Com a sua habitual eficiência e organização que beirava a uma ciência precisa, minha doce vozinha explicou então, com clareza incontestável, o plano para aquela manhã. Ela havia combinado com o xerife Charles, durante a sua rotineira e estratégica ida ao mercado, que eu levaria hoje bem cedinho até a delegacia um pote daquela geleia de uva que ela fizera na noite anterior. Era aquela receita especial, um segredo de família transmitido por gerações, cuja fama havia chegado aos ouvidos do homem da lei, que, para o seu deleite declarado em diversas ocasiões, simplesmente adorava e sempre solicitava mais quando a oportunidade surgia.
A simples menção do nome do oficial e a perspectiva concreta de ir vê-lo lá, no seu ambiente, na delegacia, provocaram uma onda inesperada, quase sísmica, de sensações. Uma ansiedade aguda misturada, devo admitir, com uma ponta vibrante e quase incontrolável de excitação espalhou-se pelo meu peito, uma mistura confusa e poderosa de sentimentos que me deixou momentaneamente sem ar.
Aquele homem atraente e de sorriso largo, acolhedor e, ao mesmo tempo, imponente na sua farda cáqui, exercia sobre mim uma estranha atração desde o nosso primeiro encontro, um magnetismo difícil de explicar. Era um fascínio que ia muito além da mera curiosidade pela sua posição de autoridade e se misturava, avassaladoramente, com a lembrança vívida e, eu admito, arrepiante, dos nossos momentos mais… íntimos.
Dona Adelaide, completamente alheia à tempestade de pensamentos e sentimentos que se formava silenciosamente na minha mente, somente me instruiu, com a sua firmeza habitual, a tomar um bom banho e me arrumar adequadamente para a missão. “Esteja apresentável, querido”, ela frisou, como se eu fosse me encontrar com a rainha. Obedeci sem pestanejar, sentindo o meu corpo reagir ao convite da água quente.
O vapor preencheu o pequeno banheiro e, sob o chuveiro, a sensação de relaxamento foi quase instantânea. Era um alívio bem-vindo, a tentativa de lavar para longe não somente o sono que ainda insistia, mas também qualquer resquício daquela ansiedade recém-despertada e da insegurança que teimava em me acompanhar em momentos de maior exposição.
Escolhi cuidadosamente a roupa que usaria, querendo que cada peça transmitisse algo, uma espécie de armadura visual para a minha missão. Meu boné vermelho vibrante, um ponto de cor e confiança que sempre me animava. Uma camisa xadrez clássica em preto e branco que me fazia sentir um pouco mais velho, mais sério, à altura da tarefa e da responsabilidade simbólica que a entrega da geleia parecia carregar. Uma calça da mesma cor do boné, para um toque de ousadia calculada que combinasse com a energia que eu queria projetar. E, claro, meus tênis cinzas, os companheiros confortáveis essenciais para a caminhada, prontos para me levarem até lá.
Coloquei a geleia com um cuidado quase reverencial em uma cesta pequena, dessas de piquenique em miniatura, mas perfeitamente adequada para a minha preciosa carga e o tamanho da minha mão. Com a cesta na mão, respirando fundo o ar fresco que entrava pela porta da cozinha, me pus a caminho da delegacia. O prédio, uma construção sólida de tijolos à vista com uma fachada imponente para o padrão modesto do vilarejo, um ponto de referência inconfundível que inspirava respeito, se encontrava na parte sul, a uma distância que parecia considerável. No entanto, apesar da distância percebida, o percurso levou somente dez minutos sob o céu, um mosaico suave de azuis e rosas.
O ar fresco da manhã, levemente úmido e com cheiro de terra molhada, grama cortada e talvez algumas flores desabrochando, invadia meus pulmões a cada passo, revigorando meus sentidos e me preparando para o que viria. O som dos meus passos ritmados na calçada era o principal barulho que quebrava o silêncio tranquilo da hora.
Ao me aproximar da delegacia, cuja fachada sóbria e imponente se erguia diante de mim sob a luz da manhã, notei imediatamente a presença de dois oficiais postados com uma rigidez quase escultural na entrada principal. Eram Jonathan e Fernando, guardiões visíveis da ordem local, cujas figuras eram a primeira e única barreira física antes do interior do prédio.
Seus uniformes, em um azul profundo e impecável como se tivessem acabado de sair da lavanderia, e a postura ereta de ambos, os ombros alinhados, a fisionomia atenta, impuseram um respeito quase automático. Seus olhares, que varriam o entorno com uma vigilância discreta, me impuseram um leve frisson, uma formalidade inesperada que contrastava de forma gritante com a simplicidade quase ingênua da minha missão: entregar, como havia sido combinado, um presente culinário — algo que parecia tão deslocado naquele cenário de seriedade.
O policial Fernando, notavelmente mais alto que seu colega Jonathan, foi o primeiro a quebrar o silêncio protocolar. Com uma voz grave e firme, mas que continha um leve e inesperado traço de familiaridade, ele me cumprimentou: “Bom dia, Chapeuzinho.” Aquele apelido, dito com profissionalismo contido, me pegou de surpresa, mas assenti sutilmente. Em seguida, com um gesto conciso da mão, ele me convidou a acompanhá-lo para o interior do prédio, uma solicitação para a qual não havia recusa.
Cruzei o limiar da porta principal e o segui pelo corredor central, que parecia se estender à minha frente em uma perspectiva infinda. Meus passos, calçados de forma simples, ecoavam com um som surpreendentemente alto no piso de cerâmica fria, que brilhava sob a tênue iluminação. A cada passo, a estranheza do ambiente se acentuava. Não havia o burburinho usual, o toque de telefones, as vozes distantes que se esperaria de uma delegacia em pleno início de dia de trabalho. O lugar parecia… deserto. Silencioso, de uma forma quase opressiva, uma atmosfera incomum que sugava o som e me fez perceber com estranheza que não havia mais ninguém à vista; a delegacia parecia completamente vazia.
A curiosidade me picou de imediato, como um mosquito insistente. Pensamentos voaram pela minha mente: Onde estavam todos? Por que aquele silêncio? Cogitei abrir a boca, perguntar a Fernando sobre a ausência dos outros funcionários, sobre o motivo para o lugar estar tão vazio, quebrando aquela quietude incômoda. Mas algo, uma sensação indefinível pairando no ar ou talvez somente um instinto aguçado, me fez recuar. Era como se uma voz interna sussurrasse que talvez fosse imprudente questionar, que aquela ausência notável poderia não ser um simples acaso, mas sim algo intencional, parte de um cenário que eu ainda não compreendia.
Chegamos a uma porta sólida no fim do corredor, que parecia ser o ponto final daquela caminhada silenciosa. Fernando se virou para mim, o rosto mantendo a mesma expressão profissional, e solicitou que eu esperasse ali por um instante, “somente o tempo necessário para anunciar a sua chegada ao xerife”. A expectativa, já presente desde a abordagem inicial, aumentou consideravelmente, misturando-se a um leve nervosismo e uma antecipação incerta sobre o que estava para acontecer na sala de Charles!
Passaram-se somente poucos segundos, que me pareceram mais longos na quietude expectante, antes que Fernando reaparecesse do outro lado da porta. Ele a abriu por completo, revelando o interior da sala. Com um novo gesto, simples, mas carregado de finalidade, indicou silenciosamente que eu já podia entrar. Ele não disse mais nada, somente me deixou ali, no limiar, sozinho para enfrentar o que seguisse, para dar o próximo passo naquela visita que se revelava cada vez mais peculiar.