegou a merda da pipa? Agora desce. E desce pro lado de fora, né?
Eis que o abençoado pula. Só que pra dentro.
— EI!, ô cavalo! Era pro outro lado, porra!
— Ih, é mesmo, né? Foi mal. Mas tá calor pra cacete...
O desgraçado largou a pipa no chão e... veio pra cima de mim. Pegou a mangueira da minha mão como se estivéssemos dividindo o recreio no parquinho.
Fiquei paralisado. A audácia daquele moleque era algo entre o engraçado e o sexualmente perigoso. Ele bebeu da mangueira, se molhou todo e, claro, eu olhei. Olhei mesmo. Era um corpo bonito, jovem, quase sem pelos, com aquele brilho úmido de quem não tem vergonha de nada.
E então ele sorriu. Aquele sorriso de quem sabe o que tá fazendo.
— Já pegou sua pipa, tomou banho... Agora, porra, vaza, né?
— Ué, só isso?
— "Só isso" é o caralho, moleque!
Ele baixou a bermuda. Cueca junto. A pica semi-murcha ali, toda cheia de promessas.
— Que porra é essa, garoto?
— Isso aqui é culpa tua. Com esse rabão aí todo molhado... tá de sacanagem comigo?
Eu ri. Não porque achei graça, mas porque o absurdo da situação exigia isso. O moleque tinha um pau respeitável, mesmo meio mole. E eu? Eu tava entre o choque e a curiosidade.
— Você é abusado pra caralho.
— E você tá doido por uma rola.
— Gosto, gosto mesmo. Mas não de moleque abusado que pula muro, caralho!
Ele riu, safado, e balançou o pau de um lado pro outro, como se fosse um convite formal com selo do Correio.
— Vai dizer que não quer? Tá quase babando aí, viado.
Fiquei olhando. A água escorria, a pica ia crescendo, e meu juízo... indo embora junto com a dignidade.
(...continua...)