📖 Capítulo 24 – Partidas, Promessas e Desejos
Silvia chegou com um sorriso indecifrável no rosto. Clara notou algo diferente em seu olhar — um brilho de quem carregava uma notícia grande, envolta em mistério. Na sala, Júlia embalava a bebê nos braços, e Marcos lia uma história em voz baixa, distraído com a cena delicada que se formava no sofá.
— Preciso falar com vocês — disse Silvia, direta, mas com doçura.
Clara sentiu um leve arrepio. Havia peso nas palavras.
— Recebi uma proposta... daquelas que não se recusa. Um projeto em outro país, meses de imersão, talvez um recomeço.
O silêncio preencheu a sala. Júlia parou de embalar a pequena. Marcos ergueu os olhos com expressão de surpresa.
— É maravilhoso pra você — disse Clara, tentando disfarçar a pontada no peito. — Mas dói em nós.
Silvia assentiu, emocionada. Aproximou-se de Júlia e tocou sua barriga já protuberante.
— Mas antes de ir... eu queria um momento com vocês. Não só despedida, mas... algo íntimo. Um ritual de passagem, talvez. Entre nós.
Clara a olhou, cúmplice. Nem tudo precisava ser dito em voz alta.
No dia seguinte, o trio — agora quarteto, com a bebê — foi ao parque. Era um raro dia nublado, com o vento dançando leve entre as folhas. Júlia caminhava devagar, rindo das caretas de Marcos sempre que seus seios fartos, agora exuberantes, pareciam atrair mais olhares do que a bebê no carrinho.
— Está impossível olhar pra você sem... desviar os olhos — murmurou ele, corando.
— Então não desvia — disse ela, com um sorriso provocador.
Clara apenas observava os dois, em silêncio, como quem presencia algo precioso florescendo. Havia algo sagrado naquele dia: a despedida se misturava com a promessa de continuidade.
Horas depois, enquanto a bebê dormia e Silvia se preparava para partir no dia seguinte, Clara e Júlia saíram sozinhas — uma escapada simbólica, feminina, íntima.
— Sex shop? — sugeriu Júlia, quase rindo.
— Claro. Depois de tudo, merecemos brincar com o que sentimos, não é? — respondeu Clara.
O ambiente do lugar era discreto, elegante, iluminado em tons quentes. As duas exploravam prateleiras e vitrines como quem folheia um diário secreto. Entre sorrisos cúmplices, escolheram um brinquedo de ventosa em tom discreto — algo mais simbólico do que necessário. Júlia, sempre mais atrevida, apontou para outro item, mais ousado.
— Só por precaução — disse, piscando. — Vai que o coelhinho cansa.
Clara riu, puxando a amiga para perto.
— A essa altura, ele já é um coelho-maratonista. Mas... é bom lembrar que ele também precisa ser desafiado.
Ao voltarem, encontraram Marcos no quarto, sentado na beira da cama, olhando para uma das caixas vermelhas da terapeuta Luísa — aquela que ainda não haviam aberto. Clara se aproximou, deitou atrás dele e o abraçou pela cintura.
— Sabe o que Júlia disse no parque? — sussurrou. — Que estava muito... interessada em um certo "botão" escondido.
Marcos arregalou os olhos. Júlia entrou logo depois, com a caixa de papel da loja, encostou na parede e sorriu, sabendo exatamente onde a conversa estava indo.
— Com tudo que estamos vivendo... talvez seja hora de explorar não só o que temos, mas o que ainda escondemos de nós mesmos — disse ela.
Silvia se despediu ao amanhecer, com um beijo em cada um e a promessa de voltar. Não como antes, mas como alguém que deixou raízes no solo fértil que era aquele trio em transformação.
O lar, agora com cheiros novos, memórias acumuladas e corpos em transição, se preparava para um novo capítulo. E o espelho que antes refletia apenas dúvidas e inseguranças, agora começava a mostrar algo diferente: três reflexos, fundindo-se pouco a pouco, em algo que nem mesmo o tempo ousaria apagar.