Luiz chegou mais cedo naquele dia. Algo dentro dele dizia que não poderia se atrasar.
Mesmo sem mensagens, sem alertas, o corpo sabia o que a mente ainda tentava negar: que o jogo havia começado — e ele já não estava mais no controle.
Ao se aproximar de sua mesa, percebeu um leve volume dentro da gaveta entreaberta.
Franziu a testa. Ninguém costumava mexer em seu espaço.
Sentou-se devagar, olhou discretamente em volta e então abriu a gaveta com cuidado.
Ali, repousando sobre seus papéis organizados, havia uma pequena caixa retangular bege-clara, com o logotipo gravado em dourado:
Chanel Chance Eau Tendre.
Um perfume feminino de vidro arredondado e tampa transparente. Intocado.
A caixa estava envolta por uma fita estreita, e presa nela, um novo bilhete, dobrado e colado com adesivo floral.
A caligrafia era a mesma.
Luiz já conhecia aquele traço fino, elegante, cruel.
Com o coração acelerado, descolou o papel e leu:
> “Se eu não sentir seu perfume hoje,
vou fazer questão de contar aos outros
o que você usa em segredo.
Aposto que, mais uma vez, você está de calcinha.
Não me obrigue a expor seu lado bonito.”
As mãos de Luiz tremiam.
Levantou os olhos. Ninguém observava. Respirou fundo.
Sabia o que precisava fazer.
Retirou o vidro com delicadeza e, sem sair da cadeira, inclinou-se um pouco, borrifando discretamente uma única vez no lado esquerdo do pescoço.
O cheiro suave, fresco e floral se espalhou como um segredo sussurrado.
Fechou a caixa. Guardou tudo. E ficou imóvel por alguns segundos.
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Minutos depois, Jéssica apareceu, como sempre fazia.
Carregava um café e um bloquinho de anotações. Cabelos escuros presos em um coque meio frouxo, batom rosa-claro já desbotado nos lábios e uma argola prateada em cada orelha.
— Bom dia, bonitão — disse com seu tom habitual de provocação leve.
Luiz virou-se sorrindo com os olhos. Antes que pudesse responder, ela franziu o nariz e inclinou a cabeça.
— Uau…
— O que foi?
— Que cheiro é esse?
Luiz fingiu surpresa.
— Cheiro?
— Tá perfumado hoje, hein! E olha que eu passo do lado de muita gente aqui.
Você nunca foi de perfume assim.
Luiz engoliu em seco, sorrindo de leve.
— Ah… peguei emprestado de um amigo. Ele deixou no carro ontem.
Apliquei por engano. Mas até que é bom, né?
Jéssica deu uma risadinha.
— Olha… se fosse eu, usava mais vezes. Ficou bem em você.
— Obrigado.
Ela virou-se e saiu, falando algo sobre “papéis para revisar” enquanto bebia o café.
Luiz observou a forma como ela andava. Natural, solta, sem pressa.
Não havia segredos escondidos ali. Nenhum gesto ensaiado. Nenhuma tensão nos ombros.
Não era ela. Tinha certeza disso.
O perfume era refinado demais. O bilhete... íntimo demais.
Quem o escreveu sabia o que dizer. E como provocar.
Agora ele tinha uma nova missão:
descobrir quem, entre aquelas mulheres discretas, usava bolsa de verdade.
Não só pela aparência, mas pela presença.
E talvez… pela coragem de dominá-lo com silêncio e aroma.
Momentos depois.
Luiz havia finalizado as pendências principais do início da manhã. A mesa estava organizada, e o relatório já havia sido encaminhado por e-mail ao setor financeiro. Ele então levantou com calma, esticando os ombros e ajustando o colarinho da camisa.
O corpo queria descansar, mas a mente queria respostas.
Saiu do seu setor com passos contidos. Sabia exatamente onde queria chegar: a recepção. Mas o objetivo real não era tomar café ou buscar um envelope perdido. Era observar. Comparar.
Descobrir quem, entre aquelas mulheres, poderia ter escrito algo que o deixou tão vulnerável — e tão excitado.
Ao passar por um corredor lateral, teve que atravessar o setor de arquivos, onde só homens trabalhavam. Três deles estavam rindo perto da copiadora, jogando conversa fora. Um deles, Marcelo, o conhecia bem — daqueles tipos que falavam alto demais, sempre com uma piada pronta.
Assim que Luiz passou, o cheiro do perfume ainda no ar, Marcelo soltou em voz alta:
— E aí, Luiz! Dormiu onde essa noite, hein?
Foi no púlpito, no cabaré, na zona? Tá com cheiro de puteiro caro, meu irmão!
Os outros dois riram. Luiz sorriu com leveza, como se aquilo fosse um ritual de boas-vindas.
— Nem me fala — respondeu com naturalidade. — Só não lembro o nome dela… Me manda o endereço depois? Vai que é tua prima.
As risadas explodiram.
Marcelo fingiu bater palmas e disse, entre gargalhadas:
— Esse Luiz é uma peça!
E o deixaram passar em paz.
Luiz continuou andando com o coração em disparada, mas o rosto sereno. Por dentro, a tensão vibrava.
A piada do perfume era real.
Ele agora exalava algo que o entregava — mesmo sem querer.
Na recepção, foi recebido com o sorriso habitual de Márcia, uma funcionária já de meia-idade, gentil e bem-humorada.
— Tudo bem, Luiz?
— Tudo sim. Na verdade, tive um pequeno erro de envio e acho que registrei o número de uma ficha errado ontem. Posso dar uma olhada rápida nas fichas da área de pessoal?
— Claro, você é do administrativo, né? Fica à vontade. Tô separando umas por setor, mas estão todas aí.
Ela indicou a bandeja de fichas físicas, ainda usadas para cadastro interno e controle de entrega de materiais.
Luiz começou a folhear com calma, o olhar treinado disfarçando a real intenção.
Cada ficha preenchida à mão tinha seu estilo. Algumas letras eram grandes, desorganizadas. Outras, redondas e infantis.
Mas então, após a décima ou décima segunda folha, algo o fez parar.
A letra de Aline.
Fina, inclinada, limpa.
A forma como o “s” se curvava, como o “d” tinha um pequeno laço extra.
Era extremamente parecida com a do bilhete.
Seu coração deu um salto. Um arrepio subiu pela espinha.
Não era apenas a letra.
Era o peso da possibilidade.
Aline era uma das executivas mais influentes da empresa. Uma mulher segura, elegante, respeitada — e temida.
Pensar que ela poderia estar por trás daquilo o deixava paralisado.
Mas Luiz forçou-se a continuar. Folheou mais algumas fichas até encontrar outra letra semelhante — de uma funcionária chamada Cláudia, do setor de contabilidade.
Mas Cláudia…
estava de férias.
Não estava presente. Nem naquela semana, nem na anterior.
Aquilo eliminava uma opção.
E deixava a outra… muito mais próxima da verdade.
Dobrou as fichas com cuidado. Sorriu para Márcia, agradeceu com simpatia, e saiu da recepção com passos um pouco mais curtos do que o habitual.
O perfume ainda estava em sua pele.
E agora, a suspeita também.
CONTINUA...se estiverem gostando comentem .adoro ler os comentários.