Amor Sob Regime Fechado. Cap.7

Um conto erótico de Alex Lima Silva
Categoria: Gay
Contém 2293 palavras
Data: 24/04/2025 22:21:31

Acordei com um peso bom sobre mim. Aqueles braços enormes do Bola me cercavam com força, como se o mundo lá fora não existisse. O calor do corpo dele contra o meu, a respiração pesada no meu pescoço... por um segundo, esqueci onde estava. A cama era dura, o colchão fino, mas dentro daquele aperto, eu me sentia protegido. Seguro. Como se ali, naquele instante, nada pudesse me atingir.

Bola dormia ainda, e eu fiquei imóvel, sentindo o peito dele subir e descer devagar. Meus olhos encaravam o teto sem graça da cela, mas minha mente tava longe, quase em paz, até o som metálico da realidade bater de volta.

— Acorda, cambada! — gritou o guarda, batendo forte na grade. O som cortou o silêncio como um machado na madeira. Bola resmungou, me abraçando ainda mais forte por reflexo, mas aos poucos foi despertando.

— Foi bom enquanto durou, né? — ele murmurou, a voz rouca de sono, com aquele sorriso torto que só ele sabia dar.

Eu não respondi. Só levantei devagar, tentando me afastar sem parecer que queria. Mas ele segurou meu braço um instante a mais do que precisava antes de me soltar. Tinha coisa naquele olhar. Sempre tinha.

Começamos a ajeitar nossas coisas quando o barulho seco de um tiro estourou o ar. Foi como se o mundo congelasse por dois segundos. Em seguida, caos. Gritos, correria, os presos se debatendo, os guardas berrando sem controle, gente se jogando no chão, outros tentando espiar pelas grades.

— Caralho! Deu merda no pátio! — alguém gritou de dentro de outra cela.

Meu coração acelerou, o corpo enrijeceu. Bola ficou na minha frente, como um escudo instintivo, os olhos atentos.

Outro tiro. E mais gritos. Uma gargalhada no fundo, nervosa, quase insana.

Depois, de repente, o silêncio. Aquela pausa tensa, como se o mundo tivesse prendido a respiração. Minutos se arrastaram até um guarda voltar, suado, irritado e com o rádio em mãos.

— Fiquem tranquilos, porra! Foi só o João e o Fábio comemorando que mataram um tal de Neguinho lá fora. Rival deles. Tão fazendo cena.

A tensão se quebrou aos poucos, mas não sumiu. Os risos voltaram em parte, junto com piadas e xingamentos. Bola se virou pra mim e estalou o pescoço.

— Bora ver essa palhaçada de perto.

Eu hesitei, mas acabei seguindo. No pátio, o sol batia duro no concreto, e a movimentação era caótica como sempre. Mas lá no meio, com ares de realeza, estavam João e Mimosa.

João exibia aquele sorriso de dono do mundo, braços abertos, peito estufado como se fosse o herói da cadeia. Mimosa, ao lado dele, com a camiseta amarrada na cintura, toda se rebolando, exalava confiança. E então, no meio da bagunça, João puxou Mimosa pela cintura e tascou um beijo nela. Um beijo cheio de língua, exagerado, quase teatral. Mimosa retribuiu com gosto, se jogando nele como se estivessem numa novela.

Quando se afastaram, ainda colados, Mimosa olhou direto pra mi. Me analisou dos pés à cabeça, com aquele olhar cheio de veneno, e mandou um beijo no ar, debochada, estalando os lábios com vontade.

João gargalhou, e me encarou logo depois, com aquele olhar provocante. Um sorriso lento nasceu no rosto dele, como se soubesse exatamente o que estava fazendo.

Revirei os olhos e virei o rosto, fingindo desinteresse.

— Ignora — murmurou Bola, tenso, os braços cruzados. Mas ele mesmo não parecia estar conseguindo.

Foi aí que Fábio apareceu do nada por trás de mim. Eu nem o vi chegando. Sentia só o movimento no ar, e então…

PÁ!

Um tapa forte e seco na minha bunda, me fazendo dar um passo pra frente no susto.

— Bom dia, estrelinha. Acordou com o bumbum virado pro sol, hein?— ele riu alto, debochado.

O pátio explodiu em gargalhadas.

Eu travei. O sangue ferveu, mas antes que eu pudesse reagir, senti a presença de Bola se aproximar como uma tempestade.

Ele passou por mim e ficou cara a cara com Fábio. O olhar dele era puro ódio. Silêncio. Nem uma palavra. Só aquele fuzilamento mudo, de quem tava a dois segundos de explodir.

Fábio até riu, mas sua expressão mudou quando viu que Bola não tava de brincadeira. Deu dois passos pra trás, levantando as mãos.

— Foi só uma gracinha, pô… tá nervoso por quê? — tentou amenizar, mas sua voz já não tinha tanta certeza.

— Chega, Bola — falei, segurando o braço dele. — Não vale a pena.

Ele respirou fundo, os punhos ainda fechados, mas não fez nada. Ainda. Só se virou comigo e saiu andando, me puxando junto, o maxilar travado.

Atrás de nós, João e Mimosa voltaram a rir, mas agora mais baixo. O pátio seguiu sua rotina barulhenta e doentia, mas entre nós três… a tensão só crescia.

O sol já estava alto no céu quando Bola me chamou pra começar o dia. A confusão no pátio ainda era recente, o gosto amargo da comemoração sem noção de João e Fábio ainda grudado na garganta. Eu nem reclamei. Depois daquilo tudo, eu também tava precisando extravasar. E ele sabia.

Fomos direto pro canto dos exercícios, onde os pesos improvisados com cimento e ferro velho já estavam nos esperando...

Bola começou puxando forte, os músculos tensionados, o suor já marcando a regata. Eu fui atrás, tentando acompanhar o ritmo dele, que parecia ter acordado com o dobro da energia.

Agachamento com saco de areia. Flexão com palete nas costas. Tríceps usando a beirada do tanque. O treino de hoje não era só físico, era emocional. A raiva, o nojo, a frustração... tudo saía no suor que escorria pelos nossos rostos.

A cada repetição, ele olhava pra mim com um meio sorriso e dizia:

— Vai desistir agora? —

— Nunca.

E seguíamos. Um desafiando o outro. E, no fundo, cuidando um do outro também.

Depois de quase uma hora puxada, suados e ofegantes, decidimos ir até a horta — nosso pequeno pedaço de paz dentro daquele lugar hostil.

Mas quando viramos o corredor de terra batida e vimos as leiras...

— Filhos da puta... — murmurei, já sentindo o estômago revirar.

Boa parte da plantação tava pisoteada. Folhas esmagadas, tomates pelo chão, leiras afundadas de tanto que alguém sapateou por cima. Onde antes tinha ordem, agora era caos.

Um guarda que cuidava da parte externa veio andando devagar, coçando a cabeça.

— Foi na hora da comemoração, ontem. Tiros, gritaria, os caras perderam a linha. Entraram aqui e... bem... sapatearam bonito.

— Isso aqui é trabalho nosso!— Bola falou alto, o corpo inteiro tenso. — A gente cuida dessa terra todo dia. Esses vermes não têm noção nenhuma!

Eu só respirava fundo, tentando não socar nada.

Mas aí Bola olhou pra mim, e a expressão dele mudou. Ele pegou uma enxada caída no chão e me entregou.

— Bora consertar essa porra.

Assenti. E começamos. Juntos.

Reerguemos as leiras, firmamos a terra com as mãos, recolhemos os restos e salvamos o que dava. Bola fez uma nova divisão do terreno com estacas improvisadas, enquanto eu realinhava as mudas que ainda podiam vingar.

O sol subia devagar, esquentando nossa pele e fazendo tudo brilhar um pouco mais. O suor agora era diferente: não de raiva, mas de reconstrução.

Bola assobiava baixinho uma melodia qualquer. Parou por um segundo pra me olhar.

— Cê fica bonito sujo de terra. —

Eu ri. Aquelas palavras simples, ditas daquele jeito torto dele, acertaram em cheio.

— E você fica menos carrancudo com uma pá na mão.

A horta já tava quase inteira de pé de novo. As mãos sujas, as roupas suadas, mas o coração... mais leve. Eu tava agachado, firmando uma das mudas de alface na terra fofa, quando senti os dedos de Bola passarem devagar pelo meu cabelo.

— Tá crescendo — ele murmurou, a voz rouca, quase um sussurro.

Olhei de lado, levantando uma sobrancelha.

— O quê?

— Seu cabelo. Tá crescendo. — Ele sorriu de canto, o olhar suave, um contraste estranho com aquele corpo gigante e cheio de cicatrizes. — Gosto assim. E vou cuidar de você, Pietro. Do jeito que você merece.

Fiquei em silêncio. Não porque não queria responder, mas porque não sabia como. Só sorri, meio tímido, e abaixei o rosto de volta pra terra. O coração batia forte.

A gente terminou de ajeitar as últimas leiras, limpando a área, tentando salvar cada broto que ainda tinha força. Mesmo com o estrago, o que restou agora parecia mais bonito, mais nosso.

Caminhamos juntos de volta pro pátio. O corpo doía da manhã puxada, mas a alma... essa tava mais inteira que antes. Era quase meio-dia quando chamaram pra o almoço.

Sentamos numa das mesas de concreto rachado, o bandejão veio com o de sempre: arroz empapado, feijão ralo, uma carne sem gosto e umas folhas de alface murcha. Comida de prisão.

Suspirei, prestes a engolir a primeira garfada, quando meus olhos se viraram pro lado, quase sem querer.

Ali, não muito longe, estavam João e Fábio, sentados com pratos bem diferentes. Lasanha. Sim, lasanha. Grossa, bem recheada, ainda soltando fumaça.

Meus olhos devem ter entregado minha surpresa, ou talvez tenha sido a fome gritando na expressão. João percebeu. E como percebeu.

Ele olhou direto pra mim, sorriu de canto, provocador, e pegou o resto da lasanha com os dedos. Sem nem hesitar, levantou e jogou tudo no lixo como se fosse nada. E ainda deu uma risadinha nojenta.

Fábio acompanhou, se divertindo com a cena, como se fosse a coisa mais engraçada do mundo.

Eu só abaixei o olhar e continuei com meu arroz frio, tentando não deixar o nó na garganta subir.

Foi quando senti a mão pesada de Bola pousar na minha perna de leve, como se dissesse: “tô aqui”. E estava mesmo. Com aquele jeito bruto, mas verdadeiro. O olhar dele era diferente. Era proteção.

Depois do almoço, ainda com o gosto sem graça do feijão na boca, resolvi ir até o banheiro. Precisava de uns minutos pra mim, longe de tudo e de todos. A horta, o pátio, a comida jogada fora... tudo tava entalado dentro de mim.

O banheiro estava vazio, só o barulho da goteira no canto quebrando o silêncio.

Mal fechei a porta e me aproximei dos vasos quando senti um empurrão forte me jogando contra a parede fria.

— Tá com saudade de mim, é isso? — João falou, colando o corpo dele no meu.

Tentei me soltar, o nojo subindo na garganta.

— Sai fora, João. Não tô pra brincadeira.

Mas ele não arredou. Me pressionou mais ainda, e eu senti ele ficando excitado. O olhar cínico, a respiração quente no meu ouvido.

— Uma noite comigo e você nunca mais come resto. Te arrumo comida boa. Lasanha, frango, sobremesa. Tudo. É só dizer sim.

Olhei pra ele e ri. Frio. Seco.

— Eu não preciso de nada seu.

O sorriso dele vacilou, mas ele ainda tentou:

— Ou você prefere ficar do lado daquela bola de carne do Bola?

A provocação me acertou, mas não da forma que ele esperava. Cruzei os braços, olhei bem nos olhos dele e respondi:

— Pelo menos o Bola é dotado. Você só tem... bolas.

A cara de João travou. Pela primeira vez, ele não soube o que dizer. Ficou ali, parado, como se não tivesse entendido se foi insultado ou humilhado.

Me afastei, fui até o vaso, fiz o que tinha que fazer com a maior calma do mundo, e antes de sair, joguei:

— E da próxima vez que quiser se sentir homem... tenta agir como um.

Saí rindo, deixando ele lá, sem fala, engolindo a própria arrogância!

A tensão tava no ar desde o banheiro. João não sabia perder, ainda mais depois de ser humilhado daquele jeito. Eu podia ver nos olhos dele que ele não ia deixar barato. Só não imaginei que ele teria coragem de ir pra cima de Bola.

Foi logo depois da gente sair pro pátio de novo. Bola tava sentado no canto, limpando a sujeira da unha com um pedaço de madeira. Tranquilo, do jeito dele. Eu do lado, calado, mas atento. Sempre atento.

João veio com o sangue nos olhos, o corpo esticado, a fúria pulsando nas veias. Nem esperou, só gritou:

— É você que tá achando que manda aqui agora, é?

E partiu pra cima.

Eu nem tive tempo de reagir. Bola se levantou com calma, como se soubesse que aquilo ia acontecer. João veio com tudo, os punhos fechados, mas não teve chance.

Um soco. Só um.

Bola acertou o queixo dele com força e precisão. João apagou no chão como uma pedra, os olhos virando antes mesmo de cair. O silêncio que se fez no pátio foi mais forte que qualquer grito. Um silêncio de respeito. E de medo.

Os capangas de João e Fábio se levantaram, prontos pra reagir. Mas antes que qualquer um pudesse dar o primeiro passo, Fábio levantou a mão.

— Ninguém toca nele — disse firme, o olhar sério. — Isso aqui não é suicídio coletivo.

Os caras recuaram. Fábio olhou pro corpo desmaiado do amigo no chão e depois pro Bola. Deu um sorriso de canto, quase admirado.

— Isso vai dar o que falar...

Sem dizer nada, peguei o braço de Bola e o levei pra nossa cela. O caminho foi silencioso, mas meu coração batia mais alto do que qualquer sirene.

Quando a porta de ferro se fechou atrás da gente, eu olhei pra ele. A mão que deu o soco ainda tava fechada, os músculos tensos, o peito subindo e descendo devagar.

Me aproximei e dei um beijo no braço enorme dele. Um beijo demorado, cheio do que eu não conseguia falar em voz alta.

— Eu amo esse bração, Bola — sussurrei. — Agora mais do que nunca.

Ele me olhou com aquele jeito calmo, quase bobo, e sorriu. Me puxou devagar pro peito dele. E ali, naquele abraço silencioso, eu soube que nenhum lugar do mundo seria mais seguro do que os braços daquele homem.

Continua...

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