O internato - Capítulo 19

Um conto erótico de Bernardo, Daniel e Theo
Categoria: Gay
Contém 3731 palavras
Data: 26/06/2025 19:23:10
Assuntos: Gay, Amor

Capítulo 19 – Tudo o Que Tentamos Esconder

...

Bernardo

Foi demais para o Daniel ouvir sua avó falando daquele jeito sobre o pai. Era insuportável vê-la endeusar o homem que quase o matou. A cada frase, dava para ver nos olhos dele a dor aumentando, como uma ferida aberta que não parava de sangrar. Até que ele soltou minha mão e saiu correndo, com as lágrimas já caindo sem controle por seu rosto.

— Daniel! — chamei por ele, mas não fui ouvido. Mesmo assim, corri atrás.

Ele parecia desnorteado, como se estivesse fugindo de tudo o que o machucava. Atravessou o salão às pressas, ignorando tudo ao redor. Mesmo sendo mais rápido, eu o segui sem pensar duas vezes. Chegamos a uma pracinha ali perto — que só não estava vazia por causa dos bares nas redondezas — e ele se jogou em um dos balanços de corrente, encolhido como uma criança ferida.

— Não precisa chorar, meu amor — falei, sentando no balanço ao lado — Sua avó está cega pela dor.

— Ela me fez parecer um mentiroso na frente de todo mundo — ele murmurou, lutando para conter os soluços.

— Eu sei... — toquei de leve seu ombro — Mas ela está abalada, Daniel. Pra uma mãe, é quase impossível aceitar que o filho virou um monstro. Elas se agarram à imagem do menino doce que criaram. É irracional... mas acontece.

— Curioso ouvir isso de alguém cuja mãe te trata como um erro — ele soltou, numa frieza cortante.

Aquelas palavras me atingiram em cheio. Do Théo, talvez eu esperasse. Mas do Daniel? Do garoto que enfrentou o mundo pra ficar ao meu lado? Aquilo doeu mais do que deveria. Foi cruel. Desnecessário.

— Precisava mesmo dizer isso agora? — perguntei, com a voz embargada.

— Me perdoa, Be... — ele começou a chorar mais e pegou minha mão com delicadeza — Eu não quis te machucar.

— Quis sim, Daniel — rebati, retirando minha mão — Eu vi no seu olhar. Você queria ferir.

As lágrimas agora escorriam dos meus olhos. As palavras dele reabriram a ferida das coisas que minha mãe me disse naquela noite... algo que nunca cicatrizou por completo.

Me levantei, pronto para ir embora, mas ele segurou minha mão com firmeza e me puxou para seu colo. Caí sobre ele, e nossos olhos se cruzaram. A mágoa ainda estava ali, mas havia arrependimento também. Eu vi.

Daniel afastou minha franja que caía nos olhos e me beijou com uma urgência que me desmontou por dentro. Um beijo intenso, cheio de sentimento, que me fez esquecer a dor. Suas mãos corriam pelas minhas costas, enquanto as minhas mergulhavam nos fios dourados do cabelo dele. Que loucura... ele tinha o poder de me ferir — e com um simples toque, fazia tudo desaparecer.

— Eu te amo — ele murmurou, ainda ofegante.

— Eu também te amo — sussurrei — Nunca senti algo assim por ninguém.

— Nunca amei ninguém. E, pra ser sincero, não acho que conseguiria amar outra pessoa — ele disse antes de me dar um selinho — Você me preenche. Me faz bem.

— E você me faz sentir especial — respondi, sorrindo e encostando minha testa na dele — Quero passar minha vida com você.

— E eu vou estar aqui. Sempre — respondeu, acariciando meus cabelos e arrancando de mim um sorriso genuíno.

Ficamos ali, por mais um tempo. Daniel chorava de novo, e eu o abraçava apertado, tentando passar força, mesmo com os olhos também marejados. Agora eu compreendia o que Théo quis dizer sobre ver o nosso porto seguro desabar. É desesperador. Quando aquele que te sustenta quebra, o que te mantém de pé?

Daniel estava quebrado fazia tempo. Assim como eu. Assim como o Théo. E ele também precisava de alguém que o segurasse em pé. Eu seria essa pessoa. Seria o apoio dele.

Depois de um tempo, trocamos mais um beijo e eu o encorajei a voltar à festa.

— Agora levanta essa cabeça e volta com dignidade — falei, com firmeza — Mostra pra todo mundo quem você é de verdade. Não deixa que as palavras de uma senhora confusa determinem quem você vai ser.

— E se eu não aguentar? — ele perguntou, com um olhar inseguro.

— Aí você manda todo mundo se foder e sai com a cabeça erguida — falei, arrancando uma risada dele.

Daniel sorriu, e voltamos juntos para a festa, de mãos dadas. E, por um instante, eu senti que ele estava começando a reencontrar sua força.

...

Théo

– O que a gente tá fazendo aqui? – Nick perguntou assim que entramos no apartamento. – Que lugar é esse?

– É o apartamento do meu pai – respondi, vasculhando o ambiente com os olhos até encontrar o notebook. – Meu tio me contou uma coisa ontem... e eu preciso confirmar com meus próprios olhos.

Nick olhava ao redor com uma expressão de nojo, sentimento que eu também compartilhava. A cozinha estava um verdadeiro desastre: a pia transbordava de louças imundas, e um cheiro azedo de comida estragada dominava o ar. Sobre a mesa de centro, uma garrafa de uísque pela metade repousava ao lado de um copo mal lavado. A farda do meu pai, jogada de qualquer jeito na cama desarrumada, parecia completar a cena decadente. Em cima da mesma cama, lá estava o notebook. Peguei o aparelho e liguei. Por sorte, não havia senha. Suspirei aliviado.

– Deve estar sem internet – comentou Nick, se aproximando.

– Ele deixou no débito automático. E ainda tem dinheiro na conta – expliquei, enquanto abria o histórico do navegador. O que encontrei me fez arregalar os olhos: dezenas de sites de pornografia gay, com foco em práticas de dominação e sadomasoquismo.

– Que loucura... – Nick murmurou, sentando ao meu lado, visivelmente chocado. – Seu pai é gay?

– Tudo indica que sim – falei, acessando a aba do Facebook. Dois perfis estavam salvos. Um era o oficial, conhecido por todos. O outro, ao ser aberto, revelava uma conta paralela. A primeira imagem era do meu pai vestindo um macacão preto de borracha, tipo roupa fetichista, com um chicote na mão.

– Só essa foto já me traumatiza por uns dez anos – Nick disse, sem acreditar.

– Se fosse só isso, ainda dava pra engolir – respondi, rolando o feed. O perfil estava lotado de fotos com cenas de dominação entre homens musculosos. – Isso aqui tem mais putaria do que tudo que eu vi na vida.

Fui até as mensagens e encontrei várias conversas. Em todas, ele marcava encontros, exigia determinadas práticas sexuais, e depois humilhava os parceiros. Era repugnante.

– Mas se ele também é gay... por que tanto ódio por vocês? – Nick perguntou, tentando entender.

– Meu tio contou que meu avô pegou ele com outro garoto na cama... e desceu a porrada. Talvez isso tenha deixado marcas que ele nunca superou – expliquei, embora aquela lógica distorcida ainda me deixasse confuso.

Continuei explorando o notebook. Havia pastas inteiras com vídeos e fotos explícitas. O contraste entre aquele homem obsceno e o sujeito rígido e controlador que eu conhecia era surreal. Era como conhecer um estranho pela primeira vez. E, de certo modo, era isso mesmo.

Nick deslizou os dedos pelo meu braço e começou a beijar meu pescoço com delicadeza, fazendo meu corpo inteiro reagir.

– Isso tudo tá me deixando louco – sussurrou, colando os lábios nos meus. – Quero você. Agora.

– Aqui? – perguntei, hesitando por um segundo.

– Aqui mesmo – respondeu ele, mordendo meu ombro de leve. – Na rua, no chão... tanto faz – completou, me beijando com urgência.

Não sei se estava fora de mim ou só completamente entregue, mas a ideia de transar naquele lugar, carregado de segredos, me excitava de um jeito absurdo.

Fechei o notebook e o deixei de lado. Tirei a camisa e sentei no colo de Nick, o beijando com voracidade. Nossas bocas se colaram com intensidade, enquanto minhas mãos passeavam pelo corpo dele, até tirar sua camiseta. Seu físico, levemente definido, era exatamente o que me enlouquecia. Deitei Nick na cama e comecei a explorar seu peito com a boca, prestando atenção especial aos mamilos, que o faziam gemer alto. O pau dele já estava duro sob a bermuda, e comecei a me esfregar sobre ele, provocando ainda mais. Nick arranhava minhas costas, me puxava para mais perto, gemia no meu ouvido.

Fui descendo os beijos até o volume na bermuda, chupando por cima do tecido. Ele pulsava forte. Num movimento só, tirei bermuda e cueca de uma vez, fazendo o pau dele saltar rígido, delicioso, me deixando ainda mais excitado. Comecei com chupadas suaves, focando na cabeça, e depois fui aprofundando e acelerando, ouvindo os gemidos dele cada vez mais altos.

Não queria que ele gozasse ainda. Subi de volta e prendi minha boca à dele. Nick me virou de costas, ficando por cima, e tirou minha calça com uma pressa faminta. Logo senti um dedo dele me penetrando com vontade.

– Me fode com força – pedi, já entre gemidos.

Ele não pensou duas vezes. Me penetrou de uma vez só. Doeu, sim. Mas era uma dor que excitava, um ardor que eu desejava. Sentir ele me preenchendo por completo era como estar inteiro de novo.

Nick metia com força, me arrancando gemidos que eu nem conseguia controlar. E eu queria mais. Sempre mais.

– Quer mais? – ele perguntou, me dando um tapa leve no rosto. – Então pede, sua putinha.

– Mete com força! – gritei, entregue. – Mete tudo, caralho!

E ele obedeceu. Me comeu com brutalidade, com desejo, com uma fome que me enlouquecia. Seu corpo suado batia contra o meu num ritmo animal, e eu sentia que aquele era o meu lugar. Adorava quando ele me xingava, quando me dominava completamente. Era cru, intenso, real. E eu adorava cada segundo.

Nick me comeu por quase quarenta minutos, até gozar fundo dentro de mim. Depois desabou sobre meu corpo, me beijando com carinho.

A gente transou por todos os cômodos do apartamento. A sujeira, os vídeos no notebook, tudo aquilo parecia ter liberado um lado selvagem dele – e eu estava completamente rendido. A cada nova investida, ele me tomava com mais intensidade, e eu me entregava sem pensar duas vezes.

Por volta das sete da noite, fomos pro chuveiro... e acabamos transando de novo.

Não era isso que eu esperava quando decidi investigar a vida dupla do meu pai. Mas, sendo bem honesto?

Foi a melhor descoberta que eu podia ter feito.

...

Daniel

Gostaria de ter voltado para o colégio ao lado de Bernardo, mas ele não conseguiu dormir na minha casa na noite anterior. O pai dele queria passar um tempo com ele. Confesso que uma pontinha de inveja me atravessou o peito — ter um pai que se importa, que enfrenta o mundo para proteger o filho... é um privilégio que eu nunca tive. Às vezes, lembro da relação que existia entre mim e o meu. Ele me levava ao quartel, aos estádios. Dizia que me amava e que eu era seu maior orgulho. Memórias que, por um instante, quase me fazem esquecer quem ele se tornou. Mas então, como um raio, surge a lembrança dele com a arma apontada para minha cabeça. Naquela noite, todas as lembranças felizes evaporaram. Por mais que eu tente, nunca vou apagar aquela cena.

De vez em quando, me pego pensando que teria sido mais fácil se ele tivesse puxado o gatilho. Assim, pelo menos, o sofrimento teria acabado. Sei o quanto isso soa egoísta — afinal, as pessoas que me amam sentiriam minha falta — mas a paz, do jeito que for, parecia cada vez mais tentadora. Se ela viesse com a morte, eu aceitaria. É pesado, eu sei... mas era o que me habitava.

— Não esquece de me ligar — disse minha mãe, nos deixando na escola naquela noite. — Tô falando sério, hein!

— A gente vai lembrar, mãe — Théo respondeu, sorrindo.

— Sei... vocês sempre dizem isso! — ela brincou, dando um beijo carinhoso na testa do meu irmão. Um gesto simples, mas cheio de significado. Em seguida, ela pôs as mãos nos meus ombros e respirou fundo. — Me desculpa por ontem... por sua avó, por eu ter exagerado na bebida. Sei que te magoei.

— Tá tudo bem — respondi de coração. — A senhora está tentando, e isso já é muito pra mim.

Minha mãe me abraçou forte. Um gesto que, há pouco tempo, eu não esperava mais receber. Aquela mulher que me abandonou no hospital estava ficando no passado. Aos poucos, ela renascia. Eu podia não ter mais um pai presente... mas sabia que minha mãe jamais me deixaria novamente.

Assim que ela foi embora, subi direto para o quarto e encontrei Samuel mergulhado num livro enorme, que não reconheci de primeira.

— Que leitura é essa? — perguntei, jogando minha mochila ao lado da cama.

— A Tormenta de Espadas, das Crônicas de Gelo e Fogo — respondeu ele, sem desviar o olhar das páginas. — É um dos livros que inspiraram Game of Thrones.

— Você e essa saga! — comentei, com um sorrisinho. — Pelo tamanho, parece que conta a série inteira.

— Só abrange a terceira e quarta temporada — explicou. — O enredo é bem complexo.

— Boa sorte terminando isso aí — falei, rindo e procurando meu celular na mochila. Vi uma mensagem de Bernardo dizendo que acabara de chegar. Respondi pedindo para ele me encontrar no refeitório. — Vou jantar. Tô morto de fome.

— Também vou — disse Samuel, fechando o livro. — Mas antes, me conta: como foi o aniversário da sua avó?

— Foi péssimo — confessei, sentindo a angústia retornar como uma onda.

Fui contando tudo o que rolou enquanto andávamos em direção ao refeitório.

— Cara, sei que é pesado — disse ele, ouvindo com atenção — mas acho que é difícil pra todo mundo. Vai ver seu pai foi mesmo uma pessoa boa, que mudou no quartel. Sua avó deve ter dificuldade em aceitar essa transformação. Talvez precise de tempo.

— O que mais doeu foi ela dizer aquilo tudo como se eu não estivesse ali. Como se eu não fosse neto dela também.

— Eu entendo. Mas pensa em como você agiu quando estava confuso e feriu o Bernardo. — Ele me lançou um olhar firme. Concordei, sem graça. — Ela também tá perdida.

— E pra piorar, eu falei uma besteira enorme pro Bernardo — confessei, sentindo o peso da culpa me corroer.

— O que você falou? — Samuel arregalou um pouco os olhos.

— Você sabe do problema dele com a mãe, né? — ele assentiu. — Pois é... eu joguei isso na cara dele. Disse que ela o tratava como lixo. Ele chorou. Não devia ter dito.

— Mas vocês fizeram as pazes?

— Sim... a gente se acertou. Mas não sei... ele tá diferente. Me dá carinho, fala que me ama, mas... tá estranho.

— Pode ser só coisa da sua cabeça. Você costuma imaginar o pior — disse, tentando aliviar o clima.

— Espero que seja só isso. Porque perder o Bernardo... eu não suportaria.

— Relaxa. O Bernardo não é desses que dizem “eu te amo” da boca pra fora.

— Tomara mesmo — respondi, enquanto chegávamos ao refeitório. Bernardo já nos esperava.

Comemos juntos como de costume, mas, diferente de outras noites, ele não quis dormir comigo. Disse que estava exausto e que precisava descansar pro teste de português. Demos um beijo de boa noite, mas senti que foi frio. Não era impressão. Algo ali tinha mudado.

Voltei pro quarto e questionei Samuel, mas ele disse que não notou nada. Achava que era só cansaço. Tentei deixar pra lá e fui tomar banho.

No dia seguinte, não o encontrei no refeitório. Perguntei ao Théo se sabia de algo.

— Ele foi direto pra sala — respondeu, com naturalidade. — Disse que queria revisar a matéria. Estudou tanto que dormiu por cima dos cadernos.

— Isso não é muito típico dele, né?

— Não mesmo. Ele nem se preocupava tanto com essa prova... mas achei que fosse só ansiedade.

— Vou falar com ele — decidi, já me levantando.

— Espera aí, Daniel — Théo me chamou. — A gente precisa conversar. É sério.

Ele me levou até as arquibancadas da piscina, que estavam vazias naquela manhã. Sentamos, e eu me preparei pra uma bomba.

— É sobre o Bernardo?

— É sobre o nosso pai — respondeu ele.

— Então eu não quero ouvir — retruquei, me levantando. Mas ele me segurou.

— Eu descobri por que ele nos odeia tanto.

— Porque ele é um monstro, só isso! — disparei, já sentindo os olhos marejarem. — Um desgraçado que só sabe espalhar dor!

— Ele é gay — Théo soltou, direto ao ponto.

Aquilo me tirou o ar. Minhas pernas falharam e quase caí da arquibancada. Meu pai? Gay? Como assim?

— Você só pode estar brincando...

— Eu queria — ele respondeu, ainda processando. — O Tio João me contou. Disse que o vovô flagrou o pai na cama com outro menino. Apanhou tanto que nunca mais foi o mesmo. Foi mandado pro exército logo depois... e voltou outra pessoa.

— Não... — balancei a cabeça, tentando negar com todas as forças. — Não pode ser verdade.

— Eu e o Nick fomos até o apartamento dele. No notebook, tinha um perfil fake no Facebook. Só usava pra marcar encontros com homens.

— Sério isso?

— E tinha um monte de vídeos... de práticas bizarras, sadomasoquismo... umas coisas pesadas. Inclusive uma foto dele vestido de Mulher-Gato.

— Eu não quero nem imaginar isso! — exclamei, atordoado. — Mas... ele teve três filhos, uma esposa...

— Talvez por medo, por negação. Talvez achasse que se vivesse uma mentira bem montada, os fantasmas sumiriam. Mas eles não somem.

— Então tudo isso... foi uma farsa?

— Foi — confirmou Théo. — Nosso pai viveu uma mentira... e nos destruiu no processo.

...

Bernardo

Passei a maior parte daquela semana mergulhado nos livros, tentando apagar da memória o fim de semana em casa. Estudar virou minha fuga, a distração perfeita para uma dor que insistia em me consumir. Eu sabia que fugir dos meus problemas não resolveria nada — o certo seria encará-los —, mas fica difícil quando o próprio problema atende pelo nome de mãe.

Ela havia bebido de novo. Estava largada no sofá, inconsciente, numa cena tão degradante que doía só de olhar. Desde aquele dia em que despejou tudo o que guardava contra mim, sua relação com a bebida piorou drasticamente. Passava os dias bebendo sem parar até cair, apagada, em qualquer canto da casa. Já a encontrei caída na escada, no banheiro, na sacada e até no corredor do prédio. Uma vez, foi o vizinho quem a encontrou primeiro — sem saber o que fazer.

Meu pai estava por um fio. Qualquer coisa o tirava do sério. Em um dia, ele socou o micro-ondas com tanta força achando que estava quebrado... só para depois perceber que o problema era a tomada. Tarde demais para o micro-ondas, que ficou todo amassado.

Até a Mirian, nossa empregada — sempre sincera e direta — agora andava pelos cantos em silêncio, desconfortável.

Minha mãe não saía de casa há dias. Vivia trancada no quarto, se lamentando, como se o mundo tivesse feito algo terrível com ela... mas a gente sabia a verdade. O nome da dor dela era o meu. Era por ter um filho como eu que ela afundava. E isso machucava todo mundo em casa, mas em mim... a ferida doía mais fundo.

Naquela tarde, pouco mais de uma hora depois de eu chegar da escola, bateram à porta. Eram dois homens de branco. Meu pai os havia chamado. Eles entraram e imobilizaram minha mãe. Ela resistiu, mas não teve chance. Foi levada gritando:

— Eu odeio vocês! — berrava, transtornada. — Odeio tudo isso! Quando eu voltar, vocês vão ver! Me solta!

Ela foi levada envolta por uma camisa de força. Me ajoelhei no chão, chorando como nunca chorei antes. A imagem da minha mãe, completamente fora de si, gritando e se debatendo enquanto era levada à força para a reabilitação... essa cena vai me assombrar para sempre. A dor de vê-la daquele jeito me dilacerava. E os olhares dos vizinhos, os sussurros, os julgamentos... tornavam tudo ainda mais insuportável.

— É pelo bem dela — disse meu pai, colocando a mão no meu ombro.

Me virei e o abracei com força, tentando recompor os cacos dentro de mim.

— Bernardo! — a professora de Biologia me chamou de volta à realidade.

— Me desculpe, professora... não ouvi a pergunta — respondi, percebendo que toda a turma me encarava.

— Teria ouvido se não estivesse dormindo na minha aula! — ela respondeu seca. — Da próxima vez que te pegar assim, mando sair da sala.

— Sim, senhora — falei, endireitando a postura.

Ela passou a pergunta para a Giovana, que respondeu certinho sobre as células eucariontes. Tentei me concentrar na aula, mas os pensamentos voltavam em ondas. Mesmo assim, consegui fingir que estava bem. Ou, pelo menos, achei que consegui. Ao menos, ela não me mandou sair da sala.

No fim da aula, ela avisou que teríamos um trabalho em dupla. A turma comemorou, e os colegas logo correram para formar parcerias. Giovana até veio falar comigo — e confesso que fiquei feliz — mas logo a professora avisou que ela mesma faria os sorteios.

Torci para cair com Giovana, mas ela ficou com Kevin, o garoto que vivia grudado na mesa da professora. Achei que pelo menos seria sorteado com Théo, mas ele foi com Fábio. Sobraram eu e Nick. Não me incomodava — afinal, ele era o namorado do meu melhor amigo —, mas nunca tínhamos conversado sozinhos. Havia certa distância entre nós.

— Podemos fazer o trabalho lá em casa no fim de semana — ele sugeriu, ao final da aula, enquanto caminhávamos para o refeitório. — Minha mãe tá viajando pros Estados Unidos, meu irmão estuda em um internato na Europa e meu pai trabalha o dia todo. A casa vai estar bem tranquila.

Assenti, um tanto sem graça. Nem sabia que ele tinha um irmão mais novo. Mas o problema mesmo surgiu logo depois. Théo, ao perceber que Nick passaria o fim de semana comigo, não conseguiu disfarçar o ciúmes. Assim que Nick foi ao banheiro, ele me puxou pelo braço.

— Se você fizer qualquer coisa com o Nick, eu te mato — falou, direto e sério. O tom ameaçador me surpreendeu, mas tentei manter a calma.

— Não precisa se preocupar — respondi. — Eu tenho o melhor namorado do mundo. Não olho pra mais ninguém.

— É bom que não olhe — ele rebateu, seco. — E só pra constar... eu descobri seu segredinho da outra escola.

— Que segredo? — perguntei, engolindo em seco. Minha mente entrou em alerta total.

— Você sabe muito bem do que eu tô falando — ele disse, com um sorriso venenoso. — E se eu fosse você, ficava bem na minha. Se eu resolver abrir o bico, o Daniel nunca mais vai querer saber de você.

— Você não faria isso! — falei, já sentindo minhas pernas bambas.

— Encosta no meu namorado e descobre — respondeu ele, triunfante. — Você me enganou direitinho com essa carinha de anjo, Bernardo.

E foi embora no instante em que Nick saía do banheiro. Tudo que consegui pensar foi:

Fodeu...

Continua...

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Comentários

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Pior que eu tô começando a ter mais raiva do Théo do que de todos os outros vilões! Ô menino bom pra procurar confusão pqp

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Olha só pra Theo mostrado as garrinhas kkkk, mas para o Bernardo ter ficado assim coisa boa não deve ser. A melhor parte é ele chamando o Bernardo de cara de talirico na cara dele rsrsr.... mas não vou julgar Theo a princípio, vamos ver o que vai acontecer. A parte do pai era de se esperar tamanha safadeza rsrsrs, eita família pra ter purpurina... amooo

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O Théo tá se mostrando cada vez mais babaca. Por mim o Bernardo esquece o Daniel, o Theo, esses escrotos todos e parte pra outra. Tô com muito ranço do Theo. Tomara que fique sozinho.

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