O Médico [19] ~ Revelações

Um conto erótico de BENJAMIM
Categoria: Gay
Contém 8264 palavras
Data: 21/01/2024 20:01:20

Ele foi tirando do bolso interno do paletó os nossos anéis, pôs o dele em cima da mesa e ficou segurando o meu nos dedos.

- E então, quer se casar de novo comigo?

- Ai, Rique, por que você faz isso comigo?

- O que foi?

- Ai, eu vou chorar.

- Oh meu lindo, chora não senão eu também choro.

- A minha aliancinha querida!

- Você quer se casar comigo?

- Sim, sim, sim... é tudo o que eu mais quero!

- Então deixa eu te pôr o anel.

Ele foi desenrolando o anel no meu dedo anelar e depois eu fiquei paquerando aquela peça da qual eu sentia falta.

Depois, ele pegou a aliança dele, me deu na mão e estendeu o dedo para que eu colocasse a aliança dele.

Depois de colocadas, ainda pensamos em nos beijar, mas estávamos em público e preferimos nos conter.

Depois daquela rápida e singela cerimônia matrimonial, não tinha mais sobremesa que suprisse a vontade de estarmos juntos numa cama.

O anel foi posto nos nossos dedos e a conta da refeição foi posta sobre a nossa mesa logo em seguida.

A lua ainda estava nervosa de tanto brilho e as paredes daquele lugar mágico pareciam encobrir uma poeira de amores antigos.

Quantos casais apaixonados não se prometeram uns aos outros naquele lugar?

Chegamos ao estacionamento. Ele entra primeiro no carro, mas não me deixa entrar.

De repente, ele sai com uma latinha estranha na mão. Ao apertar de um dedo, um jato de spray sai da tal lata e ele escreve no vidro traseiro do carro:

"Recém Casados"

- Ai que lindo, Rique!

- O que se faz depois do casamento?

- O quê?

- O quê?

- Não estou entendendo.

- Só falta uma coisa pra essa união ficar completa.

- O quê? Fala!

- Lua de mel, oras!

Entramos no carro e eu fui o caminho todo olhando para o dedo anelar.

Era tão bom sentir aquela aliança na minha pele...

Eu sempre fui de querer um só pra vida toda e aquele anel significava tudo isso.

Não dissemos uma palavra - o que dizer? - durante o trajeto do restaurante até o hotel.

Chegamos. O Henrique abriu a porta e na euforia me levantou nos braços e entrou comigo no quarto como um casal recém-casado. Ele foi me carregando até a cama, me jogou em cima dos lençóis e caiu em cima de mim.

Estávamos felizes e os nossos sorrisos irradiavam toda essa alegria. Ríamos muito.

Depois dos risos, vieram os beijos. Começaram rápidos e extrovertidos. Eram beijos que se confundiam com risadas.

Enquanto nos beijávamos, os nossos lábios riam. Mas a alegria descontrolada começava a dar espaço ao desejo intenso, refletindo uma noite de pura paixão e romance. Os beijos ficaram lentos e intensos e os corpos começavam se tocar; depois as mãos começaram a explorar um o corpo do outro. Enquanto as minhas mãos pousavam nas imensas costas dele, as dele deslizavam na minha cintura. Os corpos ficaram mais próximos até que os tecidos das roupas começaram a se friccionar um no outro, fazendo calor e produzindo suor. Suor e beijos quentes só podem dar em uma coisa: excitação. A excitação dá lugar à respiração ofegante e a língua parece que fica mais molhada com isso e, na sede, procura-se o gosto da boca do outro.

Não dava para continuarmos sentados na cama, os nossos corpos começaram a se deitar voluntariamente e os corpos se esfregavam ainda mais. Ficamos bem ofegantes e as nossas camisas não poderiam mais ficar grudadas nos nossos troncos, então ele foi tirando a minha.

Ele ficou por cima. Ele ficou sentado em cima de mim. Começou a tirar a minha camisa, passou a mão espalmada sobre o meu peito, apertou o meu mamilo com um leve beliscão e depois arrancou com um só movimento a camisa que ele vestia.

Meus olhos vigiavam os dele e vice-versa. As camisas sumiram e a língua dele adentrava na minha boca ocupando todo o espaço. Eu quase nunca consigo mexer a minha língua quando a dele entra em ação. É fisicamente impossível. É como uma avalanche de desejos invadindo a boca e sufocando em um único beijo.

Ele estava mais forte que nos dias passados e começou a pesar o corpo dele sobre mim.

Começamos a rolar na cama para compensar o peso até que paramos comigo em cima. Eu sento em cima dele e agora é vez das calças desparecerem. Eu tiro a dele, desço da cama e puxo as pernas. Depois da calça dele tirada, ainda de pé, tiro a minha. Mas ele nem espera eu me deitar e já tira a cueca e a arremessa na minha cara.

- Já começou a folia, não foi?

- Como se você não foliasse também, não é?

Tiro a minha cueca em pé, jogo-a para trás e vou em direção da cama. Subo no colchão de quatro e vou em direção a ele.

Os beijos recomeçam, mas agora estamos nus e isso faz toda a diferença. A pele quente dele contamina a minha pele fria que logo, logo, fica na mesma temperatura daquele homem.

Imagina pernas grossas e peludas engolindo as minhas coxas, lisinhas, por inteiro!

Uma das partes mais sensíveis e erógenas do homem é a parte interna das coxas. Os rodopios recomeçam na cama e rolávamos de um lado para o outro.

- Parece que faz anos que não fazemos isso.

- Ai, que fogo! - eu ofegante.

Como se ele quisesse fugir dos meus beijos e afagos, ele dribla os meus abraços e vai em direção à calça dele, tira a carteira do bolso e de lá pega uma camisinha de embalagem dourada. Joga a carteira no chão, tira o lacre da tal embalagem e desenrola num cacete enorme, rijo e vermelho de tanta esfregação.

Mas o que o Henrique gostava mesmo era de beijar.

Estávamos super excitados e a primeira coisa que ele fez depois de pôr a camisinha foi me abraçar e devolver a língua dele na minha boca. O beijo foi forte e nossos rostos passeavam de um lado para o outro.

Aqueles estalinhos de beijos ficaram mais altos. Dava pra ouvir os movimentos das nossas línguas unidas. O lubrificante da camisinha começou a roçar no meu abdômen e eu pude sentir o pauzão quente dele no meu umbigo e o saco sendo esfregado no meu.

Doía de tão duro que estava o meu pau. Parecia querer explodir, mas tudo o que o Henrique queria era beijar. Na verdade, tudo o que ele mais gosta é me deixar na vontade... típico dele.

Mas ele também não estava mais se aguentando. Foi abrindo as minhas pernas e em cima de mim foi se introduzindo. Um gemido alto soou da minha boca, joguei a cabeça para trás nesse gemido e só pude sentir o Henrique entrando em mim e a língua dele umedecendo o meu pescoço.

Ele não chupava, ele lambia como um picolé. Os meus joelhos tocavam a cintura dele, os meus pés pareciam querer tocar o teto do quarto enquanto aquele homem fazia um vai e vem um pouco rápido. Eu já não mais gemia, eu gritava, mas a boca dele, em especial a língua, estava ocupada, me lambendo o pescoço.

Era inevitável que os movimentos ficassem mais rápidos devido ao teor de tesão em que nos encontrávamos. Até mesmo o Henrique começava a gemer mais ferozmente para mim e isso me deixava louco. Ele apoiou as duas mãos na cama para poder acelerar dentro de mim enquanto o seu saco batia no meu e os nossos pelos se cruzavam naquela loucura.

Os meus joelhos prenderam-se na cintura dele como se eu tivesse medo de deixá-lo partir. Agarrei-me aos travesseiros e comecei a sentir que o Henrique mexia os quadris em movimentos circulares como se ele estivesse adiando a ejaculação, como se tivesse chegado ao clímax, mas evitando que isso acontecesse.

Um gemido quase infantil saiu da boca dele.

- Ah, B... me beija forte!

As mãos dele se agarraram à minha cintura e o corpo dele se juntou ao meu.

Estávamos mais suados que no início. Ele me beijava, mas o vai-e-vem tinha ficado mais lento. Senti a mão dele tentando alcançar o meu pinto. Quando ele finalmente conseguiu, voltou à antiga posição, tirou a língua de dentro da minha boca e voltou a fazer os movimentos rápidos de antes, só que agora ele me masturbava na mesma velocidade. A minha boca ganhou vida própria e num momento de despudor, soltei gemidos agressivos e altos. Ele gozou primeiro, mas continuou me acariciando, me fazendo gozar na mão dele logo em seguida. Tentamos recuperar os fôlegos, mas não conseguíamos. Tínhamos nos esforçado muito para proporcionar aquele prazer um para o outro.

Deitamos um sobre o outro e tentamos descansar a euforia de antes. Mas como estávamos excitados!

As bocas queriam se encontrar de novo e as línguas queriam sufocar uma à outra. As mãos queriam tocar o máximo possível de pele do corpo do outro e nas partes mais nervosas dos nossos corpos. Se fagulhas não saíram, chegamos perto. Tentávamos respirar pela boca, mas não conseguíamos. Foi agoniante. Foi intenso. Foi prazeroso. Tentávamos respirar pelo ar que recebíamos um da boca do outro, mas não era o bastante e logo estávamos nos beijando mesmo assim.

- B, me beija mais!

- Ai, que sufoco.

- Vem, não para de me beijar, me beija mais.

Da cintura pra baixo estávamos quentes e molhados de espermas. Só um banho bem tomado poderia nos limpar. Fomos para o banheiro, abrimos a torneira do chuveiro e caímos debaixo d'água. Estava fria, mas não o bastante para acalmar os ânimos. Ficamos abraçados, contradizendo o momento erótico anterior; agora nós estávamos mais sensíveis e românticos.

- Saudades de te abraçar debaixo do chuveiro.

- Vamos ficar assim.

Até quanto tempo? Não muito. Abraço não satisfaz o desejo demolidor de dois corpos sedentos pelo tesão.

Começamos no beijo de novo e agora era eu que não continha o fogo. Me ajoelhei e chupei-o com toda a força, nem queria saber se estava machucando ou não, suguei-o com toda a pressão interna da minha boca. Os gemidos infantis deram lugar a gritos de um macho desesperado. Ele gritava, berrava e acariciava os meus cabelos com as duas mãos; às vezes colocava a mão na testa como sinal do prazer recebido. Espremia os olhos e gritava. A água escorria pelos nossos corpos e eu não parava de chupar até que sinto um jato garganta adentro. Engulo tudo como uma obrigação, limpo algo que tenha ficado nos lábios e, ainda de joelhos, olho para o Henrique lá no alto com um olhar de dever cumprido e de carência. - nunca vou esquecer isso - Ele se sensibiliza com o meu desejo quase apelativo, se ajoelha e me abraça como sinal de agradecimento. Ficamos de joelhos no chão do banheiro deixando a água correr e choramos mais uma vez.

- Eu devo confessar que nunca fiquei tão emocionado. - ele falou.

- Que estranho que é a gente aqui chorando.

- Estranho foi eu ter ficado há tanto tempo tão longe de você. Me beija?

- Que cheiro de pau molhado!

Depois do banho e dos milhões de beijos consumados, só restava uma coisa a se fazer:

- Rique, a gente tem que conversar.

- Já sei sobre o quê. - com uma voz conformada e triste.

- Por que você não se separou da Débora?

- Senta aí direitinho que a história é longa.

A expressão do Henrique não era nada boa. Ele estava triste, aparentava não querer contar, mesmo sabendo que era necessário.

Entendi naquele momento, antes de ele começar a falar, que ele tinha vergonha. Eu me lembrei das tantas vezes que eu quis falar pra minha mãe que eu era gay. Eu não queria contar, via dificuldade nisso, mas achava necessário. Era o que estava acontecendo com o Henrique.

- Você está nervoso, Rique! Calma, relaxe, conte se achar que deve contar.

- Eu devo contar, mas...

- Conte se tiver à vontade.

- Não estou porque não me orgulho disso, mas tenho que contar.

- Não tem pressa, Rique.

Ele ficou um tempo de cabeça baixa. Aquele homenzarrão todo miúdo na cama, espremendo os braços, baixando os ombros, ficando corado. Me partiu o coração. Eu o abracei, coloquei a cabeça dele junto ao meu peito e comecei a fazer carinho na cabeça dele, até que ele dormiu. Parecia uma criança. Na verdade, a única coisa de homem que o Henrique tinha naquele momento era o corpo, porque naquela noite parecia que ele tinha quebrado um vaso de cristal e estava com medo de contar aos pais.

Decidi que eu não ia perguntar mais sobre isso, porque mais cedo ou mais tarde, eu iria acabar sabendo, além do quê ele tinha plena consciência de que deveria me contar.

Decidi que tudo aconteceria no ritmo dele. Deixei-o dormir e acabei dormindo logo em seguida.

Na manhã seguinte, eu saí primeiro da cama e fui para a varanda da suíte. Fiquei um tempo lá recepcionando os primeiros raios de sol do dia. Sentei-me na poltrona e olhava para o horizonte desenhado pela linha do mar.

Minutos depois eu ouço um soluçar vindo da cama e um "B?"

- Estou na varanda.

- Ai, ai, nossa dormi que nem senti. Chega mais pra lá, ou melhor, levanta e senta no meu colo... Ah, assim tá bom... Hum! Vem, me abraça!

- Hum, lindinho!

- Te amo!

- Idem, idem.

- Aff, odeio quando você fala "idem".

- Haha... e eu não sei?

- Você faz pra me provocar, né?

- Eu? Sou tão inocente!

- Vai, fala direito.

- Hum, tá bom. Eu te amo também, seu bobão!

- Assim tá melhor.

- Hehe.

- Hehe.

- Hahahaha.

- AH hahahaha!

- kk.. onde a gente está arrumando graça?

- Sei lá. Haha.

- Êh felicidade!

- Que sempre dura pouco. - ele.

- Eita, cortou o barato. - eu.

- Porque eu tenho que te contar aquilo, lembra?

- Sim.

- Pois bem.

- Então conte.

- É tão difícil, Benjamim...

- Conte quando achar que deve.

- Mas eu devo, só não quero.

- Então não conte.

- Mas você precisa saber.

- Contanto que você seja meu, não precisa, não.

- Preciso sim.

- Tá; desembucha!

- Lembra que eu sempre te contava que queria entrar naquela associação e falava que me ingressando lá eu teria reconhecimento e tals?

- Tá; e daí?

- E daí que eu consegui.

- Que bom, Rique; parabéns!

- Hoje sou muito respeitado na comunidade médica daqui e tals, mas... bem, a Débora também queria entrar na associação. É importante pra ela também. Mas não é fácil assim. Ela só é graduada e tem umas especializações mixurucas e tals. Mas se você tiver quem indique, você entra com mais facilidade. Eu já tinha recomendações de professores meus e de cursos que eu tinha feito e o meu currículo me ajudou bastante. Só que a Débora, ela é meio desleixada... enfim, curto e grosso: ela entrou mais pela grana nessa profissão mesmo.

Eu previa o que vinha da boca do Henrique depois do que ele acabara de falar. Não era difícil adivinhar. A Débora realmente não era flor que se cheirasse e ela tinha arranjado alguém ideal para parasitar: um cara depressivo, carente, dependente, vítima das paredes repressivas da sociedade. Alguém que precisava de ajuda e avistava qualquer mão passando, como sinal de esperança.

- Quando eu conheci a Débora, eu encontrei nela a esperança de me dar bem, de não ter problemas quanto a minha sexualidade. Eu ia me casar com ela e me manter com você. Era só nisso que eu pensava. Hoje eu vejo que mesmo que você tivesse aceitado, mesmo assim, a minha vida estaria um inferno. O inferno que é hoje.

- Então você quer dizer que ela sabe que você é gay?

- Sim, desde o início.

- Então por que vocês ficavam?

- Ah, em público, tinha que ser.

- Mas vocês também ficavam quando estavam a sós. Rique, você não é bi não, né?

Não entendia o porquê do Henrique ser tão submisso a ela. Ouvia histórias de quando ele era um adolescente e ele até era brigão na escola, mas parecia que ele havia amolecido.

Fiquei com dó, mas, mais que isso, fiquei com raiva. Raiva dele por permitir. E dela por ser a pessoa que é.

- Não, eu não sou bi. Mas apesar de ela saber... bem, eu não sei como explicar, mas ela tem uma obsessão por mim, mesmo sabendo que eu sou gay. Ela me pede pra ficar com ela, pra dormir com ela. Ela não gostava de saber que eu saía com outros caras; não pelo medo de descobrirem, ou pelo medo de eu me revoltar e deixá-la, mas ela tinha ciúmes, entende?

- Não! Ela não é boa da cabeça, essa menina é doida.

- Quando a gente - eu e o Henrique - ainda ficava, algumas pessoas lá da sala ficaram sabendo na época, mas não rolou na boca do povo, nem sei por que, mas não deu manchete. Duas semanas depois da gente começar a namorar, ela me perguntou se era verdade uma coisa que ela tinha ouvido falar de mim e eu disse que não. Acho que ela acreditou, ou pelo menos não me chateou mais com isso. Mas pra tanto eu tinha que me comportar como o machão e tals, mas uma hora ou outra, ela descobriu e eu não pude negar e ela aceitou que eu ficasse com ela de fachada. Foi estranho saber que ela aceitaria, mas era o que eu queria naquele momento.

- Hum, sei, entendi.

- Você tá louco? Eu, bi? Definitivamente as mulheres não me atraem.

- Tá, mas você ainda não disse o porquê de não ter se separado.

- Er... bem... Você vai me achar um banana quando eu disser.

- Acho que já estou pensando nisso antes de você contar.

- Poxa!

- Ah, o que eu posso fazer? Você me passa essa sensação de impotência.

- Tá, eu não te culpo. Ela não gosta de me dividir com ninguém, mas fica com outros caras na cara dura, por isso que eu quero que ela se passe por ruim e não eu.

- Tá, Rique; mas por que você ainda não se separou?

- Lembra do cara com quem eu fui para aquele congresso e ele disse que ser gay na área médica era ruim pra credibilidade? Pois é, o pai dele é o presidente da associação daqui e eu conheci a Débora nesse congresso. Ela era do meu grupo. Depois que casamos, ela começou com uns papos estranhos sobre a associação e eu achei que ela queria uma forcinha pra entrar também. Ela entrou, mas o papo estranho continuou e eu não entendia o porquê disso tudo. Numa briga feia da gente, porque eu estava dormindo muito na casa dos meus pais, porque já não aguentava mais dormir com ela e eu a evitava, ela me ameaçou; disse que contaria tudo pra todo mundo se eu não me comportasse.

Nesse momento, eu saí do colo do Henrique. Não quis crer naquilo apesar de já estar prevendo isso. Meu choque foi maior por saber que ele consentiu com isso.

Como ele pode?

Ela é uma ordinária, mas ela não me importava; mas ele não poderia ceder desse jeito.

Não gostei nada, nada...

- O que foi, amor?

- Não acredito nisso, Henrique!

- É, eu sei que ela não presta... - interrompo.

- Ela não me importa, o que me importa é o fato de você ter acolhido tudo isso calado. Como você pode fazer isso?

- Eu estava desnorteado, não tinha motivos pra viver, pode parecer dramático, mas eu pude sentir na pele a repressão que você passava; foi mais forte que eu. Comigo aconteceu o inverso do que ocorreu com você. Você era reprimido e se libertou, eu era livre e me prendi às convenções. Eu não sei como pude deixar que isso acontecesse, mas aconteceu, até porque eu não tinha mais aquele referencial que eu te dava; tudo o que a minha vida refletia era o sucesso da minha profissão e só, porque depois que eu perdi você, parecia que era a única coisa que valia à pena.

- Espera aí; mas essa sua dificuldade toda surgiu antes da gente se separar, então não venha dizer que foi porque você não me tinha que tudo isso aconteceu porque já acontecia quando estávamos juntos.

- Eu sei, mas talvez se eu tivesse me dado uma chance, eu não estaria onde estou... Ah, eu não sei por que permiti isso, mas fui entrando em um poço e depois não pude mais emergir dele.

- E o que você pretende fazer agora?

- Me livrar dela, é óbvio!

- E a associação?

- Se eu perder isso, não fará tanta falta quanto eu acho que fará.

- Mas você sempre quis isso.

- Quero mais você.

- Mas você sempre quis isso, Henrique, sempre me falava.

- Uai, você quer que eu continue com ela?

- Claro que não! E nem digo isso por mim, é por você mesmo.

- Então pronto! - me puxando pela cintura para sentar no colo dele de novo.

- Mas, e aí?

- Quando eu der o flagra na Débora, eu terei argumentos pra me separar.

- Eu não entendo isso; você não precisa disso pra se separar, se ela já sabe.

- Mas não sou só eu que vou ver a ceninha.

- Hã?

- Vou dar um jeito do pai dela, que também é médico associado, vir isso e mesmo que ela diga que eu sou gay e tals, ao menos eu estarei satisfeito com o mal que eu fiz a ela.

- Pra que tudo isso? Deixa ela pra lá, vamos voltar a morar juntos e o resto que se dane.

- Eu quero fazer isso.

- Pra quê?

- Às vezes é necessário fazer grandes coisas pra retomar o orgulho e esse é o artífice que eu farei.

- Seus pais sabem disso tudo?

- Não, principalmente a minha mãe.

- Como eu imaginava...

- Pois é.

- Ainda não acredito que você deixou que isso tudo acontecesse.

- Nem eu, meu bem; nem eu.

- Isso é tão sem motivos, até parece mentira, se outra pessoa me contasse, eu não acreditaria. E essa Débora, hein? Ela é louca de pedra e não digo isso no sentido figurado ou zombeteiro, digo isso no sentido real. Ela não é boa da cabeça pra ter feito isso, ter ficado junto de uma pessoa que ela sabe que é gay.

- Ela deve ter feito isso pra se aproveitar de mim, ou sei lá.

- Eita, Henrique; o que ela poderia tirar de você se ela nem precisava de

você? O pai dela não é associado? Ela também não tem bufunfa? Ela não é bonita? Então?

- Ah, sei lá, B. - já chateado por ter passado por idiota na história.

- Ela não regula bem.

- Você já disse isso.

- Eu estou preocupado com ela.

- HÃÃÃÃÃÃ? COMO É?

- É, Rique; é sério, ela não é boa da cabeça.

- Aargh... - me tira do colo dele e vai pra cama; se deita.

Alguém entendeu isso tudo o que aconteceu nesses últimos anos com o Henrique? Se a resposta for sim, desenhem, escaneiem e me mandem por e-mail, porque até hoje eu não entendo.

Ele se deixou amarrar numa trama sem pé nem cabeça e sem motivos.

De um jeito ou de outro ele conseguiria entrar na tal associação, a Débora também. Com o tempo ele se cansaria dela, viria atrás de mim e poderia perder a cadeira nesse conselho, independente de ter se casado com ela ou não.

Ela ficando na associação, não interessava. E o mais estranho de tudo: mesmo sabendo do Henrique, ela fez questão de se manter casada com ele. Por fachada? Pra que se ela não dependia dele e poderia arrumar um esposo verdadeiro? Não há motivos pra essa união ter se mantido tanto tempo.

Eu não entendia o porquê de o Henrique se prestar a algo que não fazia sentido. Tudo bem que ele estivesse desnorteado, mas eu não conseguia achar motivos lógicos até mesmo para alguém depressivo como ele se acorrentar a essa situação.

Parece tão ilógico pra mim... até hoje!

Ele foi pra cama, se deitou de bruços e eu fiquei sentado na poltrona da varanda. Alguns minutos depois, escuto um choro quase que infantil vindo dos lençóis. Me espanto e vou até ele.

- Rique, você tá chorando?

- Você se importa?

- Por que você acha que eu não me importo?

- Não sei, talvez porque você tenha me feito passar por otário ainda há pouco.

- Eu só queria entender...

Nesse momento, ele se vira na cama, fica de frente pra mim, me olha nos olhos e grita:

- VOCÊ PENSA QUE EU NÃO SEI E NÃO SINTO QUE FUI LESADO POR ALGO QUE NÃO TENHO CULPA E QUE MESMO QUE EU PUDESSE FINALIZAR COM TUDO ISSO, EU ME MANTIVE PRESO A UMA COLEIRA QUE ME FAZIA SUCUMBIR NA MERDA A CADA DIA MAIS? VOCÊ ACHA QUE EU NÃO

SEI DISSO? VOCÊ NÃO PRECISA VIR AQUI ME DAR LIÇÃO DE MORAL!

- Calma, Rique; eu não pretendia isso! Eu só queria entender o que tinha acontecido, os porquês.

- EU ESTOU CANSADO DISSO TUDO, EU SÓ QUERO QUE TUDO VOLTE A SER COMO ANTES, SE VOCÊ PUDER ME AJUDAR, ÓTIMO, SE NÃO... PASSAR BEM!

- Para, Rique! Você sabe que não é nada disso, anda, para de chorar e me dá um abraço .

Bem, fizemos as pazes. Ele precisava desabafar tudo aquilo.

No fim, foi melhor que tudo tivesse acontecido daquele jeito, no quarto, com a gente.

Deixou tudo claro pra mim e ele pode ter certeza do que faria.

Apesar de eu achar o plano mirabolante demais e não confiar no sucesso da execução, dei apoio. Era a única coisa que eu poderia fazer e nada tirava da cabeça dele de que ele deveria fazer isso, ainda mais com a mãe dele dando corda.

Ela poderia ser a má pessoa que fosse, mas achava desnecessário, apesar de ela merecer.

O cara que o Henrique tinha contatado para o plano já estava saindo efetivamente com a Débora. O Henrique pediu pra que ele fizesse com que eles transassem na casa deles, pois só assim ele poderia levar o pai dela lá. Esse dia foi tenso, porque não quis me envolver.

- É hoje.

- Que horas você sai da casa do pai dela?

- Umas três e pouco.

- Tá.

- Não se preocupa, tá? Estou tratando de cumprir a promessa que te fiz: .fazer você feliz junto de mim

- Tá; beijo, tchau!

- Você não quer se envolver, não é?

- Você sabe que não.

- Tá, beijo, depois te ligo, tchau, te amo!

- Eu também te amo!

Não sei como foi tudo; só sei que quando deu umas dezessete horas e alguns minutos, eu acho, o Henrique me liga, pedindo que eu vá buscá-lo de carro, com o carro dele, que ele tinha deixado no estacionamento de um supermercado.

Ele deixou com o manobrista, deu o meu nome e me fez jurar de pés juntos de que eu não esqueceria o RG.

Bem, eu fui ao tal supermercado, peguei o carro e o aguardei na esquina de uma rua perto da casa do casal feliz.

Depois de alguns minutos, me aparece um Henrique sorridente, ofegante e tenso, tudo o mesmo tempo.

- Passa para o banco do passageiro!

- Tá.

- O que foi aquilo? Aff... foi um sufoco só!

- Valeu a pena tudo isso?

- Valeu, valeu muito a pena! - tomando fôlego.

- Agora vamos esquecer tudo isso, dar um fim. Já basta dessas coisas!

- Ainda vou me vangloriar desse ato por muito tempo.

- Sem necessidade tudo isso.

- Mamãe vai adorar saber como foi. Vamos pra lá.

Ele foi rodando a chave no painel do carro, ofegante, tomando fôlego.

Parecia mentira que tudo aquilo tinha dado certo. Por mim ele diria "Não dá mais!" e se mandaria dali sem precisar disso tudo.

Mas no fim, deu certo, deu pra satisfazer a necessidade do ego dele se inflar de novo.

Era visível, apesar do cansaço que vinha não sei de onde, que ele estava feliz, contente.

O carro dá a partida, mas de repente, ouvimos um barulho vindo de trás do carro. A porta traseira havia acabado de ser fechada.

Nos assustamos devido à tensão já instalada ali e olhamos para trás do carro. Adivinhem quem decidiu tomar uma carona?

Sim, ela. A Débora.

Aquela que eu não conhecia mas já odiava. Era a primeira vez que nos víamos, quer dizer, era a primeira vez que nos víamos sabendo realmente quem era quem na vida do Henrique.

Ela estava com uma blusa larga, masculina e de shorts. O cabelo bagunçado, um cheiro forte de perfume e uma cara de assustada e ao mesmo tempo furiosa.

Olhamos para trás e nos deparamos com aquele ser que desprezávamos.

Tudo o que a Débora representava era o nojo que sentíamos da hipocrisia circundante. Ela sentou-se no carro, olhou para nós dois e falou:

- Então era você o tempo todo, seu viadinho de merda!

- Débora, desce já do carro.

- Não desço porra nenhuma, seu filho da puta!

- Desce ou eu te arranco daqui.

- Vai me bater? Você? Você, uma frutinha, me batendo? Haha... faz-me rir.

- Não vou responder por mim. - já abrindo a porta.

- Tá tudo acabado, eu sei, me leve pra casa. - ela.

- Hã?

- Me leve pra casa do meu pai.

- Vá com ele... ele ainda deve estar por aí, oras!

Eu fiquei o tempo todo sentado, olhando para o chão e fingindo que nada daquilo estava acontecendo.

Queria sumir.

- Ele já foi, essa merda, agora me leve.

- Não.

- Me leve, Henrique, ou eu não respondo por mim.

Ele olhou um pouco para a figura que o fizera se odiar pelo simples fato de estar vivo. Depois, ele olhou pra mim, como se pedindo autorização para levá-la, mas, sem dizer uma palavra, ele rodou a chave no painel do carro e seguimos em direção à casa do pai da Débora.

Não entendia o porquê, mas a Débora realmente exercia um poder descomunal sobre o Henrique. Ele simplesmente obedeceu as ordens dela, mesmo não tendo mais nenhum vinculo com ela.

O olhar lançado pra mim era como um pedido de desculpas, como se ele não tivesse como fugir dessa obrigação que ele tinha com ela. Era como se ele estivesse me traindo.

Ele deve ter sentido isso.

Eu só sei que eu me senti horrível. Queria descer daquele carro e correr o mais longe possível. Não queria estar na presença dela, ou ainda, não estar na presença deles dois juntos.

Essa viagem ainda vai render daqui pra casa dela! - pensei.

Era uma viagem de no mínimo uns quinze minutos. Mas eu pude sentir cada minuto pulsando nas minhas veias e artérias.

Ela estava a alguns centímetros de mim. O mais aterrorizante era que eu não a via. Eu estava de costas pra ela, sem visualizá-la, mas sabia onde ela estava e sabia o quão perto isso era.

Eu podia sentir a respiração dela no meu pescoço. Passei a odiar o vento durante aqueles minutos. O cheiro do perfume doce que exalava dela era nojento. Passei a odiar o tal perfume também, mas esse pela eternidade.

Eu podia ouvir o barulho dos chinelos dela raspando no chão do carro e a cada ranger do pé dela os meus pelinhos dos braços se arrepiavam. Era como ouvir o barulho de unhas grandes sendo pressionadas contra um quadro negro, ou o barulho de uma pá de pedreiro sendo esfregada no asfalto coletando britas ou ainda pior, o barulho que mais me deixa doido, maluco, nervoso: a tampa metálica de uma garrafa de refrigerante sendo ralada no asfalto.

- Então esse é o famoso Benjamim!

- Cala a boca, Débora... ou você desce - sem tirar os olhos da estrada.

- Pode deixar... Mas me diz uma coisa, Benjamim: o que você sentia quando sabia que o Henrique dormia comigo?

- Eu já falei, Débora: ou cala a boca ou desce.

- Tá bom, tá bom; não falo mais nada.

Fiquei o tempo todo de cabeça baixa, tentando manter os meus braços aquecidos com as palmas das minhas mãos.

Eu senti uma vontade imensa de chorar, mas não podia, não por resistência, mas porque as lágrimas simplesmente não queriam sair mesmo.

Me segurei para pedir que o Henrique parasse para que eu pudesse descer. Era perturbador vê-los no mesmo ambiente. Para todos os efeitos, eles ainda eram casados.

Alguns minutos depois...

- E aí, Henrique... tá preparado pra enfrentar o mundo-cão depois que todo mundo souber quem você é de verdade?Mas eu acho que eu tenho a minha parcela de culpa; eu acho que eu não trepei com você direito.

Nesse momento ele freia bruscamente o carro, fazendo aqueles três corpos dentro do carro tomarem um grande impulso para frente. Ele tirou o cinto violentamente e ia saindo do carro, quando...

- TÁ BOM, TÁ BOM, NÃO FALO MAIS!

Ele entrou no carro de novo, pôs o cinto e continuou dirigindo. Vi a oportunidade naquela parada rápida de fugir dali, mas eu estava preso na cadeira. Uma força tomou conta de mim e eu não conseguia me mexer. Não conseguia mexer as pernas e os pés; os dedos ficaram duros, as mãos geladas, o suor ficou frio e o nariz congelou. Até respirar era difícil. Parecia que eu era asmático.

O carro foi seguindo e dava para ouvir alguns movimentos daquela mulher no banco de trás. Movimentos estranhos com barulhos estranhos.

O carro ia fazendo a curva em uma avenida bem movimentada aqui da cidade. Pude ver o horizonte do mar durante a curva, o sol estava se pondo. O laranja e o vermelho dominavam o céu.

Durante a curva, senti dez unhas grandes de um tigre raivoso sendo enfiadas no meu couro cabeludo. Depois de sentir as unhas de pé, pude sentir, logo depois que as unhas ficaram firmes na minha cabeça. Elas deitando sobre a minha pele, fazendo com que a dor ficasse mais aguda.

Não me lembro se sangrou, mas feriu, cortou. Ela se inclinou por inteira por trás de mim, enfiou as mãos nos meus cabelos e começou a bater a minha cabeça contra o apoio do banco. Um movimento de vai-e-vem rápido e firme.

Me segurei nos pulsos dela, na tentativa de me livrar das garras daquele tigre, mas sem sucesso. A dor ficava cada vez mais forte até que ela bate tanto a minha cabeça contra o encosto do banco que o próprio encosto quebra e cai no banco de trás.

Tudo isso foi dentro de cinco ou seis segundos.

Quando as unhas da Débora encontraram o meu couro cabeludo, ela gritou:

- DESGRAÇADO, VIADO, FILHO DA PUTA, VOCÊ ROUBOU O MEU HOMEM! ELE É MEU, ELE É MEU, ELE É MEU, VOCÊ NÃO VAI FICAR COM ELE NÃO!

- DÉBORA, SOLTA ELE!

- VOCÊ ME PAGA, VOCÊ ME PAGA!

Eu só conseguia sentir a dor das unhas entrando mais e mais na minha cabeça.

O carro foi parado de novo. Sentimos mais uma vez os nossos corpos serem impulsionados para a frente.

O Henrique imediatamente saiu do carro, entrou pelo banco de trás e foi pegando a Débora pelas pernas, depois pela cintura e por fim, pelos braços.

Mas ela era forte, ou pelo menos estava forte naquele momento.

Demorou um pouco para que as unhas dela se desencravassem da minha cabeça, mas até esse momento chegar, as mãos do Henrique sobre a dela tentando me salvar daquele ataque só aumentava mais a minha dor.

Finalmente ele conseguiu me livrar daquelas garras e foi arrastando a Débora para fora do carro, enquanto ela gritava de forma estridente um "NÃO, NÃO, NÃO!".

Ela esperneava forte, fazendo com que os dois caíssem no chão.

Quinze longos minutos!

Depois que o Henrique a arrastou do banco traseiro para fora do carro, devido a força que ela fazia e a forma como ela se mexia, fez com que os dois caíssem no chão, no meio da pista.

Por sorte, nenhum carro passava naquele momento, porque senão os dois poderiam ter sido atropelados.

Mas ainda assim, era um lugar bem movimentado. O Henrique caiu com as costas no asfalto e a Débora caiu por cima dele, também de costas, com os braços dele presos na cintura dela.

Ela não parava de gritar "Não, não, não!" e de se mexer.

Alguns curiosos apareceram. O Henrique foi tirando-a de cima dele e foi se levantando, fechou a porta traseira por onde os dois saíram do carro e, logo depois, ela se levantou também.

Ela foi partindo com tudo pra cima do Henrique e batia na cara dele, puxava-o pela camisa, chutava e ele só se esquivava e se protegia com os braços.

- DESGRAÇADO, DESGRAÇADO, FILHO DA MÃE, VOCÊ ME PAGA, VOCÊ ME PAGA, SEU CORNO, SAFADO, VIADO DE UMA FIGA!

- PARA, DÉBORA!

Um cara, pensando que o Henrique estava batendo na Débora, se aproximou, mas logo ele viu quem realmente estava apanhando e se afastou.

Apareceu outro gritando, perguntando o que estava acontecendo, mas nenhum dos dois deu ouvidos.

O cara gritou se ele estava fazendo algum mal pra você, moça?

Mas a própria Débora gritou para o cara ir se catar, e o cara saiu emburrado, chamando-a de vagabunda.

Eu? Bem, eu assistia a tudo de dentro do carro.

Eu fiquei assustado porque os movimentos daquela mulher eram rápidos e fortes e depois, se eu fosse ajudar, poderiam pensar que dois homens estavam agredindo uma pobre, indefesa e inocente garota.

Mais gente foi se aproximando até que o Henrique consegue se livrar dela e entrar rapidamente no carro.

Ela ainda se agarrou na janela da porta, mas ele arrancou com o pneu cantando, deixando-a na rua.

Deu pra ver que ela pulava como uma louca, quando olhei pra trás. Ela gritava bastante.

Fomos em direção à casa dos pais dele.

Eu o olhava nos olhos, mas ele fechou a cara, que estava vermelha e um pouco arranhada pelas unhas dela. Parecia que ele iria chorar, mas ele prendia o choro, prendia os lábios, respirava fundo e não tirava os olhos esbugalhados da estrada.

Eu fiquei triste por ele...

- Tudo bem?

- Não quero falar!

Um peso morto havia ficado para trás. Era um pesadelo maluco que virava abóbora, mas que poderia ter consequências.

Ele respirava fundo. Segurou o volante com toda a força que tinha e, nessa agonia, avançamos um sinal vermelho.

- Henrique, você passou um sinal vermelho!

- CALA A BOCA, BENJAMIM! - gritou olhando nos meus olhos).

Ele nunca tinha gritado comigo daquele jeito. Nem mesmo na nossa grande briga.

Eu percebi que ele estava num momento não muito bom e não fiquei com raiva por causa disso.

Mas naquele momento eu me senti um pouco ofendido.

- Desculpa, eu não queria ter dito isso - sem tirar os olhos da estradaChegamos na casa dos pais dele e fomos recepcionados pela Dona Edna.

- E então?

- Deu tudo errado!

- O que aconteceu?

Eu ainda não tinha descido do carro. Na verdade eu ia descer, mas quando pus os pés na garagem da casa dele, não sei o que me deu... voltei ao banco e fechei a porta. O Henrique voltou com os olhos para o carro e me viu através do vidro.

- Oh, meu amor, me desculpa... é que eu estava muito nervoso, não queria gritar com você daquele jeito, me perdoa?

- Tá, Henrique.

- Vem, desce do carro.

- O que foi, Benjamim?

- Nada não, sogrinha... eu só quero ficar no carro.

- Nada disso, meu amor; venha, entre com a gente, por favor; eu estou pedindo. Eu sei que eu não deveria ter gritado com você daquele jeito, venha entre.

Saí do carro e fomos abraçados, eu e o Henrique, para a sala de estar.

- O que foi que aconteceu, meu filho?

- Uma merda, mãe; uma merda só!

- Deixe de enrolar, conte logo.

Ele tomou fôlego, olhou pra mim, voltou com os olhos para a mãe e falou:

- Estava tudo indo muito bem. Eu fui na casa do pai dela e o convenci de que ele deveria ir comigo lá em casa pra pegar uma coisa comigo, porque era grande e a Débora queria deixar na casa dos pais dela.

Ele concordou e foi comigo. Quando chegamos lá, ouvimos uns gemidos no meu quarto e fomos pra lá. Demos de cara com a vagabunda na cama com o cara lá. Enfim... eu fiz a ceninha e tals; fiquei dizendo que não estava acreditando no que eu estava vendo e tals. Aí o pai dela ficou berrando lá que ela não prestava, nunca prestou... que desde pequena deu trabalho pra ele e pra mãe dela... que era uma vadia; começou a bater nela, foi um escândalo.

Aí ela começou a chorar e pedir pro pai dela parar. Eu aproveitei, desci pra rua e fui pegando o carro.

Foi aí que a maluca apareceu e pediu carona, aí ela viu o Benjamim e... – interrompe.

- Espera aí, ela pediu carona pra você?

- Foi.

- Que cara de pau! E você, é claro, se mandou dali.

- Eu dei carona.

- COMO É?

- O que eu podia fazer?

- Não dar, oras!

- Mas aí, eu dei.

- E você deixou, Benjamim?

Eu fiquei de cabeça baixa, querendo chorar e não respondi a pergunta.

- O Benjamim não tem culpa de nada, mãe.

- É claro que não tem... o carro era seu, o motorista era você e o marido da vaca louca também era você! Se eu fosse o Benjamim teria saído do carro. Você foi muito besta pro meu gosto!

- Quem foi besta? Eu?

- Não, claro que não! Quem foi besta foi o Henrique.

- É, eu sei.

- Sim, mas continue.

O Henrique foi contando o que aconteceu e a cada absurdo contado a Dona Edna interrompia e perguntava: "Mas aí nessa hora você expulsou ela do carro? ... Então nessa hora você tirou ela do carro? ... E você não deu na cara dela? ... Ah, se fosse eu tinha rodado a mão na cara da piranha!"

- Então, no fim, ela vai contar tudo pra todo mundo, eu tenho certeza.

- Não me importo mais.

Um silêncio pairou na sala e como quem só participava da conversa eram a Dona Edna e o Henrique, depois dos babados e escândalos, os dois se voltaram para mim e encontraram um Benjamim calado e cabisbaixo.

- Oh, meu filho, que foi? Você tá se sentindo bem?

- Que foi, B? Você ainda tá chateado comigo?

- O que foi que você fez pra ele ficar assim, Senhor Henrique?

- É que eu gritei com ele sem querer.

- POR QUÊ?

- Porque eu estava nervoso... - interrompe.

- E isso lá é desculpa?

- É, eu sei que eu fui um tonto.

- Você foi todo tonto hoje.

- Quer uma água, B?

Fiz não com a cabeça e ele me abraçou. Eu queria afastá-lo, mas estava sem ânimo para fazer isso e com muito menos ânimo para explicar o porquê de eu o estar evitando.

Deixei que ele me abraçasse e a Dona Edna saiu dizendo que ia ver um lanchinho pra gente.

Ficamos um tempo ali na sala. O abraço durou bastante tempo.

- Acabou tudo! Agora eu estou livre pra vocêVocê não está feliz?Você ainda está chateado comigo?Vem, vamos subir pro meu quarto, pra gente conversar melhor - foi se levantandoLevanta, B.

- Quero ir pra minha casa.

- Oh, B; para com isso! - sentando e chorando.

- Não estou com raiva de você; só quero ir embora.

- Não, B; para com isso; agora a gente tá junto, por favor não me deixe!

- Eu não estou deixando você, nem estou com raiva; não precisa chorar, meu amor, eu só quero ir embora.

- Não, B; fica!

- Não, Rique; eu quero ir pra casa, eu quero dormir na minha cama hoje, sozinho, pensar um pouco no que foi que aconteceu hoje. Pare de chorar, Rique!

- Oh, B; fica comigo. Justo hoje que eu mais preciso de você...

- Mas eu preciso ficar sozinho hoje, eu estou precisando disso.

- Você está sendo muito egoísta. - choramingando.

- Eu não vou nem comentar isso que você acabou de falar. Mas eu tenho que ir, é melhor assim. Amanhã a gente conversa.

- Eu não quero.

- Me empresta o telefone pra eu ligar pra Ana me buscar?

- Não.

- Vai, Rique; deixe de criancice.

- Por que você tá fazendo isso comigo?

- Mas eu não estou fazendo nada; só quero ir pra casa. Amanhã a gente se vê.

- Não, B; eu quero dormir com você hoje, dormir agarradinho, chorar um pouco.

- Um homem tão grande, chorando?

- Eita, mas você está chato, hein?

- Desculpa!

- Vai, B; fica, fica!

- Eu prefiro ir pra casa, Rique.

- Se é isso o que você quer, então vá embora!

- Não fique com raiva.

- Vá embora, pode ir; tchau!

- Me empresta o telefone?

- Toma, tá aqui. - dando agressivamente.

- Ana?

- Oi, Benjamim.

- Vem me buscar aqui na casa do Henrique?

- Por quê? O que houve?

- Eu te conto em casa, vem?

- Tá; pode esperar, já estou indo, beijo.

- Beijo.

- A Ana vem me buscar. - me virei pra falar com ele.

- Pensando bem, é melhor você ir dormir lá mesmo. - com uma voz conformada e tristonha.

- Não pense negativamente quanto a isso. É só um tempinho que eu preciso.

- Eu também preciso. Mal me livrei da Débora e já estou correndo para os seus braços. Isso merecia calma, tempo. Eu voltarei para os seus braços, mas realmente, também preciso de um tempo meu.

Parecia o certo a se fazer. O certo para os dois.

Realmente não fazia sentido lógico esse desespero de ficarmos juntos. Passamos por um turbilhão de coisas, merecíamos, agora, um tempo pra ficarmos sozinhos nos nossos quartos e sentir o carpete com as pontas dos dedos dos pés.

Tá certo que eu sentia falta dele, que eu o amava, mas não adiantava de nada esse grude sem que colocássemos ordem nessa bagunça que se tornou a nossa vida de casal.

O carro chegou e nos despedimos com um aperto de mão.

Aperto de mão...

Parecíamos dois estranhos. E na verdade nós éramos um para o outro. Anos sem nos ver. Ele tinha mudado alguma coisa ou outra, eu mudei quase que por completo.

Mas o bom dessa mudança dele foi perceber que eu confiava mais na figura dele. Ele estava, ou melhor, ele era mais homem desde então.

- O que houve? - a Ana.

- Em casa eu te conto.

- Tudo bem?

- Não sei.

- E quem sabe?

- Parece que vai chover...

- Você e esse seu jeitinho de mudar de assunto... Tudo bem, pelo menos me diga que vocês estão juntos.

- Não sei; sério!

- Não bastou esses anos?

- Você trouxe o guarda-chuva, né? Porque parece que você vai descer do carro debaixo da enxurrada.

- Tá bom, seu chato!

A noite passou e eu não senti falta dele pela primeira vez, desde que eu o conheci naquele hospital.

Foi estranha essa sensação, mas me pareceu justa de certo modo. Talvez ele estivesse sentindo o mesmo.

Apesar de o medo de que ele tivesse desistido de mim com aquelas palavras, não me desesperei. Tomei um banho, mas não lavei o cabelo porque com certeza iria arder. Tomei umas taças de sorvete e fui dormir.

Lá pelas tantas da madrugada o telefone toca.

- Alô!

- É o Henrique.

- Oi.

- Oi.

- Fala.

- Te acordei?

- Não. - mentira.

- Menos mal... É que eu não estou conseguindo dormir.

- O que foi?

- Ah, sei lá; eu até gostei da ideia de ter um tempinho pra mim, refrescar a cabeça de tudo isso... enfim; mas eu estou agoniado aqui na cama e não sei por quê. É uma angústia forte, B.

- Eu posso ajudar em alguma coisa?

- Acho que sim.

- Fala.

- Vem dormir aqui em casa? Ou melhor, vamos para aquele hotel da semana passada?

- A essa hora?

- É, vamos?

- Hum... tá bom; passa aqui?

- Já, já, estou aí.

- Beijo.

- Outro bem grandão.

Estava morrendo de sono, mas parecia que aquela voz rouca do outro lado da linha tinha despertado em mim uma vontade louca de abraçá-lo debaixo dos cobertores.

Como eu estava pelado, vesti algo descente e desci.

- Entra.

- Que friozinho!

- Calma, daqui a pouco você, ou melhor, a gente resolve isso.

- Tá.

Fomos para o hotel, reservamos o mesmo quarto, ou pelo menos eu acho que era o mesmo.

- Me abraça, B.

- Vem.

- Hum, que gostoso!Achei que tivesse perdido você de novo. - falei.

- Por quê?

- Porque você tinha concordado em ficar essa noite só.

- Uai, mas não era o que você queria?

- Era... só que a forma como você aceitou isso me deixou um pouco preocupado.

- É que eu realmente achei que era o melhor mesmo.

- Pois é, eu também; mas o que a gente precisava era de umas horas sozinhos e não de uma noite toda.

- Concordo.

Nos beijamos e só. Tiramos as calças. Ele ainda tirou a camisa e nos deitamos.

Apagamos as luzes, pus a cabeça entre o braço e o peito dele, nos abraçamos e demos boa noite um para o outro. Estava tão quentinho o corpo dele que me esquentou minutos depois.

Ele estava cheiroso, com cheiro de sabonete e um perfume que ele usava agora. Era um perfume que eu não conhecia.

- Esse é aquele mesmo perfume que eu senti no dia em que a gente se reencontrou, né?

- É; eu gosto mais desse que do antigo, porque ele combina mais comigo; o outro era mais adocicado.

- Hum.

- Você gosta?

- Sim, é bem a sua cara mesmo, é um cheiro sóbrio.

- Haha... só você mesmo pra dar essas adjetivações às coisas.

- Por quê?

- Porque você é que tem o costume de falar que um sabor de coisa X é tão honesto ou que o dia Y foi tão paciente, ou, ou... lembra daquele dia que você disse que o nosso namoro estava tão lilás?

- Haha... lembro.

- Onde é que você arruma essas qualidades?

- A inspiração vem não sei de onde...

- Aposto que você vai escrever um poema sobre essa noite.

- Ah, claro... como sempre.

- Sabe... ainda guardo aquele poema que você me escreveu no marca-texto do meu livro da faculdade.

- Haha... quando você disse que eu tinha copiado aquilo de alguém.

- É que eu não confiava na sua capacidade de escrever aquilo.

- Mesmo depois de eu mostrar o meu caderninho...

- Você deveria escrever um blog.

- Não sei reinar em um blog; não sei mexer com HTML.

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Comentários

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Recomeçaram da pior forma, errado. Mas é um conto bem escrito e coerente com as personalidades fragmentadas dos dois.

Hora de terapia, pois sozinhos é quase impossível de se encontrarem e amadurecerem.

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Muita informação em um capítulo só. Henrique evoluiu, mas não é perfeito. Ele vacilou muito em dar uma carona pra Débora, principalmente sabendo o carácter que ela tem. Eu nem ouso me colocar no lugar de Benjamim dentro daquele carro com Débora e Henrique, isso deve ter sido um sofrimento enorme.

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NOSSA TÁ FICANDO CHATO E CANSATIVO ESSAS BRIGAS DESSES DOIS. ISSO NÃO É E NEM NUNCA FOI AMOR. HENRIQUE NÃO AMADURECE, CONTINUA MIMADO, EGOCÊNTRICO. E VC TODO ORGULHOSO, MAS ACABA SEMPRE CEDENDO QUE NEM UMA CADELINHA NO CIO. LAMENTÁVEL.

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