O velório de Júlio foi o último ponto de encontro que Aldo e Leônidas compartilharam. Não havia palavras que pudessem aliviar a dor que Aldo sentia, nem consolo que pudesse substituir a perda de um amigo e parceiro de vida. Ele estava devastado, mas não havia espaço para luto em sua vida. O peso da responsabilidade da família, dos negócios e da pressão emocional o consumiam. Leônidas sabia que Aldo precisava se afastar de tudo isso, mas não podia fazer nada para mudar o que estava acontecendo.
Após o velório, Aldo chamou Leônidas para uma conversa no centro de treinamento. O ambiente estava carregado de uma tensão palpável. Aldo parecia exausto, seu rosto marcado pela falta de sono, o olhar perdido em algum lugar distante.
— Leônidas, eu não sei como te dizer isso, mas... — Ele parou, respirando fundo antes de continuar. — A morte do Júlio foi um golpe para todos nós, mas me fez perceber que não posso mais viver na sombra das minhas escolhas erradas. Minha família é tudo que eu tenho agora, e eu preciso cuidar disso.
Leônidas o observou, sem saber o que responder. Ele sabia que Aldo estava passando por uma transformação dolorosa, mas também reconhecia que suas vidas haviam se entrelaçado de forma tão profunda que qualquer decisão agora teria um peso imensurável.
— O que você está tentando dizer? — Leônidas perguntou, já sentindo que a conversa tomaria um rumo que ele não queria seguir.
Aldo baixou a cabeça, as palavras pesando sobre ele.
— Eu decidi que vou reatar o casamento com a Pia. Preciso da minha família de volta. Precisamos de estabilidade, e ela é parte disso. Sei que você e eu passamos por muita coisa juntos, mas agora, as prioridades mudaram. Eu preciso dela, Leônidas. Eu preciso da minha família. — Ele olhou para Leônidas com uma tristeza genuína. — Você foi muito importante para mim, mas eu não posso mais seguir esse caminho. Tenho que ser o homem que minha família precisa agora.
Leônidas não sabia como reagir. O que Aldo dizia fazia sentido, mas ele sentia que o que ambos haviam vivido, o que haviam sido, estava se desintegrando diante dele. Não havia mais como lutar, e ele sabia disso. A dor que sentiu foi profunda, mas a aceitação foi ainda mais difícil.
— Eu entendo — foi tudo o que Leônidas conseguiu dizer, sua voz abafada pela frustração e tristeza. Ele sabia que estava perdendo uma parte de si mesmo.
Aldo o olhou mais uma vez, tentando encontrar algum sinal de que ainda havia algo entre eles. Mas não havia mais nada.
— Eu espero que você compreenda, Leônidas. — Aldo deu as costas, deixando Leônidas sozinho em um lugar que, de alguma forma, nunca mais seria seu.
Nos dias seguintes, Leônidas tentou seguir em frente, mas não foi fácil. Ele passou os dias lutando com o vazio que a perda de Aldo lhe causava. De longe, acompanhava Aldo e Pia, tentando se convencer de que aquilo não passava de uma fase, uma fase dolorosa, mas que ele superaria. Mas não era assim que as coisas funcionavam. O buraco deixado por Aldo em sua vida era profundo e silencioso. Leônidas se permitiu sofrer, se permitiu chorar, até que, finalmente, percebeu que o que estava tentando construir já não existia mais. Ele precisava seguir em frente.
Mas havia algo que ainda o mantinha de pé: Alexandre. Seu filho. Leônidas sabia que, se houvesse uma chance de reconstruir algo, esse algo era com ele. A relação com Alexandre estava no começo, e ele precisava se esforçar para ser o pai que seu filho merecia.
Leônidas começou a ir até a escola com mais frequência, buscá-lo no final das aulas, passar as tardes com ele. Levava-o para parques, cinemas, momentos simples, mas significativos. Ele tentava ser mais presente, mesmo quando Alexandre não demonstrava interesse. O tempo estava do seu lado, e a cada sorriso que conseguia arrancar do filho, sentia-se mais próximo do pai que ainda queria ser.
Camila, Diego e Alexandre estudavam em Higienópolis no Colégio Rio Branco.Leônidas estava na escola, esperando Alexandre sair das aulas, quando viu Pia atravessar o portão com um sorriso sarcástico no rosto. Ela não parecia se importar com o que ele sentia, e suas palavras tinham um tom de desprezo, como sempre.
— Olha quem está aqui... o homem que perdeu tudo. Não é fácil, né? — Ela se aproximou, seus olhos cheios de provocação. — Aldo e eu estamos mais fortes do que nunca. Ele finalmente entendeu o que realmente importa.
Leônidas a olhou sem responder, mas as palavras de Pia cortaram como uma lâmina afiada. Ela estava ali para esfregar na sua cara a felicidade que ele nunca teria, mas ele não a deixaria ver que aquilo o atingia.
— Eu não me importo com o que você e Aldo fazem. Isso não me afeta mais — Leônidas disse, com um tom de voz firme, tentando manter a dignidade.
Pia riu, como se soubesse de algo que Leônidas não soubera, e se afastou, deixando uma sensação amarga no ar.
Aqueles dias de sofrimento começaram a se misturar com a esperança de reconstruir sua vida. Mas a dor ainda estava presente.
Em um momento de distração, um conhecido procurou Leônidas para contar sobre o estado de Luiza. Ele soubera que ela ainda mantinha contato com Freitas, e aquilo lhe causou curiosidade. Não demorou muito até que soubesse da visita de Luiza ao presídio. Ela estava apaixonada por Freitas, e suas visitas se tornaram cada vez mais frequentes. Mas o que Leônidas não sabia era que aquele encontro estava prestes a mudar tudo.
Luiza chegou à prisão com um sorriso radiante, como se estivesse em uma reunião de amor. Freitas, ainda preso, lhe falou em voz baixa:
— Eu te amo, Luiza. Você é a razão de eu ainda aguentar tudo isso.
Ela sorriu, tocando a mão dele com carinho.
— Eu também te amo, Freitas. Nada vai nos separar, eu juro.
Mas Freitas, com um olhar sério, olhou para ela e disse:
— Eu preciso que você faça algo por mim. Eu vou tentar escapar daqui a três dias à noite. Vai ser arriscado, mas você precisa me esperar na rua aqui atrás do presídio. Quero que me leve para longe daqui, para começarmos uma nova vida juntos, tenho dinheiro de sobra para nós dois.
Luiza olhou para ele, os olhos brilhando de excitação e medo ao mesmo tempo.
— Eu farei isso. Estarei lá. — Ela disse com firmeza, como se não houvesse mais nada importante além daquela missão.
O destino de Luiza e Freitas estava traçado, e, de algum modo, a obsessão dela por ele a levaria a tomar decisões perigosas, que poderiam afetar a todos ao redor dela.
Enquanto isso, o caos continuava na vida de Leônidas, que tentava encontrar um caminho. Ele não sabia o que o futuro lhe reservava, mas sabia que, de alguma forma, a dor era apenas um passo no caminho da reconstrução.
Em uma dessas tardes em que Leônidas ainda tentava se reencontrar, ele teve um encontro inesperado. Enquanto caminhava pelas ruas de São Paulo, entrou em um café para respirar um pouco. Foi quando o viu. Um homem de porte imponente, com um corpo musculoso, cabelos escuros e uma barba cheia, que imediatamente o fez pensar em alguém com o tipo físico do ator Henry Cavill. O homem estava sentado com um café à sua frente, falando ao telefone. Quando terminou a ligação, seus olhos se encontraram, e o homem sorriu para Leônidas.
— Desculpe, eu não pude deixar de reparar... — O homem começou, com uma voz profunda e amigável. — Eu sou muito amigo de Roberto, do Projeto Paraisópolis. Ele falou muito bem de você. Ouvi dizer que você saiu da Fama.
Leônidas ficou surpreso, mas manteve a compostura.
— É... a vida tomou outro rumo.
— Pois é. Eu sou Miguel Vargas, dono da Vargas Laticinios. Ouvi dizer que você tem uma experiência incrível em gestão de marcas. Estou lançando um novo produto e preciso de alguém como você. Você estaria interessado em um novo desafio? — Miguel ofereceu, com um sorriso enigmático.
Leônidas sentiu um calor estranho ao ser analisado pelo homem, mas a proposta parecia interessante. Ele se sentou à mesa.
— Talvez. Estou ouvindo.
Miguel sorriu novamente, seu olhar mais próximo, algo entre profissional e pessoal.
— Eu gosto de pessoas com garra, Leônidas. Acho que você tem o que é necessário para o trabalho. E quem sabe mais, se você quiser.
Leônidas sorriu discretamente, percebendo que o jogo de sedução estava sendo jogado, mas se concentrando no que realmente importava: a oportunidade.
Leônidas, agora com a possibilidade de um novo recomeço em sua vida profissional, tentou não se apegar ao que passou. Mas algo dentro dele ainda queimava, como uma chama que se recusava a apagar. Ele olhou para o futuro e viu a oportunidade de reconstruir os laços com Alexandre, talvez o único elo que realmente importava agora.
Por outro lado, Aldo estava em um estado de desolação. Ele pensava ter tomado a decisão certa ao escolher a família, mas, à medida que os dias passavam, a sensação de vazio só aumentava. Ele se sentia como se tivesse perdido mais do que conquistado. Sua relação com Leônidas, que já era frágil, parecia agora completamente irremediável. E a escolha de reatar com Pia, que parecia ser uma solução, estava começando a se tornar uma prisão emocional.
Naquele dia, Aldo teve uma discussão acalorada com sua mãe, Luciana. Ela insistia em tentar se envolver em sua vida, dando palpites sobre o que ele deveria ou não fazer, tentando interferir no seu relacionamento com Pia e até na forma como ele lidava com os filhos. Aldo, exausto e cansado de todos os problemas que o cercavam, explodiu.
— Você não tem o direito de se meter na minha vida, mãe! — ele gritou, as palavras saindo de sua boca como facas afiadas. — Eu não preciso de você decidindo por mim!
Luciana, que sempre tentava se aproximar de Aldo, foi tomada pela dor do desentendimento e, com os olhos cheios de lágrimas, respondeu com raiva:
— Eu só tento ajudar, mas você nunca quer ouvir! Está se afundando, Aldo, e não vê isso!
A discussão escalou rapidamente, e, em um ato de frustração, Aldo mandou Luciana de volta para Bertioga. O tom de sua voz estava carregado de desprezo, e, antes que ele pudesse perceber, as palavras já haviam saído.
— Vá embora! Vai para Bertioga, porque não aguento mais você aqui!
Luciana, abatida, não teve mais forças para argumentar. Com o coração partido, ela fez as malas e deixou a casa, rumo ao seu refúgio em Bertioga.
Quando a porta se fechou atrás dela, Aldo sentiu um peso maior ainda em seu peito. A casa parecia mais vazia, mais fria. Ele se afundou em sua cadeira, a cabeça a mil, tentando encontrar algum sentido para suas escolhas. O que ele realmente queria?
O que ele realmente precisava?
E foi então que ele fez o que sabia fazer melhor — buscou consolo na bebida. O álcool parecia o único alívio para a dor que ele carregava. Mais uma vez, a solidão o envolvia, e ele se viu perdido, sem saber como sair desse labirinto que ele mesmo havia criado.
Com a garrafa de whisky em mãos, Aldo se entregou à escuridão, sentindo o vazio preencher seu corpo. Ele tentava se convencer de que suas escolhas eram as certas, mas, à medida que o álcool queimava sua garganta, a dúvida o consumia. Ele sabia que, no fundo, não tinha mais certeza de nada.
Aldo, agora, era um homem dividido entre a responsabilidade pela família e o peso de seus próprios erros, e o caminho à frente parecia apenas mais um abismo a ser enfrentado