Onde o Sol se Esconde
O orfanato São Jerônimo parecia esquecido pelo tempo. As paredes de pedra rachadas, cobertas por musgo, pareciam murmurar as histórias de tantas infâncias abandonadas. Localizado na serra catarinense, o prédio se erguia solitário entre campos de pinheiros, isolado de tudo o que fosse calor humano.
Dentro do quarto 12, o mais frio e apertado do segundo andar, dois jovens dividiam não apenas o espaço exíguo, mas também as cicatrizes invisíveis da alma.
Samuel, aos 16 anos, já não esperava nada da vida. Os cabelos escuros caíam em desalinho sobre os olhos castanhos profundos. Sua história era feita de silêncios: uma mãe submissa que suportara durante anos as mãos violentas de um homem bêbado até desaparecer uma noite, deixando Samuel sozinho numa casa vazia, com um vizinho que chamou a assistência social. Desde então, passara por lares temporários, onde a promessa de afeto era sempre um eco distante.
Teófilo — ou Teo, como Samuel carinhosamente o chamava — era um ano mais novo. Pequeno, magro e com olhos de um verde pálido, trazia no corpo e na memória as marcas dos lugares por onde passara. Quando os pais morreram num acidente de carro numa estrada de chão, Teo, então com cinco anos, fora lançado a uma sucessão de abrigos e famílias temporárias que viam nele apenas uma obrigação. Sofrera abusos, humilhações, negligência. O orfanato São Jerônimo era apenas mais uma parada em sua travessia silenciosa pelo abandono.
O dia a dia era duro. O sino ecoava às seis da manhã para a primeira oração. Missas longas, refeições silenciosas, castigos severos para os menores deslizes. Alguns padres, como o severo Padre Clemente, traziam um olhar que fazia os meninos estremecerem. Rumores sussurrados falavam de punições secretas, de crianças que eram enviadas para "corretivos" nas alas desativadas do prédio antigo e voltavam diferentes, mais caladas, mais quebradas.
Entre aqueles corredores frios, Samuel e Teo encontraram, um no outro, um abrigo improvável.
Tudo começou com gestos pequenos — dividir o cobertor rasgado nas noites de inverno, trocar um pedaço de pão escondido durante a janta, oferecer um silêncio confortável quando as palavras eram dolorosas demais. Aos poucos, os olhares demoravam mais, os sorrisos se tornavam mais sinceros.
Numa tarde chuvosa, enquanto os trovões ribombavam sobre o telhado quebradiço, Samuel viu Teo chorar pela primeira vez. Sem dizer nada, apenas se aproximou e o abraçou. Teo encolheu-se contra o peito de Samuel como um pássaro ferido buscando calor. Foi ali que, sem saber, começaram a costurar uma nova história — feita não de perdas, mas de encontros.
Os beijos vieram depois, tímidos e hesitantes, como se tivessem medo de quebrar algo sagrado. No esconderijo das noites escuras, dividiam sonhos sussurrados, promessas que nem eles sabiam se poderiam cumprir, mas que, no momento, eram a única verdade.
Outros garotos também vagavam pelos corredores sombrios do orfanato: Mateus, que escondia hematomas sob as roupas; Lucas, que falava sozinho para suportar a solidão; e Elias, o mais velho, que um dia simplesmente sumiu, levando com ele muitos dos segredos que ninguém ousava comentar.
Teo e Samuel, porém, resistiam. Cada toque, cada palavra murmurada entre os lençóis ásperos, era um fio de luz costurando suas almas feridas.
O mundo lá fora parecia uma promessa distante, quase inalcançável. Mas enquanto estivessem juntos, enquanto pudessem roubar para si pequenos momentos de ternura em meio à escuridão, havia esperança.
Mesmo que o orfanato escondesse horrores nas suas sombras.
Mesmo que os segredos começassem a bater à porta do quarto 12.
Mesmo que a sobrevivência dependesse de coragem que eles ainda nem sabiam que tinham.
Samuel apertou a mão de Teo sob a coberta furada naquela noite fria.
Teo sorriu, um sorriso fraco, mas verdadeiro.
E, pela primeira vez em muito tempo, Samuel acreditou que talvez, só talvez, onde o sol se escondesse, o amor ainda pudesse florescer.
Continua...