Onde o Sol se Esconde (Caopitulo 9)
O salão principal do orfanato São Jerônimo estava mergulhado num silêncio sepulcral.
Todos os internos estavam ali — meninos e meninas encolhidos, assustados, sem entender o que estava prestes a acontecer.
Dona Clarice, a cozinheira velha e cansada, mas de olhos firmes, ficou diante dos inspetores.
Ao lado dela, Teo, Samuel e Guto — ainda sujos e trêmulos.
Os inspetores trocavam olhares impacientes, como se já tivessem ouvido histórias demais em suas vidas cinzentas.
Mas Clarice não hesitou.
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— Esses padres... — começou, a voz rouca. — Estão fazendo coisas horríveis com essas crianças há anos.
Ela respirou fundo.
— Abusos. Agressões. Castigos secretos. Subornos para esconder a sujeira. Meninos sumiram daqui e ninguém nunca perguntou onde foram parar.
— Ela olhou diretamente para os inspetores. — O pequeno Elias... ele fugiu porque era assediado. Depois apareceu morto. E ninguém investigou.
O salão inteiro pareceu prender a respiração.
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Padre Buzzi, parado ao fundo, sorriu — um sorriso frio e cheio de dentes.
Padre Maurício murmurava orações falsas, fingindo piedade.
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Clarice continuou, a voz embargada de emoção:
— Ontem à noite, eles tentaram levar Guto. Tentaram levar Teófilo.
— Ela apontou para os meninos. — Se não fosse pela coragem desses dois, teríamos mais uma tragédia escondida sob este teto podre!
Guto soluçava baixinho, agarrado à mão de Samuel.
Teo tremia, mas mantinha o queixo erguido.
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Os inspetores anotaram tudo, rostos impassíveis.
Quando Clarice terminou, o silêncio era tão pesado que parecia que as paredes velhas iriam desabar.
Então, o homem mais velho do trio — o chefe da inspeção — pigarreou.
— Investigaremos as denúncias — disse num tom burocrático. — Mas, enquanto isso, para preservar a integridade da instituição, os padres serão afastados temporariamente de suas funções.
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Teo piscou, sem entender.
Samuel franziu a testa.
— Afastados... temporariamente? — repetiu, a voz falhando.
O inspetor sequer os olhou nos olhos.
— Até que a Santa Sé e o Conselho de Assistência Social decidam o que fazer.
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Padre Buzzi sorriu novamente — um sorriso que dizia:
"Vocês nunca vão me tocar."
Padre Maurício, com sua máscara de santidade, murmurou agradecimentos aos céus.
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Teo sentiu a raiva queimá-lo por dentro.
Guto abraçou Samuel, tremendo.
Dona Clarice soltou um suspiro de derrota.
Ela sabia.
Sabia que estava lutando contra algo muito maior que sua coragem e sua voz.
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Naquela noite, o orfanato voltou ao seu silêncio opressor.
Buzzi e Maurício foram enviados "para retiros espirituais" — mas todos sabiam que era apenas um tempo até que a poeira baixasse e eles retornassem, talvez ainda mais perigosos.
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Samuel e Teo ficaram sentados no peitoril da janela do quarto, olhando o céu nublado.
Guto dormia entre eles, como um passarinho machucado.
Teo encostou a cabeça no ombro de Samuel.
— A gente tentou — murmurou, a voz falha.
— Ainda não acabou — respondeu Samuel, apertando sua mão. — Enquanto a gente estiver junto... eles não vão ganhar.
Teo fechou os olhos.
Ali, no meio de toda a escuridão, o calor da mão de Samuel era a única luz que restava.
E eles juraram silenciosamente, sem palavras:
Iriam sobreviver.
Juntos.
Custasse o que custasse.
Continua...