O SABOR DE UMA DOCE VINGANÇA ! Cap.9 Segunda Temporada

Um conto erótico de Alex Lima Silva
Categoria: Gay
Contém 2820 palavras
Data: 24/05/2025 20:48:07

— Eu matei alguém.

As palavras saíram da minha boca mais fáceis do que imaginei. Diretas, secas. Não precisei ensaiar — só disse. Elas pairaram no ar da sala como se não pesassem nada, mas eu sabia o quanto pesavam. Vi os dois congelarem. Estavam no sofá do nosso apartamento, me olhando como se não me reconhecessem.

Eu me mantive em pé, imóvel, com o rosto limpo, mas com os olhos carregados. Não sabia exatamente do quê — cansaço, culpa, raiva? Ou talvez o contrário: uma ausência total de culpa.

— E não me arrependo — completei, sabendo que aquilo soaria como um tapa.

O silêncio que veio depois quase me sufocou. Por dentro, um furacão. Por fora, frieza. Vi nos olhos deles a dúvida: será que eu estava falando sério? Será que era metáfora? Surto? Mas eu não estava em crise. Era só... eu. Eu do jeito que as coisas me moldaram a ser.

— Pedro… Quem? — ouvi a voz de um deles, trêmula. Acho que foi Pietro!

Desviei o olhar. As mãos foram direto pros bolsos, instintivamente. Caminhei até a janela, olhei a rua lá embaixo. Lá fora tudo parecia normal. Aqui dentro, não. Virei de volta e respondi com uma voz baixa, quase num murmúrio:

— Isso não importa agora.

— Como assim não importa? Claro que importa, caralho! Você chega aqui, solta isso e age como se fosse a coisa mais normal do mundo!

Ele estava certo. Mas eu não tinha ido até ali pra justificar nada.

— Eu não vim aqui pra confessar. Só achei que vocês deviam saber. Pelo menos isso.

Bernardo ainda estava calado. Só observava, braços cruzados, testa franzida. Ele processava as coisas mais devagar, mas com profundidade.

Senti um incômodo. Olhei pros meus braços, percebi que ainda tinha terra, um pouco de sangue na barra da calça. Não muito. Mas era o suficiente pra lembrar.

— Preciso tomar um banho. Não posso aparecer no hospital assim. Nem ir pra casa.

— Hospital? — Pietro perguntou, confuso.

— O Arthur foi baleado. Vou vê-lo. Aposto que vocês já viram nos noticiários. Eles assentiram, e eu deixei por isso mesmo.

Podia sentir o que queriam perguntar — quem, por quê, como — mas não iam conseguir arrancar de mim agora. Havia uma parede entre o que eu era e o que eles sabiam sobre mim.

— Vou tomar banho aqui, tá? — tirei os sapatos e fui em direção ao banheiro. No meio do caminho, parei. — Tem uma roupa que eu possa usar?

Pietro assentiu e foi até o quarto. Quando voltou, me entregou uma calça jeans escura e uma camisa preta. Roupa neutra. Roupa de alguém que não quer ser notado. Peguei sem dizer nada, mas olhei nos olhos dele por um segundo. Quis agradecer, mas não achei as palavras. Entrei e fechei a porta.

A água do chuveiro começou a cair. Fiquei ali por um tempo, deixando ela escorrer pelo corpo como se pudesse limpar mais do que sujeira. Mas sabia que não ia limpar nada do que realmente importava.

Quando saí, vesti a roupa que ele me deu. O cabelo ainda pingava, grudando nos olhos. Me sentia limpo por fora, mas por dentro... talvez mais sujo.

Voltei pra sala. Eles ainda estavam lá. Silêncio. Os dois pareciam parte de uma cena congelada.

— Logo logo eu vou dizer qual trabalho preciso que vocês façam pra mim — falei com firmeza. — Vai ser só um. Depois disso, vocês estão livres. Podem fazer o que quiserem da vida de vocês.

Nenhuma palavra de volta. Só olhares.

Abri a porta. Saí. Ouvi ela se fechando atrás de mim — devagar, pesada. Mas, por dentro, tive a sensação de que ela ficou entreaberta. Como se alguma parte minha ainda estivesse ali, presaO hospital tinha aquele cheiro frio de vida suspensa — álcool, medo e silêncio. Entrei com o peito apertado, as mãos suadas, o coração pesando como se carregasse chumbo. Eu sabia que não ia ser fácil. Nada nunca foi, pra mim.

Fui direto até a recepção, tentando não parecer tão destruído por fora quanto me sentia por dentro. A mulher atrás do balcão me olhou sem pressa, com aquele olhar de quem já viu gente demais implorar por notícias ruins.

— Nome do paciente? — ela perguntou, digitando algo no computador.

— Arthur Costa — respondi, seco.

Ela digitou por alguns segundos, e cada clique do teclado parecia um prego sendo batido dentro da minha cabeça. Quando levantou os olhos, já veio com o golpe:

— Parente de primeiro grau?

Travei a mandíbula.

— Não. Sou amigo. Próximo. Muito próximo.

Ela suspirou.

— Senhor, infelizmente só estão autorizando a entrada de familiares diretos. O estado dele é delicado. Foi o que nos passaram até agora. Só pais, irmãos ou companheiros registrados podem entrar.

Companheiros registrados. Aquelas palavras bateram como um tapa. Como se tudo o que Arthur e eu já vivemos — escondido, calado, disfarçado — não valesse nada. Como se o que eu sentia por ele não fosse suficiente pra me dar o direito de vê-lo entre a vida e a morte.

— Olha, eu tava lá quando aconteceu. Eu vi. Ele foi baleado... Eu ajudei ele. Eu trouxe ele até aqui...praticamente! Por favor…

— Eu entendo — ela disse, embora eu soubesse que não entendia nada. — Mas são as regras. Me desculpe.

Ela não parecia cruel. Só... distante. Um tipo de barreira que eu não conseguia atravessar. Respirei fundo. Não adiantava insistir. Dei meia-volta e saí com a garganta travada.

O sol me atingiu de cheio do lado de fora, como se o mundo estivesse debochando da minha dor. Comecei a andar. Primeiro sem destino. Depois com clareza. Eu sabia onde precisava ir, mesmo que doesse.

A sorveteria.

Ou o que sobrou dela.

Parei na calçada oposta. O lugar onde eu construí meus dias, agora era só entulho, carvão, cacos de vidro. Cinzas. Um monte de lembranças queimadas.

Fiquei ali parado, sem saber se chorava, gritava ou apenas aceitava.

Foi quando ouvi passos atrás de mim.

Me virei. Era Mateus.

Ele me encarava com aquele olhar difícil de ler. Um misto de raiva, confusão e... decepção.

— Você não devia ter matado o Wellington — ele disse, direto.

Meu peito se apertou, mas eu não desviei o olhar.

— Eu me defendi — respondi. — Ele achava que a gente tinha um caso. Que você tava me ajudando demais, protegendo demais. Ficou paranoico.

Mateus abaixou os olhos por um instante. O silêncio entre nós ficou tão denso quanto a fumaça que ainda parecia pairar sobre as ruínas.

— Ele me ameaçou — continuei. — Ele tava com uma arma, Mateus. Se eu não tivesse reagido, era eu quem tava no hospital. Ou no caixão.

Ele não disse nada. Só olhava em volta, para os restos do que um dia foi um lugar cheio de vida, risos e planos.

— Eu vou reconstruir tudo — falei, com firmeza. — Melhor do que antes. A sorveteria vai voltar. Vai se reerguer das cinzas, como eu sempre fiz. Mas agora...

Parei por um segundo, respirando fundo.

— Agora eu preciso ir pra delegacia. Fui chamado. Vão me ouvir, vão investigar, vão querer entender tudo. E aí vem a parte que eu mais odeio: a burocracia. Os olhares. As perguntas enviesadas. As dúvidas sobre quem eu sou e o que eu fiz.

Antes que eu me afastasse de vez, senti a mão de Mateus tocar levemente meu braço. Me virei devagar, e ele parecia diferente. Menos duro. O olhar carregava algo que eu não conseguia decifrar direito — talvez mágoa, talvez só cansaço.

— Pedro… — ele disse, com a voz mais baixa — o Wellington… ele já tava sendo engolido pelas próprias paranóias há um tempo.

Fiquei em silêncio, esperando ele continuar.

— Ele achava que todo mundo tava contra ele. Que eu tava te ajudando demais, que você queria me tirar dele, que eu tava escondendo coisa. Eu tentava explicar, juro que tentava… Mas ele era… muito ciumento. Doentio, às vezes. Tinha dias que parecia que ele não era mais ele.

Mateus passou a mão no rosto, como se afastasse algo que não conseguia esquecer.

— Eu fiquei tentando segurar, manter ele de pé, achar que dava pra consertar. Mas ele só afundava mais. E eu... eu não tive coragem de largar. Talvez por medo. Ou pena. Sei lá.

Eu só ouvi. Mesmo não acreditando fielmente nele!

— A família dele já estão resolvendo os trâmites pra levar o corpo — ele continuou. — São de outra cidade. Vão levar o corpo pra lá. Não vai ter velório aqui. Nem sepultamento.

Eu senti um nó na garganta. Não por ele. Mas por tudo o que ficou pendurado no ar, sem explicação, sem chance de refazer, sem tempo de consertar.

— A gente nunca espera que vá acabar assim, né? — ele disse, olhando pro chão. — Com sangue, com fogo, com perda. Só queria que as coisas tivessem sido diferentes.

— Eu também — respondi, com um fio de voz. — Mas agora... só resta seguir.

Ele assentiu. E, naquele momento, mesmo sem palavras bonitas, sem perdão declarado, sem promessas, eu soube que alguma parte dele compreendia. Nem tudo era ódio. Nem tudo era culpa.

Olhei para o céu, sem nuvens, e desejei que uma delas explodisse em chuva. Só pra me dar o direito de sentir alívio por fora, já que por dentro era só tempestade.

— Mais uma vez, meu advogado vai ter que me defender, imagino que a família do Wellington vai vir com aquele papo de querer justiça! — disse, meio pra mim, meio pra ele. — Já perdi a conta de quantas vezes precisei me justificar por sobreviver.

Olhei Mateus nos olhos uma última vez e então comecei a andar. As cinzas ficaram pra trás. A delegacia me esperava. E eu, mais uma vez, ia enfrentar o mundo de cabeça erguida. Mesmo cansado. Mesmo sozinho. Mesmo machucado.

Porque eu era Pedro. E sobreviver... sempre foi o que eu soube fazer melhorCheguei no meu apartamento e fechei a porta devagar, como se qualquer barulho mais alto pudesse me quebrar ainda mais por dentro. Encostei as costas na madeira e respirei fundo. O cheiro de casa limpa ainda estava ali, mas parecia estranho. Tudo parecia fora do lugar, mesmo que tudo estivesse onde sempre esteve.

Fui andando devagar até o sofá. Sentei. A cabeça latejava, o corpo pesava. Mas, mesmo com o cansaço me arrastando pra baixo, havia uma coisa que me fazia não desmoronar de vez.

Graças a Deus eu tinha colocado aquelas câmeras modernas na sorveteria.

Lembro de quando mandei instalar — “vai que um dia precisa”, pensei. Era mais por precaução, por segurança com o dinheiro, e com possíveis furtos, depois daquele assalto que sofri ! Nunca imaginei que serviriam pra isso. Nunca pensei que iam gravar uma cena que, apesar de me salvar, ainda assim me condenava aos olhos dos outros.

As câmeras agora... viraram pó. O fogo fez questão de não deixar nada inteiro. Mas o que ninguém sabia — ou pelo menos a maioria não — era que tudo estava salvo na nuvem.

Tudo.

Wellington entrando transtornado, quebrando coisas, gritando, me ameaçando. O momento em que ele atira em Arthur! O momento em que eu reagi. A queda. O sangue.

Tudo.

Reviver aquilo doeu. Eu assisti o vídeo no caminho pra casa, dentro do carro, com o celular tremendo na minha mão. Vi meu rosto na gravação, pálido, acuado, desesperado. Vi Wellington como nunca quis ver. Descontrolado. Fora de si.

Era legítima defesa. As imagens deixavam isso claro. Não havia o que discutir.

Meu advogado, que já tinha me tirado de encrenca antes, agora teria um trabalho bem mais fácil. Ele só ia precisar apresentar as provas certas, garantir que tudo estivesse nos autos, e me manter em silêncio quando fosse necessário. O resto era esperar o processo seguir. Esperar o sistema funcionar.

Suspirei, olhando pro teto.

Mas mesmo com toda essa confusão... teve uma coisa que não me saiu da cabeça desde que saí do hospital.

Arthur.

Será que ele teve alguma melhora?

Será que já acordou? Sentiu dor? Tá sedado?

A recepcionista foi firme em dizer que eu não podia entrar por não ser da família, e ainda por cima soltou aquela frase seca, como quem queria encerrar o assunto: “o estado dele é delicado.”

E isso ficou martelando na minha cabeça o tempo todo. Delicado.

A palavra soava pior a cada vez que eu repetia mentalmente. Mas nem tinha como eu saber de verdade. Eu não era da família. Não tinha direito a boletim, a visita, a nada. Só podia esperar e torcer. Como um estranho. Como se eu não me importasse, quando, na verdade... me importava demais.

Levantei devagar e fui até o quarto. Tirei a camisa, encarei meu reflexo no espelho. Olhos fundos, barba por fazer, um corte pequeno no braço que eu nem lembrava de ter levado. Tinha sangue seco ali. Não sei se meu ou dele.

Fechei os olhos.

Como é estranho pensar que é a tecnologia que vai me livrar da cadeia. Não a verdade. Não a justiça cega. Mas um servidor em algum lugar do mundo, guardando um vídeo que prova que eu lutei pra sobreviver.

Amanhã vai ser mais um dia cheio de perguntas. Vou ter que repetir a mesma história mais dez, vinte vezes. Na delegacia, com o delegado, com o promotor, talvez com repórteres na porta. Mas agora... pelo menos agora, eu tinha algo concreto. Algo que me defendia.

Liguei o ar e me joguei na cama.

Hoje, dormir não vai ser fácil.

Mas pelo menos, dessa vez, eu não tô indefeso.

E mesmo que eu quisesse fingir que não me importo… eu vou continuar me perguntando até a hora em que alguém finalmente me diga:

Arthur ainda tá vivo?

O celular vibrou com insistência em cima da meu criado mudo. Eu ainda estava deitado, encarando o teto, quando vi o nome acender na tela: Flávio.

Respirei fundo antes de atender.

— Alô?

— Pedro! Graças a Deus você atendeu, cara!— a voz dele veio desesperada, trêmula. — Eu vi tudo pela televisão, pela internet... a sorveteria, o incêndio, a polícia... Meu Deus, eu tentei falar com você o dia inteiro! Você tá bem? Fala comigo!

Fechei os olhos por um momento. A preocupação dele me pegou de jeito.

— Tô aqui, Flávio. Tô bem, tô vivo... machucado por dentro, mas inteiro. Eu não atendi antes porque eu precisava resolver umas coisas, ir até a delegacia, me organizar. Foi muita coisa junta, você entende?

— Cara, claro que entendo! Mas foi um choque... ver aquilo na TV, saber que era você.. — ele parou um instante, respirando fundo — E o Wellington? É verdade mesmo?

— É. Ele morreu. — minha voz saiu mais baixa do que eu imaginava. — Mas escuta, Flávio... eu só me defendi. Ele invadiu a sorveteria transtornado, armado com uma faca, me ameaçou, quebrou tudo. Eu reagi porque era eu ou ele.

Houve um silêncio do outro lado da linha.

— E eu provei isso. As câmeras da sorveteria gravaram tudo. Mesmo queimadas agora, as imagens estavam salvas na nuvem. Entreguei pra polícia, mostrei tudo. Já tá nos autos. Não foi crime, foi legítima defesa.

— Meu Deus, cara... que loucura.— a voz dele estava embargada. — Eu tô aliviado por saber que você tá bem, mas... também tô muito triste por tudo isso. É pesado demais.

— É. Foi. Ainda é. Mas eu vou reconstruir tudo. A sorveteria era mais que um negócio pra mim. Era parte da minha história. E eu não vou deixar isso morrer assim.

Depois de desligar com Flávio, peguei o celular de novo. Abri o WhatsApp e cliquei na conversa com Camila, minha funcionária!

Gravei um áudio tentando soar mais calmo do que realmente estava:

— Oi, Camila. Sei que você deve ter visto o que aconteceu... foi um caos, eu sei. Mas fica tranquila, tá? Já entreguei os vídeos da câmera pra polícia, já provaram que eu só me defendi. Tudo vai se resolver com o tempo. E quanto à sorveteria... eu vou reconstruir. Do zero, se for preciso. A gente vai voltar mais forte. Eu prometo. Fica bem.

Enviei e fiquei olhando a telinha por alguns segundos, vendo os dois tracinhos azuis aparecerem quase imediatamente. Ela tava online. Mas não respondeu de imediato. E tudo bem. Cada um digere o susto de um jeito.

Por fim, abri a conversa com a Sofia. Só de ver a foto de perfil dela já me deu um aperto no peito. Ela era minha melhor amiga. Sabia de vários pedaços da minha vida, de alguns traumas, das vitórias. Se preocupava comigo como uma irmã.

Escrevi devagar:

— Oi, Sofia. Fica despreocupada, por favor. Tô bem. Tô em casa. O pior já passou, eu juro. Amanhã te ligo com calma pra gente conversar direito. Agora eu só preciso descansar um pouco e botar a cabeça no lugar. Te amo, amiga. Obrigado por tudo, sempre.

Apertei “enviar” e larguei o celular de novo na cômoda. O quarto estava silencioso, só o zumbido baixinho vinha do ar.

Mas dentro de mim, tudo ainda era barulho. Cenas, vozes, lembranças. Mas, pela primeira vez desde que tudo aconteceu, eu sentia uma fagulha de esperança.

Eu ia reconstruir tudo.

E, mais do que isso... eu ia continuar vivo.

Continua...

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Comentários

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achei esse capítulo confuso, deu a entender qie o Mateus sabe quem é o Pedro, o Pedro não confrontou o Mateus pelos vídeos e fotos no banho, além do Mateus colocar o Wellington como paranoico, sendo que ele traia o Wellington.

Fiquei me sentindo perdido nesse capítulo!

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