IDAS E VOLTAS [62] ~ E o tratamento 2

Um conto erótico de Sandro
Categoria: Gay
Contém 4657 palavras
Data: 09/01/2024 12:26:03

Eu estava louco pra me livrar da quimioterapia já era final de agosto, minha vida tinha mudado totalmente de direção. No dia seguinte seria a sexta sessão, faltavam apenas duas para acabar. O médico já havia me avisado que não precisaria a radioterapia, uma vitória e se Deus quisesse logo estaria livre daquele pesadelo.

Lembrei que o doutor Geraldo me disse no inicio do tratamento para não pensar no final e sim vencer uma etapa por vez e até ali tudo vinha dando certo. Tanto sofrimento, tinha que ser compensado por alguma coisa.

Mesmo com a expectativa se precisaria ou não do transplante eu estava feliz, tinha muita vontade de viver, realizar meu sonho de trabalhar com arquitetura e provar ao Juliano que era ele que eu amava.

Neste dia ele chegou em casa e como de costume foi direto ao banho, tinha que fazer isso para ficarmos perto um do outro, pois sempre tínhamos um contato mais íntimo. Eu tinha acabado uma conversa com Diego pelo bate-papo, desde que soube que estava doente ele se comunicava comigo quase que diariamente.

Já havia guardado o note e estava sentado no sofá quando Juliano saiu do banho e veio ao meu encontro.

- Oi amor, está animadinho?

- Acabei de falar com o Diego.

- E como ele está?

- Bem, disse que pretende vir ao Brasil nas férias.

- Legal! – disse ele sentando-se ao meu lado e direcionando meu rosto para um beijo na face.

Está cansado?

- Bastante, a faculdade vai se aproximando do final e fica mais cansativo.

- Quando você termina?

- No ano que vem, depois vem a residência.

- Se Deus me permitir quero estar ao seu lado nesse momento.

- Vai estar sim, eu proíbo você de pensar diferente.

- Engraçado, o Diego sempre me fala essas coisas.

- Como vocês construíram essa amizade tão bonita depois de um envolvimento?

- Nós percebemos que envolvimento só ia estragar nossa amizade que já nasceu bonita e demos um basta.

- Quando ele estava aqui eu não gostava da aproximação de vocês.

- O Diego nunca te ofereceu o menor risco.

- Eu me lembro que você veio na festa de aniversário dele e depois no outro dia me deu maior esnobe.

- Você lembra essas coisas?

- Naquele dia eu fiquei muito chateado e Laura ainda fez aquela palhaçada no dia anterior, tive vontade de sumir.

- Eu acho que ali acendeu a primeira luzinha no meu inconsciente sobre você.

- Pena que demorou tanto pra você perceber.

- Devo isso ao João, foi na ausência dele que eu percebi que realmente era você que eu amava.

- Quando você foi embora com ele achei que tinha te perdido pra sempre.

- Você namorou outra pessoa depois disso?

- Tentei e até encontrei um cara legal, mas ai você apareceu e mudou tudo.

- Eu fiquei com muita raiva de você ter me trocado pelo Augusto.

- Você vivia naquela indecisão e eu não vou negar, depois de você, o Augusto foi o cara que mais amei, foi meu primeiro namorado, aprendi muita coisa com ele.

Você o amou de verdade.

- Assim como você amou o Roger.

- Eu me iludi com ele.

- E o João?

- Senti algo muito forte e cresci muito ao lado dele como pessoa.

- Um amor fraterno?

- Não, mas uma paixão capaz de deixar de lado todas as frustrações.

- Você pensou em mim nesse tempo que esteve fora?

- Eu sempre pensava, mas era diferente, toda vez que lembrava, via o Augusto entre nós e também sabia que você estava muito magoado.

- Eu me senti assim durante o tempo que namoramos, sempre tinha o fantasma do Roger.

- Você é muito inseguro, Ju.

- Você diz isso agora que está praticamente enclausurado nesse apartamento, mas assim que sair eu corro perigo.

Eu comecei a rir e ele também, foi engraçado, pois pela primeira vez falávamos no passado sem nenhuma cobrança e ressentimentos.

- Viu como você é inseguro?

- Você é lindo e sempre tem garanhão na volta.

- E você também, eu mal pisquei o olho e o Augusto tomou conta do pedaço.

De repente ele ficou sério.

- Você nunca vai esquecer isso, né?

- Esquecer não, mas podemos conviver, assim como teremos que conviver com as lembranças do Roger, nós não temos como apagar o passado.

- Você está certo, temos que pensar pra frente porque o passado já foi.

- Me dê sua mão.

Ele estava sentado ao meu lado e me estendeu a mão.

Eu abri a palma e comecei a desenhar cada traço, a mão dele desenhava duas letras M e olhando de outro ângulo formava um A.

- Você está vendo essas letras?

- São as ruguinhas da mão.

- Você tem A e M.

- E o que isso quer dizer?

- Amor.

Ele sorriu e virou a mão pra olhar.

- Quer dizer amor, eu descobri e fui a primeira pessoa a encontrar.

- Me deixa ver a sua.

Estendi as mãos, mas ele ao invés de fazer o que fiz, as levou até seus lábios e começou a beijá-las, senti cócegas e uma sensação maravilhosa. Neste dia eu estava bem, ele me puxou para sentar em seu colo, se aproximou mais e foi beijando meu pescoço bem de leve. Ficamos alguns minutos abraçados, às vezes ele me beijava no pescoço e eu retribuía. Aquele carinho foi aumentando e de repente ele parou.

- Você está bem amor?

- Estou bem sim, continua estava bom.

Ficamos alguns minutos em silêncio, eu sentindo sua respiração em meu pescoço enquanto acariciava seu cabelo, fazia isso toda vez que estava pra baixo e ele me acalmava.

Depois de alguns minutos na mesma posição, ele se afastou sorrindo e acariciou minha cabeça careca, em seguida beijou minha cabeça e minha bochecha.

- Acho melhor a gente parar porque eu não sou de ferro. – disse rindo e mostrando seu volume apertado na calça.

- Nós podemos resolver isso numa boa.

- Se aquieta amor, você está bem, mas não devemos abusar.

- Não vou fazer nada demais, só vou te dar carinho.

- Eu não quero te prejudicar, você já falou com o médico, ele quis te dar um remédio e não aceitou.

- Não aceitei porque poderia me prejudicar.

- Por isso mesmo estou pedindo, não vamos forçar.

- Estou ótimo e não vou fazer nada que não posso.

Aproveitei que estávamos sozinhos, tirei minha roupa e ele me olhando assustado. Depois comecei a tirar a dele e me interrompeu.

- Para amor.

- Confie em mim, já estou sabendo lidar com a doença e com meu corpo.

Ele consentiu e ainda me ajudou a terminar de tirar o resto da roupa. O abracei e ele retribuiu envolvendo suas mãos em minhas costas. O afastei um pouco para olhar em seus olhos. Ele sorriu, aproximou seu rosto do meu e beijou.

- Tenho tanta vontade de beijar sua boca.

- Eu também e sinto que logo podemos matar a saudade.

- Porque você fez isso?

- Quero retribuir todo amor que você tem me dado nos últimos meses.

Ele voltou a beijar meu rosto com sede, com fome, era como se tivesse beijando minha boca. Nesse dia eu senti que algo havia mudado em meu corpo e os desejos vieram á tona outra vez.

Meu coração estava a milhões, como era possível. Juliano percebeu que eu estava excitado, me abraçou mais forte ainda e começou a beijar meus ombros e meu pescoço. Sem pensar muito, falei.

- Essa noite eu quero fazer amor com você.

Ele interrompeu os beijos, sua respiração estava descompassada, segurei seu rosto em minhas mãos, olhei firme em seus olhos, que ficou apenas me olhando consumido pelo desejo.

- Você quer? – perguntou ele baixinho, mal dava pra ouvir.

- Eu quero fazer amor com você.

Beijei seu rosto não me importava com a barba, eu a adorava e também merecia alguns momentos de prazer depois de tanto sofrimento, mesmo que depois viessem as consequências. Alisei seu ombro quando dei o segundo beijo, ele fechou os olhos e deu um selinho em minha boca, mas voltou a me afastar.

- Não pode ser da maneira que você quer, mas podemos aproveitar de outro jeito.

- Você não quer?

- Eu quero tanto quanto você, mas devemos ter juízo, sua saúde está fragilizada e não pode se complicar agora no final do tratamento. Não vamos arriscar, falta pouco.

Fiquei um pouco frustrado, mas ele tinha razão.

Ele me estendeu a mão e fomos em direção ao quarto, pediu para eu deitar e em seguida deitou por cima de mim apoiando seus joelhos na cama e voltou a me beijar no rosto e no pescoço, era bom sentir o calor de seu corpo junto ao meu. Embora não fosse como desejávamos, mas já era um avanço em meio ao pesadelo que estávamos vivendo. Minhas pernas o abraçavam junto a mim, sentia seu membro duro roçando meu corpo. Ele alisava meu rosto e eu alisava suas costas de leve fazendo carinho.

- Essa é a loucura mais maravilhosa que estou vivendo.

- Embarca nela comigo, então.

Ele me deu um selinho na boca, seu membro estava animadinho enquanto trocávamos carinhos. De repente ele parou e olhou pra mim, estava sorrindo.

- Você é muito importante pra mim, vamos aproveitar esse momento, prometo que nada de ruim vai te acontecer, eu te amo!

- Eu também te amo e quero muito.

Ele se ajoelhou na cama e eu me sentei. Na verdade fui guiado por ele pegou em minhas mãos e as direcionou em seu abdômen, fiquei alisando e sentindo alguns pêlinhos salientes que tinham ali.

Ele deitou na cama, alisava minhas pernas e minha virilha, uma sensação muito gostosa, pois eu estava bem sensível. Minhas mãos também deslizavam em seu peito, e quando me empolgava aplicava selinhos e logo ele bloqueava, mas aproveitava cada segundo daquele carinho.

Depois ele me deitou e foi passando sua língua em toda extensão do meu corpo, eu me sentia estranho, o desejo vinha e voltava, mesmo assim foi lindo, pois Juliano conseguiu me arrancar alguns gemidos.

Ficamos de joelhos na cama sempre nos acariciando e pela primeira vez ele pegou meu membro e foi masturbando, sentia uma mistura de tudo, prazer, excitação e ansiedade porque em alguns momentos o desejo sumia. Ele sempre paciente, foi levando tudo com muita calma até que finalmente sentou na cama e pediu que eu sentasse em seu colo. Entrelacei minhas pernas em seu corpo e fomos simulando uma penetração de forma envolvente, trocávamos carinhos até que chegamos ao ápice e depois de muito tempo voltei a sentir prazer.

Quando terminamos estávamos esgotados, ele gozou muito, sujamos os lençóis da cama, mas valeu à pena. Saí de cima das pernas dele e voltei e deitar, em seguida ele deitou ao meu lado de bruços apoiando seus braços para ficar ao meu alcance.

- Você está bem?

- Como não estaria com uma pessoa tão maravilhosa como você ao meu lado.

- Agora precisamos de um banho e rápido.

- Estou muito cansado quero dormir.

- Depois do banho amor, vem que eu vou te levar. – disse ele rindo.

- Será que você pode comigo?

- Você está bem levinho, é fácil.

Ele me pegou no colo e me levou para o banheiro. De tão magro que eu estava Juliano conseguiu fazer isso.

Entrou no Box e ligou o chuveiro, pegou o sabonete e foi passando em cada centímetro do meu corpo, me deu um banho completo. Depois foi a minha vez, ele ainda estava com seu membro meio ereto, fiquei acariciando e logo ele me interrompeu.

- Para amor, assim você me tortura.

- Vou bater uma pra você.

- Você não estava com sono?

- Estava, mas agora passou.

Comecei com os movimentos lentos e não demorou muito estava totalmente ereto, suspirou forte e começou a tocar em seus mamilos.

- Você é louco e eu mais ainda.

Aumentei os movimentos da punheta, arrancando-lhe gemidos baixos, circundava a cabeça de seu pênis e voltava a percorrer toda extensão com a mão. A medida que masturbava sua respiração ficava pesada, suas pernas ficaram trêmulas e alguns minutos depois ele gozou mais uma vez.

Enquanto Juliano se recuperava, voltei para o chuveiro pra limpar minhas mãos e logo em seguida ele me abraçou por trás.

- Eu te amo, mas não devemos abusar.

- Estou ótimo.

- Vem, vamos sair da água, você não pode se resfriar.

Saímos do chuveiro, ele me envolveu numa toalha enrolou outra em sua cintura e voltamos para o quarto. Depois ele me passou um creme hidratante na minha pele conforme recomendado pelo médico. Fazia isso todo dia e finalmente me fez colocar uma roupa, pois estava com receio que eu pegasse um resfriado.

- Está com sono?

- Muito, agora o sono voltou.

- Então dorme amor.

Deitei e não vi mais nada, estava morrendo de sono. No dia seguinte senti a mão de Juliano me envolvendo, virei na cama e notei que ele dormia tranquilamente. Fiquei quietinho velando seu sono. Fiquei assim por mais de hora até que o celular dele espertou e ele acordou.

- Bom dia amor.

- Bom dia, você já está acordado?

- Hoje é minha sexta sessão de quimio, daqui a pouco o Tiago chega.

- Você está bem?

- Maravilhosamente bem e devo isso a você.

- Ontem eu fiquei preocupado, abusamos e você sabe que não pode se resfriar.

- A temperatura estava agradável e eu me sinto bem, nem me senti culpa por ter aproveitado.

- Mas eu me sinto responsável e preciso cuidar bem de você.

- Está bem doutor.

- Não sou ainda, mas sou quase e por isso tenho que ter cuidado redobrado, pois além de ser meu paciente você é o meu namorado.

- Não me disseram que eu era seu paciente?

- Mais é coisa linda e eu te amo muito.

Ele me abraçou, mas não me beijou no rosto, pois não fazia nenhum carinho em mim sem antes fazer a higiene.

- Amor, hoje eu não vou com você, o professor marcou de nos encontrarmos no hospital, vou ficar o dia todo lá e só volto à noite.

- Não se preocupa comigo, o Tiago vai me acompanhar.

- Mesmo assim eu pedi pra Tia Joana ficar aqui até o Tiago chegar.

- Obrigado amor, você sempre cuidando de mim.

- Ontem eu trouxe um presente, mas você estava com sono, deixei pra hoje.

- Um joguinho novo?

- Você está viciado, hein?

- Claro, não tenho nada pra fazer, passo os dias encerrado nesse apartamento.

- Não é jogo, mas eu acho que você vai gostar.

- Fala logo, não me deixa mais curioso que estou.

- Lembra do meu amigo que tem um jornal de bairro?

- Claro que lembro você me disse que tentaria algo pra eu fazer, mas nunca mais falou no assunto.

- Eu não falei nada porque não sabia se ia dar certo, mas ontem ele me ligou e disse que tem algumas matérias para serem digitadas e disse também que você pode ajudá-lo a criar anúncios para colocar nos classificados.

- É sério?

- O convidei pra conversar com você depois de amanhã, já que hoje vai passar pela quimio e sempre fica abatido no dia seguinte.

- É sempre assim, nos primeiros dias ela acaba comigo.

- Falei do seu tratamento, mas ele disse que isso não interfere, não é algo de compromisso como um funcionário.

- Obrigado amor, não sei nem como agradecer.

- Mais eu sei.

- Como?

- Me amando sempre. – disse rindo.

- Isso você nem precisa pedir, pois eu o amo cada dia mais.

- Que declaração gostosa pra começar um dia cansativo.

Ele me abraçou novamente, depois levantou e foi para o banheiro tomar banho. Nem o vi sair, peguei no sono novamente e só acordei por volta das dez da manhã quando Tiago chegou para irmos até o hospital.

Bom dia maninho, como você está?

- Melhor impossível. – falei enquanto me espreguiçava na cama.

- Hum... Estou começando a achar que essa estadia na casa do Juliano está te fazendo bem.

- Maravilhosamente bem, foi à melhor escolha que eu fiz.

- É gratificante ver você feliz, mesmo enfrentando esse problema grave.

- Aprendi com doutor Geraldo, sofrer por antecipação não me leva a lugar nenhum.

- Que bom, teve momentos que achei que você fosse ficar depressivo, sempre o via tão caidinho.

- Amanhã com certeza estarei assim.

- É para o seu bem e já está acabando.

- Amém, mas hoje eu tenho certeza que ela não vai me derrubar como das outras vezes.

- Então vamos nos arrumar?

- Sim, o abatedouro me espera.

Ele sorriu, mas eu senti que Tiago ficou aliviado em me ver bem naquele dia. Eu realmente tinha o preocupado com as reações quando iniciei o tratamento.

Chegamos ao hospital e como sempre fui bem recebido e em alguns minutos já estava na maquininha e lá se foram cinco horas recebendo medicação. Pra passar o tempo contava com a companhia do Tiago que me colocava a par de tudo que estava acontecendo.

Voltamos pra casa já era final de tarde, pedi para o Tiago não viajar já que o dia no hospital foi maçante devido às longas horas de espera. Neste dia ele ficou comigo até o Juliano chegar, depois foi dormir no meu apartamento.

Naquele dia eu nem conversei com Juliano, estava enjoado, fiquei quietinho na cama tomando meus remédios e escovando os dentes de duas em duas horas.

Dessa vez o efeito foi cruel, passei cinco dias na cama em repouso total, tive muito enjôo, boca seca e febre. Juliano já estava preocupado comigo, mas era uma reação normal ao efeito da quimio, ele sempre ligava para o doutor Geraldo e ficavam conversando por muito tempo sobre o meu tratamento.

Não pude nem falar com o senhor do jornal, mas ele me deixou o telefone e liguei depois que comecei a melhorar.

Uma semana após a quimio, meu corpo começava a reagir. Já estava louco que chegasse o dia da sétima sessão, queria me livrar logo, apesar de que eu ainda não sabia se precisaria do transplante, tudo era muito lento.

Semanalmente mantinha o controle de minhas defesas, eu me sentia forte, pois ao mesmo tempo em que lutava acompanhava a luta de outros amigos, os quais nem os conhecia direito, alguns nem saíam do hospital e neste momento o medo me abatia.

Meu tratamento era praticamente domiciliar, peguei uma equipe médica maravilhosa, era ótima, além de contar com os benefícios do plano de saúde, podia dizer que eu era uma pessoa de sorte.

Em uma de minhas consultas o médico me falou que possivelmente teria que passar pelo transplante, só de pensar nisso eu me apavorei.

Recebi o primeiro texto para digitar ao jornal, fazia tanto tempo me sentindo ocioso que digitei numa tarde e ainda elaborei alguns classificados. Todo dia chegava alguma coisa e naquela mesma semana veio o pagamento.

Fiquei feliz, não por ter recebido, mas por me sentir útil. Olhei para o dinheiro e pensei. O que vou fazer? Não era muito, mas pra mim tinha grande valor. Eram duzentos reais e tinham que servir pra alguma coisa. Esperei Juliano chegar e falei com ele.

No final da tarde, ele chegou, tomou banho como sempre fazia e só depois veio conversar comigo.

- Oi amor, pela carinha animada estou percebendo que já está reagindo à medicação.

- É verdade, hoje estou ótimo.

Ele sentou ao meu lado e me deu um beijo no rosto, já era rotina beijar no rosto. Pensei, se eu melhorasse será que ele faria o mesmo depois, sempre me perguntava isso nos momentos de inércia em que não fazia nada.

- Ju, eu vou precisar de um favor seu.

- Faço até dez, o que você quer?

- Quero fazer uma doação.

- Doação?

- Quero doar o dinheiro que eu ganhei do jornal.

- Que bonito amor.

- Eu sei que é pouco ou quase nada, mas já é alguma coisa.

- Eu faço pra você e pra quem vai doar?

- Eu quero doar para a luta do câncer.

- Que lindo esse meu namorado, tenho muito orgulho de você.

- Agora mudando de assunto, você sabe como é o transplante?

- Você está preocupado?

- Apreensivo e com medo.

- Ao invés de medo tenha fé que tudo vai dar certo, você está em boas mãos.

- O Dr. Geraldo me falou que talvez eu tenha que passar por transplante. Estou com medo.

- O transplante é como começar de novo, zerar tudo e implantar a nova medula que vai te trazer só coisas boas.

- Eu vi vocês conversando ao telefone sobre isso, você sabe como funciona?

- Você é muito curioso, fica de olho nas minhas ligações, vou dar um jeito nisso. – disse ele rindo.

É sério amor, eu quero saber.

- Eles colherão seu sangue e depois vão trabalhar esse sangue para confirmar se será bem aproveitado, enquanto isso você vai receber quimioterapia oral durante alguns dias para zerar seus leucócitos.

- Quimioterapia de novo?

- Sim amor, a quimioterapia é boa porque é ela que mata as células ruins e durante esse período os cuidados terão que ser redobrados, provavelmente você ficará isolado. Tudo terá que ser esterilizado, inclusive a comida. O Dr. Geraldo me disse que você só poderá ficar com um acompanhante usando máscara o tempo todo, bem como uma roupa especial, inclusive toda a equipe médica que irá tratar de você.

- Você não estará comigo?

- Você pode escolher eu ou o Tiago.

- Eu quero os dois.

- Não dá amor, isso é muito sério, mas eu acho que por uma questão de justiça você deve escolher o Tiago. Eu estarei aqui fora torcendo pra que tudo dê certo e vou me comunicando por telefone.

- Poxa, que notícia triste você me deu, a sua companhia me acalma.

- Tenha certeza que pra mim será mais complicado do que pra você.

- E depois?

- Depois eles vão iniciar o transplante da medula, implantando as células que estavam trabalhando em seu corpo e você ficará por uns 20 dias sendo monitorado no hospital, recebendo vários tipos de medicamentos.

- Será que vou aguentar isso?

- Vai sim, porque você precisa lutar por seus sonhos, essa é a saída, não desista jamais.

- Agora eu percebo porque muitos perdem a luta.

- Tem que ter foco amor, estar bem preparado porque nesse período você ficará mais propenso a ter infecções.

Depois dessa conversa fiquei muito triste, ele teve toda a paciência comigo. Este foi o pior momento, Juliano chamou o Tiago pra conversar, pois eu tinha que decidir qual dos dois ficaria comigo. Estava bem dividido, pois em alguns momentos, mesmo que de relance me passava à ideia que poderia não sair vivo daquele hospital e eu não queria morrer sem me despedir do Juliano.

Em setembro foi meu adversário e como sempre estavam Juliano e Tiago. Os dois prepararam um jantar especial pra mim. Não foi como sonhei comemorar meus 21 anos, mas eu tinha que agradecer por estar vivo. Essa era a missão que eu estava aprendendo, jamais reclamar da vida.

Foi um dia especial, o telefone não parava de chamar, eram meus amigos me desejando sorte no transplante e ao mesmo tempo me felicitando pelo aniversário. Eu já estava com saudade deles, nem quando fui pra Argentina senti tanto a ausência dos meus amigos como durante o tratamento, não sei se estava sensível, mas a presença deles me fazia falta.

Conversei com Fernanda pelo telefone, fiquei sabendo que ela já estava no sétimo mês de gravidez, disse que se casaria com Fernando logo após o nascimento do bebê. Era um menino e ainda não tinha nome escolhido.

Breno me mandou um livro de presente “A Arte de Fazer Acontecer” do autor David Allen. Fiquei muito feliz, pois ele nunca se esquecia de mim. Colocou uma dedicatória “meu menino este livro ainda vai te ajudar muito no futuro. Sei que logo você vai sair dessa e se tornar uma grande profissional da arquitetura como é o seu sonho, mas nem só de desenho e projeto vive um arquiteto. Leia esse livro e tente aplicar na sua vida pessoal e profissional. Breno”.

Marta me deu uma camisa muito bonita da Sidewalk e junto me mandou as notas de suas provas, ela estava indo bem e nem preciso dizer que fiquei muito feliz, pois a incentivei muito em voltar a estudar.

O Rafael me mandou uma mensagem pelo celular “irmão, não vejo a hora em que posso te dar um abraço”

Recebi várias mensagens neste dia, tinha certeza que se eles pudessem, diriam presencialmente e com uma boa farra como sempre fazíamos. Todo esse carinho foi bom, um alento aos dias que viriam.

Após a sétima sessão de quimioterapia o médico me confirmou tudo que Juliano já havia me falado, tinha que passar por isolamento completo, essa idéia me causava pânico. Quanto mais se aproximava o final das sessões de quimio mais eu me desesperava. Foi então que entrou mais um médico no meu tratamento, até aquele momento não foi necessária sua participação, pois eu vinha reagindo bem, mas nos últimos dias havia regredido. Tive que fazer sessões com um psicólogo e foi bom demais, ele me fez entender que o mundo aqui fora esperava por mim.

Para a última sessão de quimio Juliano ficou gripado e teve que dormir na casa da tia Joana. Senti falta dele, meu fiel companheiro nos momentos difíceis, mas eu sabia que ele me levou em seu coração e em seus pensamentos. Tiago ficou comigo e depois disso não voltou mais pra casa.

Os dias passaram e no inicio de outubro tive que fazer uma nova tomografia e tão bela e feliz foi minha surpresa que os nódulos desapareceram, mas mesmo assim precisava fazer o transplante de medula.

No dia 09 de outubro de 2012 baixei o hospital novamente, já estava mais conformado. Um dia antes da baixa, Juliano voltou pra casa já estava bom da gripe. Tivemos pouco tempo pra ficarmos juntos, mesmo assim ainda recebi alguns beijos no rosto, mas que valeram muito, pois levei comigo aquele momento e me ajudou muito na recuperação.

Fiquei internado dois dias e já recebi o comunicado que iria para a ala dos transplantes para colher as células da minha medula para finalizar o tratamento. Um frio percorreu meu corpo, já não sabia mais nada sentia que estava perdendo o controle da minha vida.

Nas horas vagas contava com apoio do Tiago, pelo note e celular ele me trazia notícias do mundo externo. Meus amigos não paravam de mandar mensagem de incentivo e o Juliano mesmo a distancia falava comigo todo dia pelo telefone.

Já na ala de transplante de medula me solicitaram alguns exames e me encaminharam para tratamento da mucosite, também me informaram que meu tratamento seria a laser.

Fiquei internado por quinze dias na ala de transplantes, tive que ficar em isolamento total, nem o Tiago podia me acompanhar, mas ele tinha um horário de visita que não era muito longo.

Nesses quinze dias que passei fazendo exames, precisei fazer uma transfusão de sangue e tive uma reação alérgica, mas correu tudo bem graças a competência da equipe médica e ao meu bom Deus que sempre esteve ao meu lado. Depois que melhorei fiz uma biopsia que doeu muito, exatamente como a primeira no inicio do tratamento.

No inicio de novembro recebi o resultado da biópsia, nesse dia eu chorei de felicidade, pois a doença estava totalmente disseminada e eu poderia realizar o transplante de medula óssea autólogo, ou seja, das minhas próprias células.

Tiago sempre ao meu lado, nas alegrias e tristezas, Juliano sempre ao telefone, ele estava tão aflito quanto nós, mas mesmo assim tentava me acalmar.

O próximo passo seria a preparação para retirada das células, tomei granulokine durante sete dias e meus leucócitos não subiram, fazia pouco tempo que havia feito quimio, mas os médicos me tranquilizaram, disseram que era normal e tive que esperar mais uma semana pra reiniciar as aplicações e novamente a expectativa para que meus leucócitos subissem para iniciar o transplante.

A notícia chata veio uma semana depois, precisaria fazer cirurgia, pois minhas células da medula não partiram pra corrente sanguínea e por isso não tinha como colhe-las pela veia.

Diante de tanto sofrimento nada mais me assustava, eu apenas confiava na equipe médica que estava me atendendo, enquanto isso Juliano me passava confiança por telefone, pois eu já estava assustado.

No dia 10 de dezembro de 2012 realizei a cirurgia para colher as células da medula óssea, com anestesia geral. Deu tudo certo, parecia que finalmente meu pesadelo estava perto do fim.

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