Onde o Sol se Esconde (Caoítulo 6)
A tempestade rugia sobre o céu do sul como uma fera em fúria.
Relâmpagos riscavam o horizonte e trovões estremeciam as janelas quebradas do velho orfanato São Jerônimo.
Era a noite que antecedia a nova inspeção.
Samuel e Teo estavam deitados em suas camas — dois colchões finos separados apenas por um braço de distância — tentando dormir, mas o nervosismo era maior que o cansaço.
Foi então que a maçaneta da porta girou com um estalo seco.
Teo se ergueu na cama.
Samuel também.
A porta se abriu lentamente, revelando a figura larga e disforme de Padre Buzzi, iluminado por um lampejo de relâmpago.
— Venha, Teófilo — disse o padre, sua voz doce como veneno. — Preciso da sua ajuda no depósito.
Teo congelou.
Samuel levantou-se de um salto.
— Não! — gritou.
Antes que pudesse fazer qualquer coisa, Padre Maurício surgiu atrás de Buzzi, agarrando Samuel pelos ombros e o imobilizando com uma força brutal.
— Fique quieto, moleque insolente — rosnou Maurício.
Teo tentou resistir, mas Buzzi agarrou seu braço com força e o puxou para fora do quarto.
O corredor estava escuro e frio.
O cheiro de mofo e medo impregnava o ar.
Buzzi arrastou Teo até um dos cômodos antigos, a antiga sala de música, agora trancada e usada para "castigos".
Quando abriu a porta, um relâmpago iluminou a cena macabra:
Guto, o pequeno Guto, estava amarrado à cama, desacordado, seu rosto sujo de lágrimas secas.
O horror paralisou Teo por um instante.
E então, o milagre.
De repente, todas as luzes do orfanato se apagaram.
O gerador gemeu antes de morrer.
A tempestade rugia mais forte.
No escuro, o aperto de Buzzi afrouxou — um momento, apenas — mas foi o suficiente.
Teo mordeu o braço do padre com força, soltando-se, e correu até a cama onde Guto estava.
Com dedos trêmulos, desfez os nós, libertando o menino.
Guto era leve como um saco de penas.
Teo o colocou sobre os ombros e correu, guiado apenas pelos clarões dos relâmpagos.
**
No quarto, Samuel lutava contra Maurício.
A escuridão nivelava a luta.
Samuel, pequeno mas desesperado, conseguiu se soltar e correu pelo corredor, encontrando Teo que vinha na direção contrária, carregando Guto.
Sem dizer palavra, Samuel abriu caminho.
De volta ao seu quarto, trancaram a porta como puderam — empilhando móveis velhos — e deitaram Guto na cama de Samuel.
O menino abriu os olhos lentamente, confuso e assustado.
Teo acariciou seus cabelos suados.
— Tá tudo bem agora... a gente tá com você... — sussurrou.
**
Só mais tarde eles souberam:
Dona Clarice tinha desligado o gerador no porão.
Sabendo o que estava prestes a acontecer, ela arriscou tudo para ajudar.
Mas não era o fim.
Padre Buzzi e Padre Maurício estavam enfurecidos.
E agora sabiam que Samuel e Teo eram mais perigosos vivos do que mortos.
O silêncio da noite foi quebrado por um grito abafado em algum lugar do prédio.
Mais uma alma perdida na escuridão.
**
Teo e Samuel se olharam, as mãos entrelaçadas, Guto respirando devagar entre eles.
Sabiam que precisavam agir rápido.
Precisavam confiar em Irmã Helena.
Precisavam contar a verdade — antes que Buzzi e Maurício dessem um fim a eles também.
No fundo, sabiam que a tempestade lá fora era apenas um eco da tempestade que rugia dentro do orfanato.
Onde o sol parecia ter se escondido para sempre.
Continua...