Um Doce Propósito

Da série Putinho Vermelho
Um conto erótico de Tiago Campos
Categoria: Homossexual
Contém 1177 palavras
Data: 17/05/2025 22:56:04

Meu nome é Tiago, e eu carrego vinte e quatro anos nas costas, cada um deles pesando um pouco na balança da vida que me foi apresentada de um jeito, digamos, inesperado. Divido um teto modesto, mais um casulo de afeto do que uma moradia grandiosa, com minha avó de consideração, Dona Adelaide. Ela é a rocha firme, a única família que realmente conheci em toda a minha existência; meus pais, figuras ausentes e desconhecidas, me deixaram como um embrulho indesejado na frente do cemitério assim que abri os olhos para este mundo complicado. Essa história, embora não vivida, ecoa na minha alma, reforçando o valor inestimável que vovó representa para mim.

Nossa casinha, aninhada na beira silenciosa de um pequeno vilarejo, respira simplicidade. As paredes desgastadas pelo tempo e o telhado que, nas chuvas mais fortes, protesta com goteiras teimosas, guardam memórias e a inconfundível fragrância dos doces de minha vozinha. Aqui, todos se conhecem, seus vínculos afetivos, como as parreiras nos quintais, e os nomes, ou mais frequentemente os apelidos — como o meu — circulam com a mesma facilidade que os cumprimentos matinais. Viver na orla é estar perto, mas sempre um pouco à parte, observando o movimento sem estar totalmente imerso nele.

Distante do físico esguio que adorna as páginas das revistas ou os outdoors da cidade, sou de estatura mediana, um tanto rechonchudo, com uma vasta cabeleira escura que, frequentemente despenteada, emoldura um rosto que muitos consideram… comum. Meus olhos castanhos, no entanto, são a janela para o que se esconde dentro; profundos e um tanto tristes, eles refletem, como alguns observam com uma mistura de gentileza e curiosidade, uma alma irremediavelmente melancólica.

Sou, admito sem rodeios, sensível ao extremo e desajeitado de nascença. Minha língua enrosca ao tentar expressar o que sinto, assim como meus pés insistem em encontrar cada obstáculo no caminho, transformando o simples ato de andar em uma coreografia meio cômica, meio perigosa. Mas por trás dessa fachada um tanto inepta, pulsa um propósito inabalável, a força motriz que me impulsiona a cada manhã gelada ou tarde escaldante: garantir que Dona Adelaide, meu porto seguro e a luz dos meus dias, nunca sinta a falta de nada, que seus últimos anos sejam repletos de conforto, carinho e, claro, da doçura que ela mesma cria.

Para isso, visto a pele de vendedor ambulante, transformando minhas inseguranças em passos firmes pela estrada empoeirada. Carrego a cesta, pesada, mas cheia de orgulho, repleta dos doces divinos que somente as mãos mágicas e experientes de vovó sabem criar. São quindins dourados que brilham como sóis em miniatura, brigadeiros tão intensos que parecem concentrar toda a felicidade do mundo, cocadas que contam histórias de coqueirais distantes e cheiro de mar, e beijinhos que são pura ternura em forma de confeito.

A jornada diária até a cidade mais próxima, onde a vida pulsa com mais urgência, os rostos são mais apressados e os compradores, mais numerosos, exige uma caminhada constante de aproximadamente uma hora. Seja sob o sol inclemente que castiga a pele e faz o asfalto tremer, ou a chuva fina e persistente que encharca o caminho e o meu capuz, lá vou eu, com minha cesta a tiracolo e a esperança de um bom dia de vendas.

E é durante esse trajeto solitário, mas repleto de encontros fugazes, que sou invariavelmente saudado por sorrisos, acenos e, principalmente, pela alcunha que se agarrou a mim como as fitas coloridas aos meus braços: “Chapeuzinho Vermelho”. Este apelido carinhoso, ou talvez um pouco irônico, dependendo de quem o pronuncia, acompanha-me devido às roupas singulares que visto. São peças únicas, não encontradas em nenhuma loja, feitas de uma colcha de retalhos escarlates, vibrantes e desalinhados. Esses retalhos vêm de pedaços de vidas passadas, de panos que já foram cortinas, vestidos ou lençóis, transformados pelas mãos pacientes de minha avó em calças remendadas, camisas de mil tons de vermelho e até um gorro que, dependendo do ângulo, lembra de fato o famoso conto.

Naquela sexta-feira de sol implacável que castigava a terra, o calor parecia não somente derreter o asfalto esburacado da estrada, mas também cozinhar o ar à minha volta, tornando cada respiração um fardo quente e pesado. O horizonte tremeluzia com a miragem do calor, distorcendo a paisagem e fazendo a cidade distante parecer ainda mais inatingível. Meus pés, nos tênis gastos, latejavam contra a pedra, e o suor escorria em rios salgados pelo rosto, embaçando a visão e grudando a camisa nas costas. Foi nesse estado de exaustão e desconforto que a ideia de um atalho pela mata densa e verdejante que margeava o caminho principal deixou de ser uma simples opção e se tornou, subitamente, a única saída sensata, perigosamente sedutora.

Lembrei-me, rapidamente, das advertências constantes de minha vozinha. Sua voz, geralmente doce e trêmula, ganhava um tom de urgência e mistério sempre que mencionava a floresta. Ela falava sobre os perigos desconhecidos que se ocultavam entre as árvores centenárias, contos sobre sumiços e lendas locais que me faziam arrepiar os cabelos da nuca. Dona Adelaide sempre frisava, com os olhos arregalados por uma apreensão genuína, para eu nunca me aventurar por ali sozinho, que a mata era “sorrateira” e que não gostava de ser perturbada. Mas naquele momento, o desconforto físico, a promessa de sombra fresca e um trajeto aparentemente mais curto sussurravam no meu ouvido com uma força tentadora que vovó nunca previra.

Aquele dia, a prudência, moldada pelas histórias de minha querida avó, foi sufocada pela urgência do meu corpo e pela teimosia da minha mente. Decidi, deliberadamente e com um misto de medo e excitação, ignorar seu conselho, optando pela sombra convidativa e o atalho desconhecido.

À medida que adentrava a floresta, a mudança foi drástica e imediata. Era como cruzar um portal para outro mundo. O calor da estrada deu lugar a um frescor úmido e sombrio. A luz do sol forte se transformou em raios filtrados, criando um mosaico de sombras dançantes no chão coberto de folhas secas. O ar mudou, trocando o cheiro de asfalto quente e poeira pelo aroma de terra molhada, musgo e flores selvagens e inebriantes. A mata era opressivamente silenciosa. O barulho dos meus próprios passos, o farfalhar das folhas secas sob meus pés, era o único som que ousava quebrar o silêncio profundo, fazendo-o parecer ainda mais intenso. Cada sombra parecia mais espessa, mais escura, e a sensação de estar sendo observado rastejava pela minha espinha como um inseto gelado.

A imaginação fértil, alimentada pelas histórias de Dona Adelaide e pelo ambiente estranho, começou a trabalhar. E se houvesse cobras venenosas, peçonhentas e rápidas, à espera, camufladas entre as raízes e as folhas? Ou, pior, bandidos que se escondiam ali, à espreita, prontos para me roubar os doces que eu esperava vender na cidade e o pouco dinheiro amassado que eu guardava no bolso? O medo era um companheiro constante, palpável, enquanto eu avançava, lutando contra a vegetação rasteira e desviando de galhos baixos, mas a necessidade de chegar logo à cidade, de sair daquela mata densa e amedrontadora, me impelia para frente.

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Comentários

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Lindo. Uma verdadeira poesia. Combinação perfeita de palavras mostrando de forma clara uma situação.

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❤Qual­quer mulher aqui pode ser despida e vista sem rou­­­pas) Por favor, ava­­­lie ➤ Ilink.im/nudos

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??? LINDO COMEÇO MAS AINDA AQUI CURIOSO, NADA DE EXCEPCIONAL ACONTECEU.

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