Os olhos de Cristina

Da série Cristina
Um conto erótico de Jonas
Categoria: Heterossexual
Contém 3563 palavras
Data: 19/12/2023 18:28:01
Última revisão: 20/12/2023 17:00:19

Primeiro sábado de setembro, desembarco do ônibus vindo de São Paulo. Meu vôo de Goiânia desceu em Congonhas, fiz um périplo de táxi, metrô até chegar a rodoviária e encontrar o ônibus no Jabaquara.

Seis horas depois cheguei na rodoviária em Poços esperando me entregarem a mala. Mais frio do que em Goiânia, ainda que Sol estivesse forte.

E agora?

Custei a encontrar o voucher com o endereço do Hotel, uma estância enorme nos subúrbios da cidade. Pelo menos é o que pareceu quando consultei o site. Nem fazia ideia que numa cidade como Poços existisse uma infraestrutura daquele porte.

O táxi me deixou na entrada do hotel. Uma movimentação grande de pessoas chegando e outras tantas saindo. Imagino que uma parte seja do grupo do Encontro. Primeira vez que participo de um, os outros cursos sempre foram no máximo vinte pessoas, a maioria menos. Mas nesse o número que fiquei sabendo seriam mais de cento e trinta pessoas.

Tanto que chamaram de Encontro e não de Curso de relaxamento. Nem consigo imaginar como será a administração de tantas pessoas. Pelas imagens o salão é mais que suficiente.

"Boa tarde, senhor. Seja bem-vindo!"

"Boa tarde."

Entrego o voucher e a mocinha simpática examina meus dados na tela do computador que fica abaixo da bancada onde estou parado. Um vozerio enche o ambiente, pessoas rindo, se abraçando, outros apressados querendo as malas para sairem.

"Quarto quatrocentos e cinco. Seu Otávio já está no quarto. O senhor prefere levar sua mala ou quer que levemos?"

"Eu levo. Onde fica o quarto?"

"A sua direita tem um corredor, o elevador é no final. É apertar o andar. Muito obrigada."

"Eu é que agradeço."

Ela me entrega as chaves e eu sigo o caminho apontado. No corredor encontro Vanessa, uma das minhas colegas no ultimo curso em Porto Seguro.

"Chegando rapaz?"

"Agora. Vim de ônibus, via São Paulo."

"Viemos de automóvel de Ribeirão. Eu e as meninas."

"Todas?"

"Não, dessa vez a Sônia não veio. O filho vai casar, hoje."

"Que pena! Viu quanta gente?"

"Pois é! Não conheço quase ninguém."

"Nem eu."

"Deixa eu indo que preciso saber onde comprar uma escova dente, esqueci de trazer, olha que coisa!"

"Então vá, a gente se vê mais tarde. O curso mesmo, começa amanhã."

"Então tá. Tchau Jonas!"

"Tchau Vanessa."

Bonitinha, mas é casada e apesar de conhecida nunca deu muita bola pra mim. Poucas deram, afinal são os homens quem deve tomar a iniciativa. E eu continuo péssimo nesse quesito, e não será com uma casada.

Depois de sair do elevador, caminho por um corredor comprido. Acho a porta do quarto, mas não acho mais a chave.

Merda!

Uma confusão e finalmente abro a porta. No meio do quarto, entre as duas camas, um homem magro só de calção e a toalha de rosto jogada sobre o ombro.

"Jonas?"

"Otávio? Prazer."

Ele me aperta a mão com uma força inesperada. É a primeira vez que nos encontrávamos. Ele vindo de Bento Gonçalves.

Bom papo, um sotaque peculiar me chamando de tu, doido pra beber chimarrão e encontrar uma tal Inês, que eu não fazia a menor ideia de quem seria.

Tomei banho, dei uma dormida revigorante e à noite no jantar acabei encontrando vários outros dos cursos passados. Mesmo assim uma minoria em relação aos que eu não conhecia, o restaurante estava cheio, uma algazarra de vozes e risos.

***

Na manhã seguinte, depois do café, fui ao salão para a inscrição e me preparar para as palestras e os exercícios de sempre, com certeza seriam muitos ao longo de uma semana.

Encontrei mais gente conhecida, mas a maioria era nova. Não demorou muito e começou a palestra inicial, horas e horas de uma conversa que já indicava para onde iríamos nos nossos trabalhos durante aqueles dias em Poços.

Veio o meio dia, o almoço, as confraternizações de praxe. E o retorno para os trabalhos na parte da tarde. Foi aí que eu reconheci o Zé Roberto, dividimos o quarto no primeiro curso que eu participei, há mais de cinco anos. Ele conversava com uma mulher de costas pra mim.

Os dois na porta de entrada do salão de modo que dela eu só via uma silhueta nas sombras. Achei que conhecia, mas não sabia quem era. Eles se abraçaram, um abraço longo e então que ela virou o rosto na minha direção.

Foi aí que eu a reconheci. Eu não acreditei na hora, quase três anos e lá estava ela a poucos metros de distância. Não parecia ter envelhecido, a mesma pessoa, exceto pelos cabelos mais curtos, pintados numa cor que eu chamaria ruiva, mas não sei se é esse o nome.

Pensei em me aproximar, mas veio a lembrança de que ela saíra aquele dia do hotel sem se despedir, também não respondeu a carta que enviei. Fiquei com medo de ser inconveniente. Até me afastei procurando um local mais tranquilo no salão para começar meus exercícios.

Acho que ela não me viu.

Sentei e comecei a trabalhar, o difícil foi esquecer dela, abraçada com o Zé ou abraçada comigo naquela noite chuvosa no hotel em Caetés. Eu não sabia se gostava da surpresa ou não, mas a verdade é que aquela tarde foi difícil me concentrar no que deveria ser o meu objetivo ali.

***

Veio noite, veio o filme, a palestra longa varando a madrugada. Fomos deitar mais de duas da manhã e eu ainda sem dizer um 'olá' para Cristina.

No dia seguinte, depois de arrumar uma cadeira para a nova palestra no salão, aproveito para praticar alguns exercícios que há muito tempo praticava desde que comecei a participar do grupo. Sempre fui muito dedicado, o curso não era barato.

Fechei os olhos, prestando atenção a respiração, lenta e profunda, vai-se aos poucos acalmando a mente, dá para sentir até o coração e você começa a descer, descer como se fosse um elevador, entrando em você mesmo. Fundo, cada vez mais fundo, e dentro, cada vez mais amplo.

Os sons de risos abafados, murmúrios, e você ficando calmo, fundo e isso nem é o exercício ainda. É só a preparação. Ouço sons de cadeiras sendo arrumadas, sons de passos, tosses, conversas sussurradas.

Sinto uma presença, alguém sentou ao lado, ela diz um 'oi' a alguém num sussurro. Me sinto observado, alguém virado para mim, me examinando.

A curiosidade me saca do relaxamento, o elevador sobe num átimo e eu volto. Abro os olhos e vejo ela sentada me encarando como uma menininha, com as mãos apoiadas no alto cadeira suportando a cabeça.

Seus olhos riem, lindos, as pupilas negras se abrindo. Rimos. Nos erguemos e abraçamos. Nada como um abraço desses que fazemos nos nossos cursos. É algo especial, tão simples, tão fácil, e eu só descobri o segredo do abraço nos cursos de meditação. Entrar no outro e ele entrar em você, sem começo e nem fim. Apenas a respiração nos harmonizando.

"Bom te ver aqui, Jonas."

"Surpresa, não sabia que você vinha."

"Decidi de última hora, não vinha mesmo. Sei lá o que me fez resolver aparecer aqui."

Sentamos, era como se fosse o dia seguinte no hotel em Caetés. Era como se não tivessem se passado tantos anos. Ela agia e falava como se não soubesse da tal carta. Na hora, achei melhor não tocar no assunto. Não deu também para uma conversa mais longa, a palestra começou e se estendeu por umas duas horas.

Eram quase onze quando terminou e veio o aviso de que em duplas devíamos começar os nossos exercícios. Nos olhamos, era óbvio que seria com ela.

"Aqui?"

Ela preferiu no átrio, sentia frio, sentamos na escadaria. Um Sol delicioso nos esquentando os corpos, ainda mais com o frio que fazia naqueles dias.

"Vai com calma, cara. Tem muito tempo que não pratico esses exercícios. Ando meio enferrujada."

"No seu ritmo, não tem pressa."

E não teve mesmo, do exercício mesmo fizemos muito pouco, aquela hora e meia que ficamos ali acabou sendo mais colocar os assuntos em dia.

Ela mudara de cidade, estava namorando um cara. Pelo jeito as coisas não iam como ela esperava.

"Bem que o Luís sempre me fala, 'você só arranja uns caras complicados, mãe'."

Rimos, talvez fosse uma indireta, sei lá. Veio minha vez de contar as minhas novidades, não eram muitas. Continuava divorciado, e meio tarado, mas eu não tinha coragem e nem intimidade pra confessar algo assim. Evitei os pontos embaraçosos, citei alguns namoricos e me concentrei no trabalho na empresa de logística.

Não demorou muito o pessoal começou a sair para o almoço, fizemos o mesmo. Só que acabamos nos separando durante a refeição e o mesmo quando voltamos para o salão. Foi só à noite, durante o filme, que voltamos a nos encontrar.

"Amanhã eu quero fazer você. Não gostei da mocinha que fez os exercícios comigo essa tarde. Achei muito implicante."

Me senti elogiado. Havia um certo clima de flerte no jeito que conversávamos.

"Combinado. No mesmo lugar?"

"Pode ser. Vai estar muito frio aqui no salão."

Ela riu me limpando displicente o ombro. A imagem dela segurando meu pau surgiu na minha frente. Inconveniente e indecente.

"Que foi?"

"Nada, nada."

Ela riu como se desconfiasse dos meus pensamentos.

"Vê lá, hein? Amanhã tem muita coisa pra gente fazer."

Senti minhas orelhas esquentarem.

"Tchau! Tô cansa hoje."

"Tchau, Cris!"

Saiu caminhando charmosa, suas ancas se moviam num ritmo sensual, ainda mais naquela calça jeans apertada.

***

Claro que me masturbei, tentando não chamar a atenção do Otávio. O difícil era me concentrar na punheta com ele roncando tão alto. Quase não consegui, fiquei preocupado de como seriam as próximas noites com o Otávio roncando daquele jeito.

***

"Bom dia!!"

Ela estava alegre, jovial, fazia um frio cortante mesmo com o Sol brilhando forte.

"Dormiu bem?"

"Meu companheiro de quarto roncou a noite inteira."

"Ih! Então não fui a única. A minha também."

Sentamos perto das escadas da entrada do salão. Ela se encostou numa pilastra e eu fiquei de frente. Ela bocejou tampando a boca com as costas da mão.

"Não falei? Foi difícil."

"Nem me fale."

"E que tal se a gente trocasse. A Miriam muda pro seu quarto e você vem pro meu."

Encaramos. Uma encarada forte, daquelas que seus olhos ficam presos nos olhos da outra pessoa. As íris castanhas dos olhos dela brilhavam. Pareciam que se mexiam, um caleidoscópio, foi intenso, foi profundo.

"Brincadeira."

"Eu sei."

Ela olhou para baixo, raspando a garganta e abrindo o caderno de anotações.

"Qual você quer fazer, Jonas?"

Começamos a praticar, mas volta e meia os nossos olhares se encontravam, volta e meia o seu olhar me aquecia a mente. Talvez pelos exercícios, talvez por que afinal fosse um flerte. Ela não parecia mais desviar seu olhar, era hipnotizante, parecia que ela entrava dentro de mim, me possuia, me conhecia muito além do que já tivesse acontecido com alguém.

Era tão profundo aquele olhar que uma hora eu percebi uma marca na íris do seu olho direito. Um ponto que distorcia o desenho da íris, uma imperfeição que só deixava o seu olhar mais interessante.

Dito assim parece bobagem, um exagero, mas naquela manhã foi uma coisa especial. Uma comunicação visual, mais que sensual. Um abraço de almas que se descobrem.

Como foi o abraço que nos demos antes de sair para o restaurante do hotel. Quem nunca praticou não sabe o que está perdendo. Me derramei dentro dela e Cris fez o mesmo em mim. Sem começou nem fim, uma intimidade sem medo, profunda.

"Bommm! Tem tempos que ninguém me abraça assim."

Rimos do seu jeito sonolento de soletrar as palavras, seus olhos faiscavam, era muito mais do que uma intimidade, muito mais do que apenas sexo.

"Vem, que eu tô com fome."

Ela estendeu o abraço e me ofereceu a mão. Saímos em direção ao restaurante. O silêncio deixava o toque das mãos ainda mais intenso, nos comunicavámos por elas.

Sentamos numa mesa comprida, lado a lado, mal nos falamos, mas era possível sentir uma química bobulhando entre nós, uma mistura que ia crescendo aos poucos, ainda mais quando os nossos braços se encostavam. Tenho uma imaginação fértil, nem sei se ela estava percebendo o mesmo que eu.

Às vezes ela me sorria limpando os lábios com o guardanapo, ou bebendo um gole de suco de laranja. Mas a maior parte do tempo ela trocava ideias com a Vânia ou a Laura e eu discutindo política com o Evandro.

"Ai! Acho que vou ver o que tem de sobremesa."

"Vou com você."

Boa desculpa para ficar mais tempo com ela. Só então me dei conta de que Cris era mais baixa que eu. Nunca tinha prestado atenção, sou meio desligado. Ela rebolando gostoso se desviando das mesas, até parar no balcão onde estavam as frutas e os doces.

"Humm! Tem torta de morango, pavê de chocolate! Essa semana eu vou sair daqui rolando como um barril."

Eu ri, enquanto entregava o prato e os talheres.

"Brigada, querido."

Gostei do querido. Natural, sensual, relaxado. Me fazia sentir como se fosse um namorado, mesmo sabendo que ela está comprometida. Às favas com o bom mocismo, eu queria comer aquela mulher, mas era mais que isso, mais que apenas sexo. Havia uma cumplicidade muda entre os nossos gestos. Mesmo assim o meu lado animal queria gozar dentro daquela mulher.

Egoísta!

Eu sei que eu sou. Mas também eu queria que ela gostasse, que gozasse miando como uma gata no cio. A perversão se misturando com a sensação de culpa.

Sentamos.

Se ela soubesse o que eu pensava dela. Cris mostrou um sorriso afetuoso. Me fez sentir ainda mais asqueroso, e num de curso de autoconhecimento e eu, um aluno dedicado, com esse tipo de pensamentos. Vê se pode?

Vânia me olhou de um jeito estranho, mastingando um abacaxi, abriu um sorriso e sussurrou algo no ouvido da Laura tampando a boca com a mão.

Será que desconfiou? Me deixou desconfortável e mudo ouvindo o papo dos que ainda estavam almoçando, a maioria já tinha voltado para os quartos para escovar os dentes e uma soneca. O retorno ao salão só seria às duas e meia da tarde.

"Gente, com licença. Preciso dormir um pouco, essa noite eu não dormi nada."

Ela avisou e se levantou, seu quarto nem mesmo era no bloco do meu. Cris esbarrou o meu braço e me apertou o ombro com a mão.

"Tchau!"

Ela se despediu e todos respondemos em coro. Faço a mesma coisa, me despeço e saio, mas na direção contrária, meu bloco ficava no lado oposto do dela.

Custei a dormir, e quando acordei já eram quase três horas. Me obrigo a levantar, não vim aqui dormir, vim aqui pra me conhecer. Pensei nela enquanto lavava o rosto, droga! Tô atrasado e ela lá, dando sopa, vai acabar fazendo os exercícios com outro.

Corri para salão, mas nada, não a vi, não sei onde ela estava. Para piorar, o Bruno me convidou para fazermos os exercícios juntos e no ato eu respondi um sim. Mecânico, vingativo, logo me arrependi, mas não tinha como voltar atrás. Foi a tarde inteira.

Me conformei, até acabei fazendo um bom trabalho. Quando já nem pensava nela, abri os olhos e vi Cristina entrando no salão, cara de sono, os olhos vermelhos. Conferi as horas, eram mais de quatro da tarde.

Ela demorou a me notar, me cumprimentou acenando a mão, eu devolvi num aceno curto de cabeça. E ficamos nisso. Depois de um tempo, percebi ela se sentando de frente para o Zé Roberto rindo, brincalhona, muito mais do que fez comigo durante a manhã.

Me acomodei na cadeira, não são ciúmes, é só um desconforto. Nem veio falar comigo. 'Concentra Jonas, não veio aqui flertar com alguém, nem com ela.' Pensei tentando me acalmar, respirei fundo e me centrei nos exercícios.

E assim foi até sete da noite, quando até mesmo o Bruno já não aguentava mais praticar os exercícios. Olhei na direção onde ela está sentada e só vi as cadeiras vazias.

Frustrante.

Sai, fui ao meu quarto, um bom banho numa ducha incrível. E, dali ao restaurante, o cheiro da comida era ótimo. Acabei comendo mais do que devia, mas o frango ensopado de galinha caipira estava delicioso.

Olhei as horas, mais de oito da noite, optei, e fui direto ao salão para a sessão de cinema. Fazia frio, um frio gostoso, uma noite limpa, a Lua minguante. Pensei nos olhos castanhos de Cristina, aquele olhar se misturando com o meu, sem medo, limite ou cinismo. Simplesmente o olhar de uma mulher que queria saber de mim, e eu dela.

A mulher perfeita, independente, madura e gostosa para deitar numa cama e encher seu útero de porra. Senti um arrepio voltando à realidade, justo com uma boa amiga? 'Você não vale nada, Jonas!'. Ajeitei o pau dentro da cueca, discretamente, espero.

Arrumei minha cadeira num dos cantos do salão, na esperança de poder assistir ao filme sem ter que ficar torcendo o pescoço para enxergar a tela. Muita gente sem noção, ainda mais os altos.

"Garoto."

Olhei para trás meio surpreso, era ela vestida numa saia de tons azulados, uma camisa de algodão com uns desenhos coloridos nos bolsos e embrulhada num xale de seda sobre os ombros e os braços. Puxei uma cadeira e ela sentou do meu lado.

"Brigada."

"De nada."

"Te dei o bolo hoje."

Ela me olhou de lado rindo. Lembrei do dia seguinte no hotel de Caetés. Da carta que nunca foi respondida. Não foi só hoje, mas eu não falei nada.

"Dormi mais que a cama. A culpa é da minha colega de quarto, te falei não foi?"

"A Márcia?"

"A Miriam, ronca, não me deixou dormir. Eu ia só tirar uma soneca pra voltar ao salão. Apaguei. Desculpa. Adorei as nossas conversas de hoje de manhã."

"Também."

Ela pensou pra falar, ficou um silêncio, mas falou como se fosse uma intimidade nossa.

"Adorei aquele nosso abraço."

Olhei para ela, Cris não me encarou, não vi seus olhos. Mas vi um sorriso furtivo, lembrei dela com meu pau na frente do rosto, a chuva naquela noite em Caetés.

"Foi um abraço gostoso, não foi?"

Uma frase sem nenhuma imaginação. Só podia ser eu mesmo! Ela continuou olhando para os pés. Pensativa, como se eu nem estivesse ali.

"Você não vai me perguntar? Por que eu fugi de você, aquele dia?"

Seus olhos se fixaram em mim. Cris cruzou os braços se cobrindo o xale. Fazia frio no salão.

"Te perguntei na carta, e você não me respondeu."

"É mesmo, teve a carta. Eu tinha esquecido, adorei quando eu recebi. Fiquei, lisonjeada."

"Mas não me respondeu."

"Não. Meus problemas cara. Quando eu voltei o Álvaro quis reatar o relacionamento, foi bobagem, sabia que não ia dar certo. Além do mais, você morava em Goiânia e na época eu estava em Lavras. Não ia dar certo."

"Tendi."

"E você estava muito abusado. Não se escreve aquilo para uma mulher."

"Eu! Mas aquela noite, aquilo tudo?"

Ela escondeu o riso com os dedos dobrados da mão. Seus olhos castanhos cintilaram.

"Mesmo assim, fiquei com vergonha. Até parece que eu faço aquilo com qualquer um."

Cris examinou as unhas da mão como se o assunto não fosse tão importante. Havia um certo ar de orgulho, como se ela gostasse que o tema tivesse aparecido na nossa conversa.

"Eu não disse que você se deitava com qualquer um. Te elogiei! Até citei um poema, eu acho? Não foi?"

Eu sabia qual era, mas eu não tinha coragem de falar aquilo na frente dela.

"Lá sou amigo do rei

Lá tenho a mulher que eu quero

Na cama que escolherei"

"Então? É um lindo poema."

"Isso é coisa que se fale pra uma mulher que você mal conhecia? Só porque ela..."

Cris se ajeitou na cadeira, colocou uma das pernas por debaixo da outra. Olhou envolta, o salão começava a se encher, o barulho de cadeiras sendo arrumadas para o filme que estava para ser exibido.

Ela inclinou a cabeça no meu ombro, e me falou ao pé do ouvido.

"Só porque ela chupou o seu pau, no meio daquela chuva?"

Senti uma onda me percorrer a coluna. Uma descarga elétrica que me arrepiou.

"Eu só queria retribuir."

Ela se afastou dando um tchauzinho com a mão para alguém sentado a nossa frente.

"Caetés não tem nada a ver com Pasárgada. Nem aquele hotel. Mais respeito com os versos de Bandeira."

"Mas eu não desrespeitei o poema. Foi um elogio, a ele, a você."

Ela voltou a deitar no meu ombro, escondeu a boca com a mão fechada e falou no meu ouvido.

"Você queria era me comer. Acha que eu não vi nos seus olhos?"

Meu pau ganhou vida. Eu respirei fundo enquanto ela voltava ficar ereta encostada na cadeira. A mão fechada tampando a boca. Perecia que ela ria. Não demorou muito e as luzes se apagaram.

Aproveite o momento e fui eu a me inclinar sobre o ombro dela.

"Eu é que não consigo me esquecer dos seus olhos naquela noite depois que você me chupou."

O filme já começava, mas ela me ouviu e olhou. Seu rosto tinha um brilho azulado das imagens que surgiam no telão, os olhos brilharam e ela riu de um jeito safado, me dando um beliscão na coxa.

"Presta atenção no filme garoto."

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Comentários

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Muito bom. Aprecio demais histórias que fogem do "padrão" dos contos eróticos em geral.

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