Um pedaço de mim (Parte 2)

Um conto erótico de Angel
Categoria: Gay
Contém 2815 palavras
Data: 10/03/2024 23:42:17
Assuntos: Gay, paixões

E se a consequência de um trauma do passado te impedisse de viver uma nova história? Algumas histórias acontecem e são escritas em paralelo a outras, só mudamos os personagens, mas que podem se cruzar em algum momento pelo ângulo da vida e do tempo.

Porque a vida segue escrevendo certas palavras e o tempo que segue como regente dando ou tirando as coerências, embaralhando-as, estruturando-as em parágrafos pequenos ou grandes sempre ditando o compasso para começar, pausar e também terminar.

Então o ensino médio se foi, agora é momento de novas mudanças, tinha feito a prova do Enem, mas não alcancei a nota desejada. Me senti tão culpado, mas não estudei como deveria para fazer, uma forte tristeza ainda pairava sobre mim. Então passei um tempo sozinho, e deprimido em casa sem vê ou encontrar o Iago. Tentei encontrar um emprego, mas não havia chances para alguém como eu a não ser numa esquina qualquer. Contudo, não desejava esse destino para mim.

No segundo semestre, tentei mesmo com a nota regular entrar na faculdade, consegui, foi um alívio. Entrei numa faculdade privada por meio de bolsa de estudos, no curso de Psicologia. Quanta loucura iria presenciar nesse curso? Que coerência ou dissonância da minha parte.

Era hora de começar algo novo, minha personalidade tinha encontrado algo novo, uma força, um objetivo de vida. Aquela criança alegre pôde encontrar nesse lugar o caminho para deixar algumas feridas cicatrizarem.

No começo tudo normal, me dava bem com a maioria das pessoas, diferentemente dos outros anos, consegui ter relacionamentos de amizade. Era maravilhoso, eu me sentia livre, ali encontrei a liberdade de agir e deixei algumas fobias sociais para trás. Conseguia conversar, rir, e até apresentar trabalhos, minha boa oralidade até me surpreendeu. Mas o toque ainda era algo proibido e desconfortável.

Até ter de enfrentar novamente outra pessoa. Sabe quando você sente que tem alguém olhando para você de forma diferente? Sentia isso, minha intuição me deixa encabulado, mesmo sem saber o que significava.

Então um dia de aula normal, trabalho em grupo, discussões, sinto uma mão diferente no meu ombro. Aquilo foi toque? Senti um choque que percorreu todo meu corpo, além de estar ligado a um olhar diferente. O nome dele, João Pedro (JP), ainda mais velho que eu pouca coisa. Ele era mais baixinho do que eu. A conversa sobre o trabalho ocorreu muito bem, e cada vez que olhava para ele, ele me lançava um olhar, me sentia encabulado e me escondia virando o rosto.

Na saída da faculdade, eu não comentei com minha amiga sobre o que aconteceu, mas fiz uma pergunta, que já sabia a resposta, contudo queria só confirmar: “Amiga, conseguimos saber quando alguém estar interessado por nós, não é mesmo?”. Ela só me acenou que sim e me perguntou quem eu achava que estaria interessado por mim, mas desconversei, até porque ele era amigo dela também.

Nossa roda de amigos gostava se divertir entre os intervalos das aulas, descobri que a faculdade era totalmente diferente das escolas. Então brincávamos com jogos de adivinhações, mimicas, e o mais perigoso, verdade ou desafio.

E foi durante um desses jogos que minha amiga me desafiou a ficar com o JP no banheiro sozinhos por 10 minutos. Me senti meio estranho, quase levei um susto, quando ela terminou de falar. O circo estava armado, eu não tinha percebido. Eles já teriam tudo programado e isso me faz rir até hoje.

Fomos ao banheiro, ao chegar lá, tudo silencioso, pois nossa sala naquele exato dia ficava no anexo que sempre havia pouco movimento de pessoas. Quando me virei para ele, não pude dizer uma palavra ou esboçar um gesto. Ele se aproximou com tanta pressa e me deu um beijo, com tanto fogo, me encostou na parede e começou a passar a mão no meu corpo. Que loucura? Só conseguia pensar e perguntar no que estava acontecendo.

Mas um medo súbito causou uma reação de afastar ele de perto de mim e correr. Cheguei na sala não tinha ninguém mais. Peguei minhas coisas e fui para casa. Quando cheguei vi uma mensagem dele: “Me desculpa pelo que fiz, não quis te forçar a nada, sentir seu desejo. Agora eu vou esperar você vir a mim”.

Não conseguir responder, minha mente estava turva ainda, e mesmo se tentasse como e o que responderia? O fim de semana se passou, e na segunda quando me acordei sabia que teria que o ver, enfrentar seu olhar. Não só na sala, mas entre nossos amigos. Então no meio da aula, resolvi responder sua mensagem: “Quero conversar com você.” Ele se levantou, olhou para mim e se saiu.

Tentei não esboçar nenhuma reação para que ninguém percebesse, mas minha amiga já me olhava com um ar de desconfiança ao sair da aula daquele jeito e sorriu de canto de boca. Mas eu sai e ele estava no corredor me esperando. E fomos em silêncio até um banco perto de uma janela. E minha cabeça tentava montar um roteiro, mas não vinha nada, teria que ser improviso minha resposta aquele beijo.

Era agosto, e o frio do inverno chegava esse ano mais forte. Eu olhava para o chão e pela janela e via as nuvens cobrindo o céu, para tentar reorganizar as palavras na minha boca. Então quebrei o silêncio e perguntei: “Porque você me beijou?” Ele me respondeu que estava afim de mim e perguntou se eu queria ficar com ele. Eu respondi que era complicado para mim, não recebia bem o toque das pessoas.

Ele pediu para tentar ir driblando essa minha dificuldade. E começou a tocar meu rosto, minha orelha, meu corpo arrepiou. De novo, essa sensação! Queria dizer não, mas não consegui resistir. E ele se aproximou e perguntou se poderia me beijar. Eu não respondi, só fiquei calado com sua mão meu pescoço. Não deu outra, senti sua boca na minha, sua boca sugava a minha e um abraço quente capaz de derreter qualquer gelo e acalentar o frio que existiam antes pelo espaço de que havia antes, entre nós.

Então correspondi aos meus instintos, encontramos uma sala vazia, entramos e nos amamos lá. Que fogo? Selvageria pura. Parecíamos dois animais em estado de insanidade. Quase me machuquei na cadeira, bati meu quadril. E ele carinhosamente foi me paparicando naquele momento pós-transa.

Os dias foram passando e nossos encontros ainda faziam parte de um ciclo vicioso de loucuras e aventuras dentro da faculdade. Nosso relacionamento era aberto, não tínhamos nenhuma cobrança um com o outro. Eu pensava que tudo estava tão perfeito, parecia que estava num conto de fadas.

Ele saia com outras pessoas e eu nunca cobrei nada, acho até que estava acostumado com isso e não me sentia no direito de falar algo, mas até ali não ficava com outra pessoa. Além do mais, que meus pais ainda me prendiam dentro de casa e eu mesmo ajudava a fechar os cadeados das grades. Então ele teria que se satisfazer enquanto eu não pudesse estar com ele. Ele era assumido para a família eu não!

Até que um dia o Iago me procura e me liga durante a aula, eu teria que ir. Por um momento inexplicável esqueci do JP, e segui avisei minha amiga queria encontrar um “ex”. E ele me olhou com reprovação e desconfiança. Eu segui sem nenhum remorso.

Fui direto para casa do Iago, transamos, como foi bom. E depois fui para casa, como de praxe, frieza e silêncio, diferentes do que o JP me dava. Pensei nele quando cheguei em casa, parecia despertar de um estado de hipnose. E busquei seu contato, liguei e disse aonde teria ido. Ele ficou em silêncio e disse que precisava fazer algo no trabalho, desligamos.

Nada mudou entre nós, mas senti ele mais distante, sem querer conversar tanto. Então depois de algumas semanas o notei estranho e triste. E ele depois da aula relatou para nosso círculo de amigos que estava com uma grave doença, um tumor no esôfago, senti um abalo dentro de mim. Mas o abracei, e prometi que estaria do seu lado, e que ele iria vencer essa briga.

Depois, em um momento a sós, ficamos numa sala vazia, ele colocou sua cabeça no meu colo, parecia um menino pequeno e assustado, então começamos a fazer planos e sonhos parecem vividos de forma conjunta entre nós. Foi quando ele pediu para sermos namorados oficiais, confesso fui pego de surpresa e disse “sim” sem pensar muito e pelo calor do momento.

A primavera foi quente, mas tão mais quente se tornou nossa relação, apesar das proibições das saídas e passeios pelos meus pais. Ele tentava ser paciente, eu percebia isso. E me sentia mal por isso. Queria viver esse relacionamento do jeito natural e normal a todos os casais.

Resolvi mudar isso. Então nas férias de verão tomei uma decisão forte. Contaria aos meus pais sobre minha orientação sexual, esse seria o primeiro passo. Contudo, não teria com saber a reação deles. E posso garantir não foi tão fácil.

Primeiro procurei minhas tias e contei, me apoiaram e disseram que estavam prontas para me dar apoio para a grande revelação. Minhas tias foram até minha casa, era agora, a primeira foi minha mãe. Minha tia tentou falar das minhas qualidades enquanto, pessoa e filho. Mas eu precisei dizer:” Mãe, eu sou gay”. Como essas pequenas palavras saíram da minha boca? Não sei onde tirei essa força. Mas começamos a chorar e ela não olhava para mim. Não queria mais estar ali.

Uma tia ficou com ela e a outra eu pedi que me levasse para a casa da minha prima. Lá eu não conseguia parar de chorar, pensando como seria dali para frente. A vida iria mudar, aquilo ou me arrancaria o chão ou seria a mola de impulsão para minha vida. Uma sensação de falta de ar e pânico assolavam meu corpo, pedi a minha prima que me desse um comprimido para dormir.

Era isso que eu mais queria apagar e não falar com mais ninguém, meu celular, desliguei. Às 17:30, minha mãe liga para minha prima, que eu precisava voltar para casa, meu pai tinha chegado. Respirei fundo, me enchi de coragem e fui até o carro. Minha tia me levou de volta. Ao chegar em casa, meu pai, aquele homem duro, inexpressivo, que nunca derrubaria uma lágrima antes, estava chorando copiosamente.

Parecia um menino que caiu e se machucou feio, sem querer colocar remédio. Aquela cena me tocou aprofundo. Fui eu que causei isso? Causei todo aquele sofrer, minha culpa por ser que sou. Nunca cheguei a pensar que meu “eu” seria o nó na garganta de outro ser humano, sua lágrima, sua cruz, seu desquerer. Eu poderia ter escondido por mais tempo e apenas sufocar a mim mesmo, contudo, o mal já estava feito.

Depois que os soldados da minha força tarefa, minhas tias, se foram. O cenário parecia com pós-guerra, mórbido, silencioso, quieto e sofredor. Meu pai veio até meu quarto e pediu meu celular queria ver minhas conversas. E eu entreguei, depois não olhou na minha cara por 3 meses seguidos.

Durante às férias veio o aniversário do JP, mas não pude ir, pois, o clima não estava lá para eu sair de casa. Quando as aulas voltaram, o JP veio até mim e colocou uma fita no meu dedo anelar direito. Fiquei sem jeito e pouco confortável com aquilo, mas segui o dia. Depois ele veio e tirou. O dia seguiu normalmente, depois da aula, peguei uma carona com uma amiga e no carro ela disse que o JP queria pedir minha mão em casamento e me assustei na hora.

Na hora eu fiquei tão agitado e que atacou a asma. Tomei o medicamento e ela me deixou em casa. Na outra semana, meus pais viajaram para a casa dos meus avós paternos, e eu fiquei. O JP me chamou para irmos a uma balada. Nunca gostei de lugares fechados e música muito alta. Mas por ele resolvi ir. Assim fomos, lá ficamos numa mesa e foi quando ele falou que estava esperando um amigo. Que no caso ele deliberadamente e abertamente tinha uma queda por este amigo.

Caramba era a nossa primeira noite saindo juntos e ele chama aquela pessoa. Pensava que seria uma noite só nossa, mas não foi. E durante a noite, ele vai até o banheiro e volta com uma marca de chupão no pescoço. Nossa aquilo acabou com minha noite, tinha planejado trazer ele para minha casa e dormimos juntos. E ele vendo meu aspecto de raiva e indignação ao olhar para seu pescoço, confessou que tinha pegado outro cara no banheiro.

Foi causa dessa pessoa que fiz uma coisa tão difícil em toda a minha vida? Um sentimento de decepção começou a crescer. Pedi para ir embora, ele queria ficar até o dia amanhecer, eu até esperaria para vim no primeiro ônibus sozinho, mas acho que por birra mesmo bati o pé que queria voltar para casa. E ele me acompanhou, aquela imagem do chupão não saia da minha mente, enquanto olhava as luzes dos postes refletindo no espelho no carro. Chegamos de madrugada na minha casa.

Fomos direto para o banheiro, fomos tendo momentos de carícias, mas eu estava a sentir asco do seu toque, não sei o que estava acontecendo comigo. Fomos para a cama e começamos a transar e foi quando eu falei: “Vê se goza logo, estou com sono”. Aquilo saiu sem nenhum tipo de raciocínio prévio foi espontâneo. Ele simplesmente vestiu a roupa e disse que iria embora para que eu pudesse descansar em paz. Garanto que naquele momento não achei de tão ruim. Ele pediu uma viagem por aplicativo e se foi enquanto os primeiros raios de sol estavam nascendo. Fiquei da varanda do primeiro andar olhando-o indo embora sentido como se um cristão tivesse caído no chão. Uma pedra tão bonita ficou gasta e estava toda lascada.

Não nos falamos durante o fim de semana todo. E assim chegou mais uma segunda, durante as aulas sentia os olhares dele para mim. Então ele e minha amiga saíram para o intervalo e eu fui encher minha garrafa, escutei seus risos. Ele declarando que tinha transado com outro, olhou para trás e me viu ali parado no corredor. Ali eu tinha certeza que ele sabia que eu estava ouvindo, aquilo me machucou, não por ele ter transado com outro, mas sim pela forma que estava fazendo eu descobrir.

Voltei pelo caminho com um nó na garganta tão grande, segurando o choro, não queria demonstrar a fraqueza do meu ego. Depois fomos a uma palestra e ele sentou do meu lado, mantive meu olhar frio e distante usando aquela palestra monótona como desculpa para não olhar no fundo de seus olhos. Ele tocou minha perna e apertou, não senti nada, aquele calor do seu toque tinha virado puro gelo que queima, mas dói. Tirei minha perna do lugar, dessa forma ele perguntou o que tinha sentido e eu respondi: “Nada, nem cócegas”. Era ali o fim, não tinha mais encanto.

Fui embora sem tentar o visualizar, não dei brecha para diálogo. Estava magoado e não queria mais ser feito de idiota, não mais! No outro dia me reunir de forças e o chamei para conversar a sós, sem urubus por perto. É descobrir que a pessoa que nos uniu era uma verdadeira cobra disfarçada de pele de anjo. Então fomos para aquele banco. Primeiro o dei chance para ele falar, pois, minha fala seria a de finalizar.

Ele queria me pedir em casamento e fugir comigo para Portugal. Como eu poderia abandonar tudo por ele? A quem eu não tenho mais confiança. E se eu fosse e depois como seria? Eu dependeria dele em uma terra estrangeira sem ter contato com pessoas conhecidas. Íamos começar a nos odiar. De cabeça baixa o escutava e tantas dúvidas passando pela minha cabeça. Ele pegou em minha mão e pediu uma resposta, pois, sua matricula já estava cancelada e que iria viajar em uma semana.

Minha resposta? Eu não poderia fazer aquilo. Soltei minha mão da sua e usei uma frase de efeito: “Não posso”. Me levantei e dei de costas. Não me dei a dúvida de olhar para trás. E nunca mais o vi pessoalmente. Me distanciei do círculo de amigos que pudessem me dar “notícias” sobre sua vida. Depois de alguns anos soube que teria voltado para o Brasil e que estava pela cidade. Nos falamos por instagram, mas muito superficialmente com uma promessa superficial de reunir o grupo de “amigos” para uma social, mas nada que se torne real.

Se meus leitores esperavam um final feliz dessa vez, eu peço desculpas, mas não assim que as verdadeiras histórias sempre acontecem. Só alguns sortudos e de alma muito nobre encontram e são fadados a serem felizes num encontro de almas que se amem.

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Comentários

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Cara, sua escrita é tão profunda que é impossível não se envolver! Quero continuar acompanhando suas histórias

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