Onde o Sol se Esconde (Capítulo 14)
A tempestade já havia cessado quando as primeiras viaturas chegaram ao orfanato.
Sirene cortando o silêncio da madrugada.
Focos de luz rasgando a escuridão dos corredores.
Os internos, encolhidos nos cantos, assustados e desconfiados, viram os homens de uniforme entrarem armados.
Entre eles, um sargento de rosto firme chamado Henrique Paiva.
Henrique não era como os outros policiais da cidade pequena, acostumados a olhar para o outro lado quando a batina falava mais alto.
Ele tinha algo nos olhos — uma fúria silenciosa, uma sede de justiça que vinha de muito antes daquela madrugada.
E havia outro detalhe importante:
Henrique era irmão de Fernando Paiva, um dos jornalistas investigativos mais temidos do país.
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Quando os padres tentaram falar, explicar, justificar, Henrique apenas levantou a mão:
— Quietos.
— Hoje, quem fala são eles — disse, apontando para os internos.
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Um a um, os meninos — alguns tremendo, outros em prantos — começaram a contar.
Contaram sobre os castigos.
Sobre as humilhações.
Sobre os abusos.
Guto, ainda com marcas roxas pelo corpo, contou sobre as noites trancado com Buzzi.
Outros relataram o que sofreram com Maurício.
Até meninos que nunca haviam falado antes encontraram voz naquela noite.
A dor virou grito.
A vergonha virou denúncia.
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Henrique gravou tudo.
Tirou fotos das feridas.
Anotou cada nome, cada acusação.
E naquela mesma manhã, sem consultar seus superiores locais (muitos deles amigos da igreja), mandou o material diretamente para seu irmão, Fernando, no grande jornal de Porto Alegre.
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Em questão de horas, a história explodiu.
Primeiro nos rádios locais.
Depois nos jornais regionais.
E em menos de dois dias, estava nas capas dos principais jornais do país:
"INFERNO NO ORFANATO: ABUSOS E TORTURAS EM INSTITUIÇÃO CATÓLICA."
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A igreja tentou agir.
Tentou pressionar.
Tentou abafar.
Mas era tarde.
A coragem dos meninos, o sangue dos inocentes, as provas coletadas — nada mais podia ser escondido.
A opinião pública se levantou como uma onda furiosa.
E, pela primeira vez em décadas, padres antes protegidos pela batina foram algemados diante das câmeras.
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Padre Buzzi, Padre Maurício e outros dois funcionários foram presos preventivamente.
Acusados formalmente de:
- abuso sexual de menores,
- maus-tratos,
- cárcere privado,
- tortura física e psicológica.
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Na casa segura nas montanhas, Teo, Samuel e Guto ouviram tudo pelo rádio antigo da sala.
Quando a notícia anunciou que os padres estavam presos, Samuel segurou a mão de Teo com força.
Guto sorriu tímido, ainda com os olhos cheios de medo, mas pela primeira vez com uma fagulha de alívio.
Pedro, com os braços enfaixados e o rosto cheio de hematomas, deu um leve sorriso de vitória.
— Vocês venceram — disse. — Vocês sobreviveram. E agora o mundo todo sabe.
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Teo encostou a cabeça no ombro de Samuel.
Sentiu o calor dele.
O cheiro dele.
O amor dele.
E, pela primeira vez, acreditou que talvez — só talvez — eles tivessem um futuro.
Não seria fácil.
O medo não sumiria de uma hora para outra.
As cicatrizes ficariam para sempre.
Mas agora, ao menos, eles podiam sonhar.
E dessa vez, ninguém poderia arrancar isso deles.
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A tempestade tinha passado.
Mas a luta por um novo começo apenas começava.
Teo e Samuel sabiam disso.
E estavam prontos.
Juntos.
Sempre.