PARTE 7 – Entre Verdades e Variáveis
"Tenho duas boas notícias: 1) Sonia está grávida (de novo!!!). 2) Simone terminou com o Alex. É a sua chance de reencontrá-la."
“Mano… a Simone terminou com o Alex. Do nada. Foi ela quem terminou, parece.”
Fiquei olhando para aquelas palavras por um tempo, parado, como se esperasse que elas mudassem sozinhas. A primeira notícia me arrancou um meio sorriso — Eles já tinham três filhos, tava vindo mais um. A segunda notícia, por outro lado, me bateu diferente. Não como uma alegria. Como um lembrete.
Simone. De novo.
O que isso queria dizer? Por que justo agora? Por que não antes? Por que não depois? Por que no exato momento em que eu finalmente decidi seguir em frente?
Simone com Alex, Simone terminando com Alex. E agora, Wilfredo me lembrando disso como quem oferece um presente. Só que ele não entendia. Ou talvez entendesse até bem demais.
Respondi devagar, escolhendo as palavras como quem monta um quebra-cabeça:
"Parabéns pela gravidez! Fico feliz por vocês dois, de verdade. Vou tentar visitar vocês logo, quero ver essa barriga crescendo de perto.
Sobre a Simone… sinceramente, acho pouco provável que ela volte atrás. A gente se perdeu faz tempo, e ela sabe bem por quê. Além disso, comecei a sair com alguém — o nome dela é Suzy. Está sendo bom. Leve."
Enviei a mensagem e deixei o celular de lado, mas ele pesava mais do que antes.
Eu ainda via as fotos de Simone às vezes. Não era obsessão, era... curiosidade? Ou uma mania silenciosa de procurar um passado que não voltava. Alex era bonito, mais presente do que eu jamais fui. E ainda assim, não deu certo. O que isso dizia?
Não importava. Pelo menos era o que eu tentava me convencer.
Comecei a fechar a empresa, me preparando para ir para casa. Olhei pela janela. A cidade seguia seu ritmo lá fora, indiferente a mim, a Wilfredo, a Simone — e talvez fosse melhor assim.
Alguns minutos depois, o celular vibrou de novo. Era o Wilfredo. A resposta veio rápida, como se ele já estivesse esperando a minha.
"Vou cobrar essa visita, irmão. Você sabe o quanto significa pra mim. Você é da família. Sempre foi."
Parei ali por um momento. Wilfredo sempre teve esse jeito caloroso comigo, desde moleques. A gente tinha passado por tanta coisa junto que, de certo modo, ele era mesmo como um irmão. Ou quase isso.
Continuei lendo.
"Sobre a Simone… 😟"
Só isso.
O emoji triste, sozinho ali no fim da mensagem, me pegou desprevenido. Era simples, mas dizia mais do que qualquer parágrafo. Não era só decepção com a minha falta de entusiasmo. Havia algo mais — algo que eu já suspeitava há algum tempo, mas fingia não ver.
Talvez ele nunca tenha superado aquele namoro tanto quanto dizia. Talvez, no fundo, ele tivesse mais do que apenas torcido por mim e Simone. Talvez ele quisesse... algo diferente para si mesmo.
Olhei para a tela por um tempo, os dedos pairando sobre o teclado, sem saber o que responder. No fim, só escrevi:
"Você sabe que eu te considero da mesma forma. Em breve a gente se vê."
Enviei e bloqueei o telefone, como quem fecha a porta de um quarto que precisa ficar escuro por mais um tempo.
Wilfredo sempre foi parte da minha história.
Conheço ele desde que a gente era moleque. A gente se encontrava depois da escola pra jogar bola, inventar campeonato de videogame como se fosse coisa séria. Ele sempre foi mais impulsivo do que eu. Eu era mais calado, mais planejado. E talvez por isso a amizade tenha durado tanto — um completava o outro.
Ele é filho único. Eu tenho uma irmã, mas cresci desejando alguém com quem pudesse dividir as coisas de menino. E o Wilfredo era isso pra mim. O irmão que a vida escolheu me dar.
Teve uma época em que a gente vivia praticamente junto. Minha mãe o tratava como filho, e a mãe dele sempre me dava bronca como se eu fosse da casa. A vida, naquela época, era simples.
Mas aí ela começou a complicar. Primeiro, veio a notícia de que Sonia estava grávida, e de gêmeos. Tinha só dezessete anos. Wilfredo tinha vinte. Ele entrou em pânico, claro — e eu também. Mas ele ficou. Ficou, lutou e cuidou. Sonia ralou muito, enfrentou olhares tortos, comentários sussurrados, mas nunca se vitimizou. Se formou em Direito com os filhos no colo e orgulho nos olhos. E Wilfredo... ralou ainda mais. Trabalhou de noite, estudou de dia, dormia onde dava. No final, se formou em Medicina.
Foi na faculdade que ele conheceu Simone.
Lembro até hoje do dia em que ele me falou dela pela primeira vez. “Você vai gostar dela, Anderson. Ela é diferente.”
E era mesmo. Inteligente, engraçada, cheia de luz. Ele me apresentou a ela como quem apresenta um segredo. E, com o tempo, eu me apaixonei. Ela também — acho. Por um tempo, pelo menos.
Mas às vezes eu me pergunto se não havia algo ali desde o começo. Talvez ele tivesse me apresentado Simone como quem oferece um presente... mas com um pedaço do peito preso naquele laço.
Mesmo assim, como posso não amar o Wilfredo?
Ele é meu irmão. O irmão que cresceu comigo, que me defendeu de brigas, que chorou comigo quando precisei dele. Ele foi o primeiro a me incentivar com a empresa, mesmo quando ninguém acreditava. Sempre esteve ali.
E talvez por isso tudo doa tanto.
Eu fiquei de visitar o Wilfredo e a Sonia e nunca tive tempo ...e assim três meses se passaram ...
Três meses se passaram desde aquela última troca de mensagens. Eu podia inventar desculpas — e, pra ser justo, até tinha algumas legítimas. A empresa estava me consumindo mais do que nunca, Suzy e eu estávamos tentando fazer as coisas funcionarem, e o tempo parecia escapar entre os dedos. Mas, no fundo, eu sabia que havia algo mais.
Talvez fosse medo. Medo do que eu veria nos olhos de Wilfredo.
A notificação no celular apareceu numa tarde comum de terça-feira. Era ele.
"Você sumiu. Não vai mais visitar a gente? Sonia tá com quatro meses agora. Descobrimos que são gêmeos ( de novo!!!!)"
Li a mensagem duas vezes. Primeiro com surpresa, depois com um aperto no peito. Gêmeos. Aquela notícia merecia mais do que silêncio.
Os dois primeiros filhos deles também são gêmeos. E agora mais dois. Eles vão totalizar 5 filhos então, e não 4 como se achava antes.
Respondi quase imediatamente, os dedos indo mais rápido que a cabeça:
"Cara, me desculpa mesmo por ter sumido. As coisas ficaram meio caóticas por aqui, mas não é desculpa. Fico muito feliz por vocês. Gêmeos! Que notícia incrível. Eu quero muito ver vocês."
Respirei fundo antes de continuar.
"Esse fim de semana eu vou aí. Prometo. Levo a Suzy comigo, ela tá curiosa pra conhecer vocês."
Era estranho pensar que aquele cara que já dormiu no chão do meu quarto depois de uma bebedeira adolescente agora ia ser pai de cinco filhos. E eu... eu mal conseguia organizar meus próprios sentimentos.
O sábado chegou mais rápido do que eu esperava. Suzy estava animada desde cedo, escolhendo a roupa com cuidado, perguntando sobre Wilfredo e Sonia como se fossem amigos de infância que ela precisava impressionar. E, de certa forma, eram. Pelo menos, no papel que eu desenhava da minha vida para ela.
Sonia nos recebeu com um sorriso cansado e lindo — a barriga já começava a aparecer, e ela exibia aquilo com um orgulho discreto. Wilfredo veio logo atrás, de chinelo, rindo, dizendo que Suzy merecia um prêmio por aturar minha cara fechada.
Sentamo-nos todos na varanda, a comida veio, as conversas fluíram. Sonia falava sobre os enjoos, sobre escolher nomes — um menino e uma menina — e Suzy ouvia encantada, fazendo perguntas, rindo com aquela leveza que ela carrega aonde quer que vá. Por um tempo, eu relaxei. Por um tempo, parecia que tudo estava em equilíbrio.
Foi quando Wilfredo me cutucou discretamente no braço e disse:
— Vem cá, irmão. Me ajuda ali na garagem. Quero te mostrar a bicicleta que vou reformar pro moleque.
Fui sem pensar muito. A garagem era só um pretexto, claro. Ele fechou a porta atrás de nós e, por alguns segundos, ficamos em silêncio. Ele encostou na bancada de ferramentas, cruzou os braços e me olhou como quem se preparava pra derrubar uma verdade incômoda.
— Anderson — ele começou — você sabe que eu te amo como irmão, né?
Assenti devagar, meio alerta.
— Então vou te falar como irmão. Porque se eu não falar, vou ficar com isso entalado.
— Tá. Fala.
— A Simone é a mulher da sua vida.
Confesso que fui pego de surpresa pelo frontalidade. Mas ele não recuou.
— Suzy é linda, inteligente, simpática, tudo isso. Mas eu conheço você, cara. E eu conheço gente. E... olha, não me leva a mal, mas às vezes eu tenho a impressão de que você virou uma espécie de sugar daddy pra ela.
Tentei falar, mas Wilfredo não deixou e prosseguiu:
- Lembra quando você fez aquele programa no computador. Você disse que ia criar a namorada virtual ideal. Baseado naquele filme ...
- Baseado no filme Mulher Nota Mil – completei
- Isso, eu não entendo nada daquilo que você fazia, você chamou de “O Código do Prazer”.
- Olha Wilfredo, namoradas virtuais estão fazendo sucesso ...
- Cara, é isso que quero dizer, a Suzy é como se fosse uma dessas namoradas virtuais. Ela é linda, perfeita! Mas o relacionamento não é de verdade. Relacionamento de verdade você vai ter com a Simone!
O silêncio que se seguiu foi seco. Duro. Eu senti o sangue subir, não de raiva, exatamente, mas de algo mais confuso — uma mistura de humilhação, indignação e... dor.
— Wilfredo... — comecei, mas ele levantou a mão, me interrompendo.
— Eu sei que não é fácil ouvir. Mas você tem intimidade comigo o suficiente pra saber que eu só falo isso porque me importo. Você não é um cara superficial. Nunca foi. Você construiu a vida com suor, você valoriza laço, história. E Suzy... ela parece mais encantada com o que você oferece do que com quem você é.
Ele continuou:
— A Simone terminou com o Alex. Você acha que foi coincidência? Eu tenho certeza de que ela ainda tem sentimentos por você. E sei que você também tem. Você se afastou porque se sente culpado, porque teve medo de repetir os mesmos erros. Mas fugir não resolve nada.
A vontade que eu tive foi de gritar que ele estava errado. Que ele estava se intrometendo. Que ele não sabia nada sobre mim e Suzy, nem sobre o que eu sentia por Simone hoje.
Mas, no fundo, eu sabia que uma parte dele — talvez a pior parte — estava certa.
Voltei pra sala meio agoniado.
Suzy riu de algo que Sonia dizia. E eu sorri. Mas por dentro, eu já não estava mais no mesmo lugar.
Na volta para casa, enquanto Suzy falava sobre como Sonia era simpática e como o Wilfredo parecia "intenso demais", eu mantinha os olhos na estrada, acenando com a cabeça, fingindo estar ali. Mas minha mente tinha ido embora. Estava em outro tempo, outro lugar.
Voltei para um fim de tarde, alguns anos atrás. Simone e eu estávamos no meu antigo apartamento. Chovia lá fora — não uma tempestade, mas aquela chuva fina, insistente, que parece limpar a cidade por dentro.
Ela estava sentada no chão da sala, com uma taça de vinho na mão e um vinil tocando baixinho. Era Nina Simone. Claro que era. A música era dela, o gosto era dela. Eu só estava ali, tentando entender como ela conseguia transformar qualquer lugar em lar.
— Sabe o que eu acho mais bonito em você? — ela perguntou de repente, olhando pra frente, não pra mim.
Eu ri, meio sem graça.
— A lista é grande, imagino.
Ela riu também, mas depois ficou séria. O olhar finalmente me encontrou.
— Você tenta consertar tudo. Mesmo quando não é sua culpa. Mesmo quando já passou. Você tem essa mania de querer segurar o mundo com as duas mãos.
Eu não soube o que dizer. Só sentei ao lado dela e fiquei em silêncio. Ela encostou a cabeça no meu ombro e sussurrou, como quem entrega um segredo:
— Eu não preciso que você me salve. Só quero que você esteja aqui. Que fique comigo.
Mas eu não fiquei.
Voltei a mim quando Suzy perguntou, rindo:
— Em que planeta você foi parar agora?
Olhei pra ela e forcei um sorriso.
— Só pensando no trabalho.
Ela assentiu, sem desconfiar. Mas o nome que martelava na minha cabeça não era “trabalho”.
Por um tempo, eu realmente achei que estava tudo bem. Que eu estava feliz!
Com Suzy, as coisas funcionavam. A gente saía bastante — restaurantes novos, museus, shows ao ar livre, trilhas, e é claro, muito sexo, sempre que eu quisesse, do jeito que eu quisesse.
Ela era inteligente, articulada, sempre com uma opinião interessante sobre qualquer assunto, do caos político ao último episódio de uma série cult. Além disso, era linda. Como se ela tivesse nascido já sabendo que chamaria atenção. E sabia.
No início a única coisa que me incomodava na Suzy era o relacionamento dela com a Madalena.
Eu me sentia inquieto cada vez que acessava as imagens da câmera escondida. Nunca flagrei Madalena fazendo algo desonesto ou que prejudicasse a empresa Mas havia algo naquela sala que me incomodava.
A princípio, foi curiosidade. Um desconforto vago que tentei ignorar. Mas com o tempo, virou uma rotina silenciosa: abrir o aplicativo e assistir, em silêncio, aos momentos em que Suzy, minha namorada, entrava na sala de Madalena.
Elas pareciam tinham intimidade além da amizade. Uma massagem aqui, um toque acolá.
Suzy nunca mencionou essa proximidade. Madalena, muito menos. E, ainda assim, ali estavam as imagens.
Não era ciúmes. A câmera estava ali sem que Madalena soubesse, e cada cena me lembrava disso. Eu não podia questioná-las sem revelar o que fiz. E, se revelasse, como justificar? Que tipo de homem coloca uma câmera escondida na sala da própria sócia?
Além do mais eu adorava assistir as partes que Madalena pegava o consolo e se masturbava, ela fazia isso em torno de 2 a 3 vezes por semana.
Eu assistia Mada se masturbando, e eu me masturbava junto.
A buceta de Mada não saía da minha cabeça, e as expressões e gemidos de prazer dela me deixavam muito excitado também.
Que vontade de entrar naquela sala, e eu mesmo socar o consolo, com minhas mãos, bem forte no fundo da xoxota dela! Ou perguntar se ela não preferia o meu pau de verdade, do que aquele de mentira.
Mas guardei tudo. Fingi que não vi. Tranquei a inquietação dentro de mim, dia após dia, e chegou um dia que nem me incomodava mais.
Quanto a Suzy, no começo, era fácil se encantar. Ela tinha aquele brilho de novidade que preenche qualquer vazio. Eu gostava de vê-la rir das minhas piadas, de tê-la do meu lado nos lugares onde antes eu ia sozinho. Por um tempo, me convenci de que era isso. Que bastava isso. Companhia, beleza, conversa boa. E paz. Com ela não havia cobranças. Não havia silêncios densos nem expectativas pesadas. Eu pagava as contas, as coisas eram do meio jeito.
Mas, com o tempo, comecei a perceber algo que preferia não encarar.
Era como uma criança que ganha um brinquedo novo no Natal. Nos primeiros dias, tudo é fascínio. Leva pra todo canto, mostra pra todo mundo, dorme com ele na cama. Mas depois de um tempo, o brilho vai embora. E o brinquedo fica ali, intacto, mas... esquecido. Porque o encanto não é o mesmo.
De certa forma eu tinha “comprado” a Suzy. Eu pagava por ela.
Neste caso, acho que a frase de que “a vida é uma constante oscilação entre a ânsia de ter e o tédio de possuir”, se encaixava bem.
Eu ansiava por Suzy, e agora que eu a tinha “comprado” e a “possuía” já estava me deixando entediado.
E eu estava começando a entender que Suzy, com todo seu charme e presença, era isso pra mim: uma empolgação do começo. Um alívio temporário para uma ausência maior.
Porque, por mais que eu não dissesse em voz alta, eu sentia falta da Simone.
Sentia falta do jeito como ela me olhava quando eu falava sobre a empresa, mesmo que ela não entendesse todos os detalhes. Sentia falta do silêncio confortável entre nós, dos domingos preguiçosos, das conversas às três da manhã sobre tudo e nada. Do que era construído, não comprado. Do que exigia trabalho, não distração.
Suzy estava deitada nua na cama daquele motel luxuoso que ela mesma escolheu. Tinha sido mais uma transa épica. Ela me convidou para nadarmos nus na piscina do quarto. Mas uma parte de mim estava distante. Lá atrás. Em outro lugar. Em outro olhar.
E foi ali, entre um abraço na piscina e um beijo dentro da sauna que eu percebi: ela não era o problema.
O problema era eu.
Apesar de tudo, meu relacionamento com Suzy seguiu bem por mais alguns meses. Até que nasceram os filhos de Wilfredo e Sonia.
O cheiro de hospital sempre me causou um certo desconforto. Mas naquele dia, ao subir pelo elevador até o quarto 512, havia algo diferente no ar. Vida. Era isso. Duas vidas tinham acabado de chegar ao mundo, e eu mal podia esperar para conhecê-las.
Wilfredo foi o primeiro a me receber na porta, com um sorriso que eu nunca tinha visto antes. Nem no casamento dele. Nem quando assinou o contrato da casa nova. Era um sorriso cheio de espanto e orgulho, como se ele mesmo não acreditasse no que tinha acontecido.
— Cara, você precisa ver isso — ele disse, abrindo espaço para eu entrar.
O quarto era simples, mas acolhedor. Sonia estava deitada, cansada, mas com os olhos acesos de ternura. Havia flores sobre a mesinha lateral, uma manta colorida sobre os pés da cama. E ali, entre os dois berços transparentes, a cena mais surreal do meu dia: dois seres minúsculos, enrolados em cobertores azuis claros, dormindo como se não houvesse barulho nenhum no mundo.
— São idênticos? — perguntei, me aproximando.
— Quase — disse Sonia, sorrindo. — Mas se você olhar bem, o da esquerda tem uma pintinha na orelha. É o Matheus. O da direita é o Lucas.
— E aí, tio Anderson — brincou Wilfredo, me entregando o Matheus com todo cuidado. — Pode pegar, não vai quebrar.
Confesso que minhas mãos tremeram um pouco. Não é todo dia que se segura um ser tão pequeno, tão indefeso. Os olhos dele mal abriam, a boca fazia movimentos lentos como se ainda estivesse mamando em sonho. O calor daquele corpinho contra o meu peito me deixou em silêncio.
— Parabéns, de verdade — disse, olhando para os dois. — Eles são lindos. Trouxe um presentinho também… roupinhas, fraldas, essas coisas que a gente compra meio perdido, sabe?
Sonia riu.
— Qualquer coisa ajuda. Crianças são máquinas de consumir fralda.
Wilfredo se sentou ao meu lado, enquanto Sonia voltava a fechar os olhos por alguns minutos.
— A ficha já caiu? — perguntei.
Ele suspirou fundo, como quem carrega uma vida nova nas costas — e, de fato, estava carregando.
— Cara… não. Eu olho pra eles e ainda acho que é um sonho. Às vezes fico com medo de não dar conta. Mas aí olho pra Sonia e penso: se ela consegue, eu tenho que conseguir também.
Ficamos em silêncio por alguns segundos, só ouvindo os passos distantes dos enfermeiros no corredor. Foi então que Wilfredo se virou pra mim, num tom mais baixo.
— E como você tá? Suzy não veio?
— Não pôde vir hoje. Ficou presa no escritório — respondi, evitando prolongar o assunto.
Wilfredo assentiu, mas deu um meio sorriso como quem queria puxar outra conversa.
— Falei com a Simone ontem — ele soltou, casualmente demais.
Senti um desconforto.
— É mesmo?
— É. Ela ficou super feliz com o nascimento dos meninos. Perguntou por você. E... disse que sente falta de conversar contigo. Que, se você quisesse, ela toparia sair pra tomar um café. Conversar. Quem sabe tentar de novo.
Suspirei. Já fazia um tempo que o nome dela não era dito tão diretamente assim.
— É complicado, Fredo. Tô com a Suzy agora. Não acho certo alimentar esse tipo de coisa...
— Mas você gosta da Suzy do mesmo jeito que gostava da Simone?
A pergunta me pegou desprevenido. Fiquei em silêncio.
— Eu te conheço — ele continuou. — A gente é amigo há mais de uma década. Quando você estava com a Simone, você era outro cara. Mais leve. Mais inteiro. Ela te fazia bem, Anderson. E olha, não é todo dia que aparece uma mulher como ela. Inteligente, gentil, firme… e ainda gostando de você.
Tentei rir pra quebrar o clima.
— Você devia trabalhar com marketing de casamentos fracassados.
— Eu só não quero que você deixe o orgulho ou o medo te impedirem de ser feliz — ele disse, sério. — Às vezes, a vida dá uma segunda chance. Não é todo mundo que recebe isso.
Me levantei devagar. A visita tinha sido linda, mas agora minha cabeça estava cheia de ruído. Eu o abracei com força, e beijei a testa de Sonia antes de sair.
E foi aí que aconteceu.
A porta se abriu no exato momento em que eu a alcançava.
Simone.
Por um instante, o tempo parou.
Continua ...