Parei por um instante à porta do gabinete do xerife antes de adentrá-lo. Era um espaço que respirava ordem, cada objeto em seu lugar, mas sem a esterilidade de um museu. Mesas limpas, papéis empilhados com precisão, mapas na parede que falavam de jurisdição e controle. Era como se a própria sala pudesse contar histórias de casos solucionados e rotinas estabelecidas, refletindo a mente clara e prática de Charles. Ao cruzar o limiar, o cheiro de madeira polida e talvez um leve rastro de tabaco inundaram minhas narinas, uma fragrância distintamente dele.
O homem da lei estava sentado à sua mesa robusta, a luz da janela caindo suavemente sobre seus cabelos levemente grisalhos e o distintivo no peito. Ele ergueu os olhos da papelada à sua frente. Ali estava Charles, o xerife, com a habitual postura relaxada, mas atenta. Um sorriso, daquele tipo que parecia carregar segredos antigos, lentamente se desenhou em seus lábios grossos assim que seus olhos pousaram em mim. Não era somente um cumprimento; era um sorriso que me via, me conhecia, e parecia antecipar o que viria. Seus olhos, aqueles olhos azuis e penetrantes, brilhavam com uma inteligência maliciosa.
Não houve preâmbulos, nem perguntas sobre o tempo lá fora ou a saúde de Dona Adelaide. Somente um olhar direto, intenso, e as primeiras palavras, sussurradas com uma urgência discreta, um tom que era um convite e uma ordem velada: “Tranque a porta atrás de você.” A cumplicidade naquele baixo volume era palpável, um elo instantâneo se formando no ar carregado. Aquele pedido repentino me fez sentir um arrepio percorrer minha espinha, uma mistura estranha e eletrizante de apreensão e uma instintiva obediência.
Minhas pernas moveram-se quase por reflexo. Girei o corpo, estendi a mão para a maçaneta de metal frio. O clique da fechadura, alto e claro no silêncio subitamente denso da sala, soou não somente como um fechar, mas como um selar, um corte definitivo com o mundo exterior, com as suas regras e as suas testemunhas. Agora éramos somente nós dois, confinados naquele espaço que havia acabado de se transformar de gabinete de trabalho em santuário secreto.
O silêncio que se instalou após o som da tranca era quase opressivo, quebrado somente pelo som da nossa própria respiração. A ausência de outros funcionários, a quietude incomum para uma delegacia em plena manhã, aquilo martelava em mim desde que pisei no corredor. A curiosidade, antes uma chama, agora era um fogo ardente, e eu não pude mais a conter. Minha voz saiu baixa, um fio trêmulo na quietude, ecoando a incerteza que eu sentia: “Senhor… onde… onde estão todos? Por que… está tão vazio?”
Um sorriso ainda mais largo se abriu em seus lábios, antes que uma risada, rouca e profunda, brotasse de seu peito. Não era uma risada cruel, mas sim cheia de uma satisfação quase maliciosa, ecoando agradavelmente no espaço. “Ah, eles estão todos ocupados”, ele disse, a voz mais suave agora, mas carregada de significado. “Dei a todos algumas tarefas especiais esta manhã. Coisas que os manterão longe por um bom tempo.” Como ele disse, o olhar que acompanhou as palavras, não deixava dúvidas: não havia ali coincidência, mas um propósito deliberado. Ele queria que estivéssemos sós. Estava tudo preparado para nós.
E foi nesse exato momento, com aquela confirmação tácita de seus planos, com o ar pesado pela tensão e pela intimidade que se construía, que uma ousadia incontrolável me possuiu. Era um impulso cru, talvez nascido do nervosismo extremo, talvez da confiança insana que a presença dele me inspirava naquele silêncio conspiratório. E a conversa com vovó, que mais cedo havia plantado na minha mente uma curiosidade fatal, irrompeu sem filtro, sem tempo para arrependimento. Respirei fundo e disparei, minha voz, surpreendentemente firme agora, quebrando a atmosfera: “Charles… me diga a verdade… você… você fodeu a minha avó ontem?”
Aquela pergunta o fez rir novamente, mas desta vez era uma risada diferente, mais contida, tingida de… surpresa? Ele balançou a cabeça devagar, os olhos brilhando com uma diversão genuína. “Agora não é hora de falar disso”, desviou ele, com uma suavidade que era, ao mesmo tempo, irritante e sedutora. A facilidade com que ele colocou o assunto de lado era desconcertante, mostrando o quão no controle da situação ele estava, mesmo quando eu tentava desestabilizá-lo.
Em vez de se aprofundar na minha pergunta chocante, seus olhos deslizaram para a cesta que eu ainda segurava, como se fosse o objeto mais importante na sala. “Chapeuzinho… você trouxe a geleia?”, perguntou, a mudança de assunto tão abrupta quanto eficaz, ancorando-nos de volta à desculpa original da minha visita. Peguei o pote de vidro pesado, o frio do material contrastando violentamente com o calor febril que parecia irradiar de dentro do meu corpo, uma mistura de antecipação, nervosismo e excitação. Depositei-o sobre a madeira polida da mesa dele.
Ele segurou o pote com as duas mãos, como se fosse um tesouro, os olhos fixos no conteúdo rubro. Um brilho, um brilho que eu nunca vira antes, acendeu neles. E então, sem transição, sem aviso, a franqueza brutal jorrou, derrubando todas as barreiras que pudessem restar. A voz dele baixou novamente, tornando as palavras ainda mais íntimas e poderosas. “Sabe”, ele disse, os polegares acariciando o vidro frio, “passei a noite inteira acordado. Batendo punheta, garoto. Pensando em você. Em quando eu teria a chance de te comer.”
Aquelas palavras, tão cruas, tão inesperadas, atingiram-me como um soco no estômago e uma onda elétrica ao mesmo tempo. Choque puro misturado com uma excitação avassaladora. Aquela honestidade despudorada era mais potente do que qualquer jogo de sedução, mais instigante do que a própria pergunta sobre minha vozinha. Não havia mais espaço para dúvidas, para hesitação, para as regras do mundo lá fora. Aquela declaração, direta e sem artifícios, pulverizou as últimas defesas. Meu corpo não me pertencia mais; era um motor movido unicamente por um desejo primal e incontrolável que a atmosfera, as palavras dele e a minha própria ousadia haviam acendido.
Dei os poucos passos que nos separavam, sentindo o calor emanar dele, e os meus lábios encontraram os dele. Foi um beijo que selou um pacto silencioso, que marcou o ponto de não retorno, o início inegável daquele encontro proibido, clandestino, ardendo na quietude cúmplice da sua sala.