Narrado por Gabriel
A sacristia era um caos — tábuas tortas amontoadas nos cantos, o cheiro de tinta fresca misturado à poeira pesando no ar — e eu, encostado na parede, sentia o domingo cair como chumbo nos ombros. Os últimos dias tinham sido estranhos. O padre andava diferente, sempre tenso, os olhos perdidos em algum lugar longe, como se carregasse um segredo que não ousava dividir. Ainda tentava sorrir pra mim, mas era um gesto curto, forçado, que não aquecia nada, que não chegava onde doía. Desde aquela manhã não rolava mais nada — o fogo que consumiu tudo, a língua dele lambendo meu cu, a boca quente me engolindo inteiro, a gozada molhando os lençóis — tudo parecia memória distante. E a saudade daquele macho que me dominava, que fazia meu corpo se render sem luta, roía por dentro. Queria encostar, sentir o peso, chupar até ver ele desabar, mas tava fechado, trancado num silêncio que não me deixava entrar. E isso doía. Um vazio que não dava trégua.
O sol atravessava as janelas abertas, luz cortando o chão em tiras quentes, e eu ali, pensando nele. Na mentira da nave. Na voz falha quando falou do tal viajante. No jeito que os olhos fugiram dos meus. Quem era aquele homem? Por que tanto medo? Não sou burro — dava pra sentir o que ele escondia, mesmo sem dizer. Mas também dava pra ver que me queria. Aqueles sorrisos tortos, por mais fracos que fossem, vinham pra mim. E era isso que me prendia. Me fazia ficar, mesmo com a cabeça fervendo de dúvida. O pau reagia sozinho, duro na calça, traindo o resto do corpo só de lembrar da boca quente dele, do gemido abafado quando gozei nos pés dele. Respirei fundo, tentando me conter. Era a sacristia. Lugar sagrado. Mas com ele na cabeça, qualquer canto virava cama.
A porta rangeu, e ele entrou. O padre. Meu macho. O coração travou, o ar sumiu do peito. Calça preta justa nas coxas firmes, camisa meio aberta revelando o peito brilhando numa camada fina de suor — os pelos escuros aparecendo como convite. Os olhos, aqueles olhos, me encontraram de novo. Sempre achavam. Como se enxergassem tudo que tento esconder. Lindo. A pele morena quente, a barba rala sombreando o maxilar, o cabelo bagunçado caindo sobre a testa, pedindo pra ser puxado, lambido, mordido. Vontade de ajoelhar e engolir ele inteiro, até não sobrar nada. Caminhava com aquela calma firme, o peso nos ombros pendurado como cruz, e só isso bastava pro pau endurecer na calça. O tesão subiu como febre. Mordi o lábio, tentando não avançar. Tentando não perder o controle ali mesmo.
— Gabriel, tranca as portas — disse com aquela voz grave, firme, mas tinha algo ali por trás. Um fio de tremor. Um medo que não dizia. — E as janelas também. Preciso me preparar.
Cruzou a sacristia com o corpo desenhado na camisa, as mangas dobradas revelando os braços fortes. Obedeci sem hesitar. O trinco da porta soou alto no silêncio, e as janelas rangiam enquanto eu as fechava, o vidro empoeirado quebrando a luz do dia. Mas o que cortava mesmo era a presença dele. O modo como se movia, como falava — não era só preparação pra missa. Queria estar a sós comigo, dava pra ver no olhar que pesava, na voz que baixava sempre que dizia meu nome. Mas havia algo além. Uma sombra nos olhos. Como se soubesse que alguém rondava... e não era um fiel qualquer.
O quarto dele seguia em reforma, o templo quase pronto, então a sacristia era o único canto pra se trocar, se preparar. Mas não era só isso. Nunca era só a missa. Havia algo preso nele, dividido entre o impulso de me tocar e o medo que segurava. Uma vontade que pedia pra me puxar pra perto, mas um peso maior que eu, mais denso que o desejo. E isso me queimava por dentro. Me fazia querer mais, querer arrancar à força o que ele escondia no fundo dos olhos.
Voltei, os pés descalços roçando o chão frio, e lá estava ele, ao lado da mesa torta, nu, a batina dobrada repousando ao lado como um símbolo de tudo que a gente escondia. O peito apertou. A visão dele era devastadora. Um macho moldado na penumbra — o corpo firme, a pele brilhando sob uma fina camada de suor, os pelos escuros cobrindo o peito, descendo numa trilha espessa até a vara, pendurado, mole, emoldurado por um ninho de pelos que me fazia lamber os lábios.
As coxas, fortes, riscadas de músculo, se alinhavam à curva do quadril, bem marcada. A bunda firme aparecia de lado, insinuando o que já era meu. E aqueles olhos — negros, profundos — me cravavam como pregos, como se sondassem cada fresta da alma.
Não ia deixar aquele domingo escorrer por entre os dedos sem marcar ele de novo, sem lembrar a esse padre que, com mentira ou sem, com viajante ou não, eu era dele.
— Vem cá, me ajuda com as vestes — pediu, a voz grave, quase um sussurro. Fui. O corpo em brasa, o pau acordando na calça, cada passo deixando o ar mais denso, elétrico.
Ele estendeu a batina, o tecido negro reluzindo sob a luz fraca, e me aproximei com a cabeça baixa — submisso no gesto, faminto no olhar.
Segurei o pano com as mãos tremendo de leve. Levantei, passando o tecido pelo tronco quente. Rocei no peito coberto de pelos, senti o calor da pele irradiar, o cheiro de suor misturado a algo mais — algo dele, algo que fazia o mundo sumir.
— Assim... — murmurou, esticando os braços. Passei a batina devagar, os dedos roçando os ombros, traçando a curva firme do braço. O tecido deslizava macio, mas com peso — como se carregasse um segredo entre nós. Ele me olhava, os olhos escuros cravados nos meus, percebendo cada detalhe: o lábio mordido, o toque que demorava mais do que devia, a fome contida no gesto. O coração batia forte, a ansiedade vibrava no ar, e ele sabia — sabia que eu o seduzia em silêncio, implorando sem uma palavra.
Ajustei a batina sobre o peito dele, os dedos alisando o tecido devagar, descendo pelo corpo, sentindo os músculos vivos sob a palma, o calor dele se misturando ao meu. Por um instante, ele hesitou — a respiração travou, o corpo tenso, como se lutasse contra algo, como se quisesse recuar... mas não conseguia.
— Gabriel… — a voz falhou no começo, mas não recuei. O olhar, ainda submisso, queimava, e ele cedeu. O corpo relaxou, os olhos ardiam com algo entre o desejo e a rendição. A batina caiu, cobrindo-o devagar, mas estávamos tão próximos, o calor entre nós tão vivo, que o resto do mundo desapareceu — só ele, só eu, só o que viria depois.
Sem pensar, ajoelhei. O chão gelado mordia os joelhos, e me enfiei sob a batina — o escuro me engolindo, abafado, denso, o cheiro dele forte, cru, puro macho, me acertando como porrada. O pau, ainda mole, pendia pesado, e aquilo me atiçava, despertava um desejo de provocá-lo, de fazê-lo gemer, de provar que era meu. Toquei de leve, a pele quente, macia, e abocanhei, a língua envolvendo a cabeça, lenta, faminta, sentindo o volume crescer, pulsar contra a boca. O gemido dele veio abafado, grave, cortando o silêncio debaixo do pano. O calor era sufocante, o suor impregnando o ar, o tecido da batina roçando minha testa enquanto eu chupava sem freio, a saliva escorrendo pelos pelos, a garganta se apertando mais a cada estocada. Duro, inchado, o pau enchia minha boca como promessa, como sentença.
Gemidos roucos escapavam, as coxas dele tremendo sob meus dedos. A boca engolia com vontade, a língua girando firme, traçando a veia grossa, o gosto salgado explodindo, arrastando tudo pra dentro. A batina pesava, sufocava, mas o ritmo não parava — o pau duro, inchado, pulsava pesado na língua. A saliva escorria espessa, ensopava os pelos da coxa, pingava no chão frio da sacristia. Os gemidos abafados pelo pano ainda vibravam no peito, faziam tremer. A língua traçava a cabeça, lambia o fio quente e viscoso que escorria constante. A garganta apertava, a cabeça forçava mais fundo, sentindo cada centímetro roçar até arrancar um tremor do corpo que cedia, rendido, arrepiado. Queria aquilo até o fim — cada estremecer, cada pulsar. Queria ser o motivo do gozo, da entrega, da queda.
— Porra, Gabriel... — a voz saiu falha, abafada, e senti o corpo dele ceder, o pau latejando, a cabeça quente inchando na boca. Tava perto, eu sabia. Chupei com mais fome, a língua girando em círculos, a mão firme na base, subindo e descendo com precisão. Ele gozou forte, brutal, a porra jorrando quente na garganta, densa, salgada, invadindo tudo. Engoli sem pensar, sem freio, saboreando o gosto do homem, marcando minha boca com o peso dele. O gemido veio grave, rasgado, o corpo tremendo enquanto batia a mão na mesa torta, o som abafado ecoando entre os bancos da sacristia.
Saí debaixo da batina com o rosto em brasa, o suor escorrendo, e o ar frio da sacristia arrepiando a pele como um choque de realidade. Encontrei ele ali — relaxado, a cara vermelha, os olhos faiscando, o peito arfando como todo macho que se alivia fundo, com gosto, dentro de outro. O olhar dele me pegou, um sorriso torto nos lábios, e veio com as mãos firmes no meu rosto, quentes, seguras, puxando sem delicadeza. A boca colou na minha, urgente, a barba roçando minha pele lisa, e gemi alto, abafado na garganta dele. A língua entrou quente, molhada, o gosto da porra ainda entre os dentes, compartilhado, vivo, pulsando entre nós. O beijo era domínio, fome, entrega — gemidos nossos misturados, a respiração rasgando, e o corpo dele me envolvendo num calor que eu não queria soltar. Mesmo com a missa batendo na porta, mesmo com o mundo esperando, tudo que importava era ele ali, comigo, agora.
Parou ofegante, a testa encostada na minha, o hálito queimando entre nós, e os dedos vieram no meu cabelo, deslizando devagar — um afago firme, como quem segura, como quem marca território.
— Vamos, termina de arrumar. — murmurou, a voz baixa, arrastada, ainda pesada de gozo. Obedeci sem palavra, o corpo quente, o pau latejando sob a calça enquanto ajeitava a batina sobre ele, o tecido negro caindo com precisão, escondendo o que fizemos, mas sem apagar o incêndio que deixava nas veias. Pegou o cíngulo, passou pela cintura, e ajudei, as mãos trêmulas, sentindo o cheiro dele ainda grudado em mim, o gosto, a marca. — Abre as portas e as janelas, por favor. — pediu com suavidade, mas o timbre carregava aquele peso que só ele sabia dar. Sabia que o mundo voltava agora, que a sacristia não segurava a gente pra sempre.
Levantei, calcei meus sapatos e fui. O trinco da porta rangeu, as janelas abriram com um gemido de madeira, deixando o ar fresco entrar, cortando o calor que ainda queimava no rosto, no peito. Atrás de mim, ele ajeitava algo na mesa, e lancei um olhar rápido — ali estava, tão homem, tão meu, mesmo de batina, mesmo com o altar esperando. O pátio pulsava. O sol do meio-dia estourava sobre a terra batida, os andaimes projetando sombras tortas, e me posicionei na entrada, o eco das janelas abertas ainda vibrando na memória. Os fiéis chegavam aos poucos: velhos com terços entre os dedos, mulheres de véu murmurando orações, crianças correndo entre as pernas apressadas. Observava tudo com o peito apertado, o gosto dele ainda na boca, o beijo grudado, o sal da porra secando na pele. Cumpri a ordem, mas algo em mim fervia, os olhos varriam rostos, procurando sem saber o quê. Até que vi. Um homem parado no canto, diferente dos outros — alto, ombros largos, barba rala, camisa justa no peito peludo. E aí o estômago virou. Era ele. O tal “viajante”. Que de viajante não tinha porra nenhuma.
O homem não se mexia. Só observava. Os olhos fundos cravados no altar improvisado, onde o padre subiu com a batina preta reluzindo sob o sol. O rosto mantinha firmeza, a voz ecoava clara, falando de fé, de redenção — mas eu conhecia cada nuance, cada hesitação. E por isso vi quando tudo mudou. Estava no meio da homilia, mãos erguidas, palavra fluindo... até que olhou para o canto do pátio. Viu o homem. A voz falhou. O sorriso se apagou. O corpo travou como se um laço invisível apertasse o pescoço. O fervor virou rigidez, a segurança se quebrou. E ali eu soube. Aquele estranho parado à sombra era o motivo. Era quem ele escondeu na nave. Quem o fez mentir.
A missa seguia, tensa. Ele falava, mas os olhos voltavam sempre pro mesmo ponto — rápidos, inquietos — como se quisesse fugir e ficar ao mesmo tempo. Eu permanecia de pé, o ciúme subindo quente, misturado com uma curiosidade que arranhava por dentro. Quem era aquele homem? Por que mexia tanto com ele? Os fiéis cantavam, o sino improvisado tilintava no alto, mas pra mim, só existia uma cena: o padre segurando o cálice, os dedos tremendo quase imperceptíveis, e o estranho — imóvel, firme no canto, como quem sabe o estrago que causa. Como quem veio cobrar.
Quando a missa terminou, ele desceu do altar com o rosto fechado, mas ainda manteve o gesto de sempre — apertando mãos, ouvindo pedidos, distribuindo bênçãos enquanto o pátio ia se esvaziando devagar. Mas o homem... aquele continuava ali, imóvel, braços cruzados, olhos fixos nele como se esperasse a hora certa. O peito apertava, o ciúme virando nó. Não era só intuição. Aquele sujeito não era um fiel qualquer, tampouco era de cidade vizinha. Tudo gritava o contrário: o cordão visto na nave, a mentira mal contada sobre um “viajante”, a tensão nos olhos do padre. Tudo apontava pra ele. E o jeito como observava... parecia conhecer cada pedaço do que ele tentava esconder. Parecia vir cobrar. Ou tomar.
Fiquei ali, travado, o pensamento rodando feito briga de faca, o suor descendo da testa, o sol mordendo a nuca. Devia ir até ele? Receber, perguntar quem era? Ou ficar na minha, do jeito que o padre com certeza ia querer? Mas... e se ele não gostasse? E se fosse pior? O padre ainda conversava com uma velha, tentando parecer calmo, mas os olhos escapavam, voltando sempre pro canto, pro mesmo homem. Isso bastava. Eu não aguentava mais ficar no escuro, não ia ser o menino que só obedece. Enchi o peito de ar, o coração batendo forte, e fui — passo a passo, devagar, a terra seca rangendo sob os pés. Quando cheguei perto, ele virou. Os olhos fundos me varreram como uma navalha. E aí veio o sorriso torto, lento, debochado. Como se já soubesse que eu ia até ele. Como se estivesse esperando.
— Oi. Bem-vindo. — soltei, tentando parecer firme, mas a voz tremeu no final, traindo o nervosismo. — Não te conheço... É novo por aqui? Veio de onde?
Ele não respondeu de imediato. Só me olhou — de cima a baixo, lento, como quem avalia um prato servido ainda fumegando. O olhar parou na minha boca, fixo, aceso, e um frio estranho correu a espinha. Não era medo. Era outra coisa. Algo sem nome, que dava vontade de correr... e de ficar. O pátio já quase vazio, o padre ainda cercado pelos fiéis, mas sabia que ele via, sabia que sentia — e isso só fazia o nó no peito apertar mais. Aquele homem, esse estranho, era mais do que parecia. Muito mais do que eu conseguia alcançar.
O pátio já quase deserto, só o resto das vozes se apagando no ar pesado, o sol rachando a terra sob os pés. E eu ali, frente a frente com ele. Seu olhar voltou a me varrer devagar, da cabeça aos pés, como quem escolhe carne crua numa vitrine. Parou novamente em minha boca, fixo, fundo, e o brilho nos olhos dizia mais que palavras: era desejo, puro, bruto, quente o suficiente pra arrepiar e gelar por dentro na mesma medida.
— Só de passagem, rapaz — disse, levantando-se devagar, a voz grave arrastando cada sílaba. O sorriso veio torto, canalha, brotando no canto da boca como veneno doce. Os olhos fundos me comeram inteiro. — Mas, porra... que recepção gostosa a tua. — As palavras vinham como lâmina coberta de mel, cortando sem pressa.
Avançou, o peito largo quase colando no meu. O cheiro de tabaco e suor subiu forte, pesado, carregado de algo mais bruto, algo que batia fundo — puro cio. Inclinou a cabeça, farejando o ar como bicho velho, as narinas se abrindo com gosto. O sorriso cresceu, sujo, daqueles que avisam: eu sei.
— Tem cheiro de gozo nessa boca bonita... — murmurou, os olhos cravados nos meus lábios entreabertos, a língua passeando devagar pelo canto da própria boca. — Anda fazendo um bom serviço pro padre, né? — completou, como quem já viu, já sabe, e só quer confirmar.
As palavras vieram com peso de martelo, o tipo de provocação que arranca o ar do peito. E ele sabia. Sabia que me desmontava.
— Tô... tô ajudando, sim — tentei responder, buscando firmeza na voz, mas ela vacilou. Falhou. E ele riu — aquele som baixo, rouco, que descia como cuspe quente no orgulho. Riso de quem já desmontou brinquedo igual.
O olhar dele dizia tudo: já tinha me lido inteiro. E tava adorando o que via.
— Relaxe, boca assim deve fazer milagre — soltou, com aquele tom de veneno doce, os olhos faiscando. Engoli em seco, o rosto em brasa, como se ele enxergasse direto pela minha pele. O gosto de porra ainda amargo na língua, como se ele soubesse — da sacristia, do padre, de tudo.
A conversa foi curta, mas o jeito dele dizia tudo. O olhar que despia, a língua molhando o canto da boca, aquela presença crua... não era só um visitante. Era mais. Muito mais. O pátio se esvaziava, os fiéis sumindo aos poucos, o sol rachando a terra, quando ele apareceu — o padre, meu macho. Vinha rápido, a batina cortando o ar, o rosto fechado, os olhos escuros acesos num brilho que misturava medo, raiva e alguma outra coisa que eu não sabia nomear.
— Tá tudo bem por aqui? — perguntou, a voz saindo firme, mas com um leve tremor que não dava pra esconder. Parou entre nós, o corpo erguido, tenso, como se não soubesse se precisava me proteger... ou se proteger de mim.
O homem sorriu, devagar, aquele sorriso torto que não dizia só “olá”, mas sim “eu sei mais do que devia”. Estendeu a mão com um fingimento ensaiado, um deboche sutil no gesto.
— Padre, acho que não fomos apresentados direito. Raul, prazer. — disse, o tom arrastado, carregado de veneno doce, só pra provocar.
Era perda de tempo fingir. Ele conhecia o padre — tava estampado nos olhos, na voz, no jeito que falava como quem já tinha lambido cada pedaço. E o padre também sabia. A mão tremia quando esticou, hesitante, tentando manter a compostura, mas o corpo entregava. Raul não apertou. Pegou devagar, levou aos lábios, e o beijo veio lento, provocador, os olhos cravados nos do padre, os lábios brilhando de saliva, molhados demais, íntimos demais pra um cumprimento qualquer. Aquilo não era gesto de cortesia — era devoção suja, adoração doentia. Como se o padre fosse um altar vivo.
Vi. Vi tudo. O jeito que não piscava, a boca aberta, aquele toque molhado. E o estômago virou. Um enjoo misturado com uma excitação estranha, venenosa. Um nó que subia, apertando a garganta. Porque aquele cara… aquele Raul… não era só do passado. Era cicatriz aberta. E eu precisava saber: quem era ele pra agir com meu padre assim?
O padre puxou a mão de volta num estalo, rápido, quase brusco, o rosto queimando, os olhos fugindo, como se o chão fosse mais seguro que encarar o que acabara de acontecer. Raul só sorriu — lento, satisfeito, como quem saboreia uma vitória silenciosa. Um daqueles sorrisos que não pedem resposta, porque já sabem que venceram.
— Rapaz, dá uma licença? Quero falar com o padre a sós. — A voz saiu macia, quase gentil, mas carregava uma ordem por trás, impossível de ignorar. Fiquei parado, travado, o peito apertado num ciúme que queimava, a vontade de dizer "não" ardendo na garganta. Mas ele olhou pro padre — e o padre assentiu. Um gesto leve, resignado, como se já soubesse que não adiantava lutar. Como se não tivesse escolha.
— Tudo bem — murmurei, forçando um sorriso de servo, amargo, disfarçando o nó que se formava no estômago. — Fiquem à vontade. — Virei de costas, os passos pesados afundando na terra seca, cada rangido do chão um soco no peito. Me afastei devagar, o coração batendo errado, a cabeça fervendo com mil perguntas, mil merdas que eu não entendia — mas que doíam como se entendesse tudo.
Cheguei no quarto, tranquei a porta, o estalo do trinco soando alto demais, como um grito preso querendo calar o mundo. A camisa, encharcada, voou pro canto; a calça escorregou pelas pernas, e o corpo afundou no colchão, que rangeu sob o peso. O teto rachado me encarava como uma testemunha muda.
Ainda sentia o gosto dele — o padre — na boca. O beijo, o gozo, tudo ainda grudado na língua, quente, vivo. Mas agora, era Raul que dominava os pensamentos. O olhar dele. O beijo na mão. Aquela devoção silenciosa que doía mais do que eu podia entender. Quem era aquele filho da puta? E por que o padre congelou daquele jeito?
A mentira sobre o “viajante” martelava. Aquela porra nunca colou. A verdade tava ali, nos olhos dele, no jeito que tremia só de ver Raul. A angústia crescia, um peso no peito que não sabia explicar.
Deitei de lado, o suor grudando na pele, colando no lençol, a cabeça fervendo com a imagem de Raul beijando a mão do padre — aquela saliva reluzente, aquela devoção que não fazia sentido, que enojava e excitava ao mesmo tempo. Mil pensamentos batendo, mil medos pulsando, mas era a curiosidade que queimava mais fundo que o ciúme, mais forte que o vazio. Precisava saber. Entender quem era aquele sujeito, o que ele tinha com o homem que eu chamava de meu. Que segredos partilhavam, o que se dizia por trás de portas fechadas. Não dava mais pra esperar outra mentira. Levantei, o coração martelando no peito, e decidi: ia seguir, ouvir, flagrar. Abrir o trinco com cuidado, o som quase mudo, e sair — pés leves no corredor, indo em direção aos dois, ao pátio, ao que quer que estivesse pra explodir.