A rotaina da casa parecia a mesma. Júlia continuava com sua leveza natural, sempre educada, sempre no controle. Só que agora, cada detalhe que antes eu ignorava, virava munição pra alimentar minha obsessão. Ela de costas, lavando os cabelos na pia; ela abaixando pra pegar algo no armário; o som da toalha esfregando o corpo quando saía do banho. Tudo era um convite ao delírio.
Mas eu cumpri o que prometi a mim mesmo: nada de cantadas pesadas. Nada de investidas diretas. Ela era inteligente, esperta, casada. Se eu queria entrar na mente dela, tinha que fazer pelas beiradas. Curioso, observador, paciente.
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Num sábado de manhã, meu irmão tinha ido jogar bola com uns amigos. Fiquei na sala, fingindo que tava vendo TV. Júlia passou pela porta indo pra cozinha. Usava um short jeans velho, daqueles que já estavam desfiando nas bordas, e uma blusinha amarela presa por um nó na frente. A barriga dela à mostra parecia saída de revista. A pele morena, lisa, cheirosa até de longe.
— Vai querer café da manhã ou já comeu alguma coisa? — ela perguntou.
— Não comi nada ainda. Quer companhia?
Ela sorriu. Aquele sorriso simples que me desmontava. Não era sedutor — era natural. E isso me deixava ainda mais maluco.
— Pode vir. Vou fazer pão com ovo. Simples, mas resolve.
Sentei no balcão da cozinha, de frente pra ela, observando cada movimento. Ela mexia os ingredientes com uma naturalidade quase sensual. O jeito que batia os ovos, como mordia levemente o canto do lábio enquanto mexia a frigideira, como balançava o quadril sem perceber enquanto esperava o pão dourar.
— Você sempre cozinha assim… bonita? — soltei, como quem fala qualquer coisa, olhando pro fogão.
Ela soltou uma risadinha sem graça.
— Tô toda desarrumada.
— Mas é esse o charme, sabia?
Ela me olhou de lado, sem responder. Só continuou mexendo o café.
Pausa.
— Você observa demais, Lucas.
— É porque gosto de aprender. E você parece entender de tudo.
— Você ainda é novo. Vai aprender com o tempo.
— Você me assusta um pouco. Tipo… parece que sempre tá no controle. Isso mexe comigo.
Ela não respondeu. Só entregou o prato com o pão e sentou de frente pra mim, com uma xícara de café na mão.
Comemos em silêncio, mas o ar entre nós era qualquer coisa, menos calmo. Tinha um peso, uma tensão invisível. Como se os dois soubessem que algo tava crescendo ali, mas fingissem que não.
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Depois daquele dia, comecei a repetir o ritual. Acordava mais cedo, ficava pela casa quando sabia que ela estaria sozinha. Sempre com conversas casuais. Sempre puxando assunto com temas inofensivos: filmes, música, trabalho, coisas bobas.
E aos poucos, fui costurando uma relação diferente. Não era só o cunhado adolescente. Eu era um cara curioso, atento, que escutava o que ela dizia, que fazia perguntas que meu irmão provavelmente nunca fazia. E ela, mesmo sem admitir, tava começando a gostar disso.
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Uma noite, meu irmão chegou mais tarde do trabalho. Júlia e eu estávamos na varanda, cada um com um copo de chá na mão. O tempo tava fresco, e o céu limpo. Conversávamos sobre qualquer coisa, até que o assunto desviou pra relacionamentos.
— Você acha que as pessoas mudam muito depois que casam? — perguntei, fingindo inocência.
Ela olhou pro céu por alguns segundos antes de responder.
— Mudam. Às vezes pra melhor… às vezes não.
— E você? Mudou?
— Acho que sim. A gente aprende a ceder. A deixar de lado umas coisas. Outras a gente sente falta, mas… aprende a conviver.
— Tipo?
Ela me olhou de canto. Silêncio.
— Sei lá. Liberdade. Leveza. Aquela coisa de se sentir desejada o tempo todo. De ser surpreendida.
— Mas você ainda é desejada. Você sabe disso.
Ela ficou séria.
— Lucas…
— Não tô falando de mim. Tô falando de como você é… linda. É impossível passar despercebida. Até as amigas da minha mãe comentam de você.
Ela riu, desviando o olhar.
— Que bobagem…
— Não é bobagem. Eu só acho estranho que alguém como você precise “aprender a conviver” com falta de desejo.
Ela ficou pensativa. Mexeu no chá. Cruzou as pernas. Estava claramente afetada, mas sem saber como reagir. E eu, por dentro, vibrava. Era exatamente esse o ponto: deixá-la confusa. Tocar em assuntos que nenhum outro homem na vida dela tocava. Mostrar que eu enxergava o que outros ignoravam.
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Comecei a ocupar espaços. Se ela ia estender roupa, eu me oferecia pra ajudar. Se ia lavar o carro, eu ia junto. Se precisava ir ao mercado, me oferecia pra carregar as sacolas. Sempre solícito. Sempre presente. Sempre aquele olhar que observava em silêncio.
E quando ela saía do banho, com aquela toalha justa no corpo e o cabelo pingando, eu fingia estar distraído no corredor. Ela passava por mim sem dizer nada, mas os olhos denunciavam: ela sabia que eu reparava. E mesmo assim… não mudava o trajeto. Não evitava. Não se escondia.
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Uma tarde, ela tava limpando o quarto. Música baixa tocando. Estava ajoelhada perto da cama, organizando gavetas. Passei pela porta aberta e parei.
— Quer ajuda?
— Vai se sujar todo — respondeu, sem me olhar.
— Eu ajudo. Gosto de ver tudo arrumado.
Entrei e me abaixei perto dela. Ficamos organizando roupas juntos. Eu pegava peças e perguntava:
— Essa aqui é sua?
— É.
— Usa ainda?
— De vez em quando.
— Curioso como o cheiro das roupas de uma mulher diz muito sobre ela.
Ela me olhou, confusa.
— Como assim?
— Seu perfume. Dá pra sentir só de mexer nas gavetas. É meio doce… mas tem alguma coisa forte no fundo.
Ela mordeu o canto da boca, disfarçando. Pegou outra peça e mudou de assunto. Mas eu já sabia: o jogo tava funcionando. Não com agressividade. Não com pressa. Com atenção. Com presença.
E o desejo que me consumia só aumentava.
Ela podia resistir, podia tentar manter a postura. Mas quanto mais tempo passávamos juntos, mais ela se deixava levar. Mesmo sem perceber, já tinha dado mais espaço do que deveria.
E eu? Só observava. Me aproximava. Escutava. Aprendia.
Eu era o garoto de 18 anos. Virgem. Mas ninguém ali conhecia melhor aquela mulher do que eu.
Meu irmão recebeu a notícia numa terça-feira à noite. Um antigo chefe de obra ligou oferecendo um serviço emergencial numa cidade vizinha. Três semanas de trampo intenso, mas com grana boa. Ele não pensou duas vezes.
— Vou, ué. Três semanas passam voando.
Eu só balancei a cabeça, fingindo estar indiferente. Por dentro, meu coração disparava como se tivesse ganhado na loteria.
Júlia, por outro lado, não escondeu a reação:
— Vai ficar tanto tempo assim? — perguntou, com a voz meio travada.
— Melhor do que ficar parado aqui — ele disse, jogando as roupas dentro da mochila. — Você se vira com o Lucas aí. Ele te ajuda no que precisar.
Ela olhou pra mim com um sorriso de canto. Era um sorriso gentil, mas desconfortável. Como se aquela situação fosse o início de algo que ela não queria nomear.
No dia seguinte, ele partiu. E pela primeira vez, a casa era só nossa.
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Os primeiros dois dias foram normais. Júlia seguia sua rotina de mulher organizada, dividida entre o trabalho remoto e as tarefas da casa. Eu procurava estar sempre por perto, mas sem parecer grudado. Disfarçado. À espreita.
Na sexta-feira, ela resolveu dar uma geral na casa. Eu tava no quarto ouvindo música quando ela apareceu na porta com um shorts de lycra colado e um top esportivo.
— Ei, me ajuda a arrastar o sofá? Quero passar pano.
— Claro — respondi, me levantando na hora.
O cheiro de suor leve misturado com o perfume dela era hipnotizante. Me aproximei, peguei uma das pontas do sofá enquanto ela segurava a outra. Quando abaixou, o tecido do short esticou num nível que deixou todas as curvas da bunda perfeitamente visíveis.
Me controlei.
Arrastamos o sofá, ela começou a varrer, e eu me sentei na beirada do móvel.
— Cê sempre foi assim… organizada com tudo?
Ela parou, encostando a vassoura no canto, respirando ofegante.
— Sou meio chata, né?
— Não. É… bonito. Uma mulher que cuida das coisas. Que tem tudo no lugar. Gosto disso.
Ela me olhou com um ar mais demorado do que o normal. O rosto suado, as bochechas vermelhas. Não respondeu.
— Quer que eu limpe o chão enquanto você toma banho? — perguntei, encarando de leve.
— Se não for te atrapalhar…
— Nem um pouco. Vai lá. Você já fez a parte mais pesada.
Ela hesitou por um segundo. Depois pegou a toalha e foi.
A porta do banheiro fechou. A água começou a cair. E eu ali, com a vassoura na mão, sem limpar porra nenhuma, só tentando controlar a respiração. O som dela tomando banho me deixava zonzo.
Fiquei imaginando os pingos escorrendo por aquele corpo. O vapor subindo, o cheiro do sabonete. Minha mente viajou. Mas permaneci imóvel, fiel ao meu plano: zero investidas. Só presença. Só aproximação.
Quando ela saiu do banheiro, o cabelo ainda molhado, e a toalha justa enrolada no corpo, agradeceu de leve:
— Valeu, Lucas. Você tá salvando meu dia.
— Qualquer coisa, tô aqui.
Ela sorriu e entrou pro quarto.
Eu me deitei no sofá, com a mente fervendo. Tão perto… e ainda tão longe.
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No domingo, ela decidiu fazer lasanha. Sozinha em casa, resolveu se distrair. Fui pra cozinha de novo, como quem não quer nada.
— Vai aprontar sozinha aí?
— Sempre fiz, ué.
— Posso aprender?
Ela me olhou com uma sobrancelha levantada.
— Tá interessado em culinária agora?
— Tô interessado em você me ensinar.
Ela deu uma risada gostosa. Aquela que só sai quando a pessoa tá confortável.
— Tá bom. Vai lavando os tomates.
Passamos quase uma hora ali. Entre risos, cortes, molhos e cheiros. Em algum momento, ela derrubou farinha na blusa. Tentou limpar com a mão, mas só espalhou mais. Eu, com um pano, ofereci ajuda. Limpei devagar, sentindo a textura do tecido e a curva leve do peito sob a blusa.
Ela olhou pra mim. Olhar rápido, mas intenso.
— Tá parecendo meu marido quando a gente começou a namorar — disse, rindo sem jeito.
— Sério?
— Ele também era meio atrapalhado. E curioso. Fazia tudo pra ficar perto de mim.
— E deu certo, né?
— Deu.
Ela se afastou um pouco, virando de costas. Fiquei olhando aquela silhueta como quem olha um quadro. Era perfeito demais pra estar tão acessível.
E, no entanto, ali estávamos.
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À noite, sentamos no sofá pra ver um filme. Ela escolheu um drama romântico, daqueles cheios de tensão sexual e diálogos silenciosos. Fiquei observando suas reações mais do que o filme.
Em uma cena, o protagonista dizia:
“Às vezes, o que a gente deseja de verdade não pode ser dito em voz alta.”
Ela não reagiu. Mas mordeu o lábio de leve.
Fiquei calado. Mas aquilo ficou reverberando no ar como um aviso. Uma verdade.
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Na madrugada, acordei com sede. Saí do quarto e vi luz na cozinha. Era ela. De costas, com uma camiseta enorme, tomando água na garrafa.
— Também não conseguiu dormir? — perguntei, me aproximando.
Ela se virou devagar. Os olhos estavam cansados.
— Tô meio ansiosa. Sempre fico assim quando ele viaja. A casa fica… estranha.
— Estranha como?
— Silenciosa. Meio vazia. Como se algo estivesse fora do lugar.
— Talvez… só esteja se acostumando a um novo tipo de silêncio.
Ela ficou pensativa.
— Às vezes o silêncio é pior que qualquer barulho.
Ficamos ali, em pé, com os olhos grudados. A camiseta que ela usava era dele. Mas o corpo que preenchia era todo dela. E o jeito que ela segurava a garrafa, distraída, com os pés descalços e a pele nua sob a luz da cozinha… era como uma pintura sensual sem querer ser.
— Vou tentar dormir. Boa noite, Lucas.
— Boa noite, Júlia.
Ela saiu devagar, sem pressa. E eu, parado ali no meio da cozinha, soube: mais do que nunca, ela estava vulnerável. Não no sentido fraco. Mas no sentido íntimo. A armadura dela começava a trincar.
E eu seguia ali. Paciência. Presença. Desejo.
A cada dia, ela se aproximava. A cada dia, me deixava entrar um pouco mais — mesmo sem perceber.