Bernardo [80] ~ Contra o mundo

Um conto erótico de Bernardo
Categoria: Gay
Contém 2130 palavras
Data: 06/12/2023 17:32:34
Assuntos: Gay, Início, Sexo, Traição

Enquanto eu encarava a triste imagem do meu irmão caído no chão e gemendo de dor, dor que eu senti prazer em provocar, eu me perguntei pela primeira vez se eu estava no caminho certo. Era assim que deviam ser as coisas? Era assim que eu queria ganhar aquela guerra?

As atitudes de Caio foram extremas? Foram. Mas espancá-lo era realmente a melhor solução? Com aquilo eu não estaria apenas aprofundando ainda mais o poço que se criou entre nós a partir do momento que eu me assumi para ele? Sem dúvidas ele merecia algum tipo de punição, ou ao menos algo que o sacudisse e o trouxesse para a realidade. Mas eu tinha ido muito longe?

_Precisamos sair daqui, Caio. Mas só vamos depois de nos entender._ falei lutando para manter a voz firme.

Todo o alívio que senti lhe batendo antes, tinha dado lugar a uma profunda dor de arrependimento. Afinal, o sangue que escorria pelo seu nariz era o mesmo que o meu. O que eu estava fazendo com meu irmão?

_Caio..._ falei me aproximando sem jeito.

Ele só chorava e fungava alto, com o rosto escondido entre os braços. Eu fui chegando perto com cuidado. Ele recuou quando encostei nele, provavelmente achando que eu ia bater mais. Peguei nos seus cabelos e tentei afastá-los do seu rosto, mas ele se virou, talvez para me impedir de vê-lo chorando, o que era inútil. Insisti. Me sentei ao seu lado no chão e o abracei. Ele relutou um pouco, mas ficou imóvel. Por fim, ele aceitou o meu abraço, apesar de não me abraçar de volta. Ele chorava no meu colo e eu acariciava seus cabelos.

_Nós não podemos continuar assim, Caio...

E ele chorou mais forte. Eu entendia. Ele não estava chorando por conta da surra, estava chorando por tudo. Todo aquele ódio que ele insistia em sentir e despejar nos outros era muito pesado. Não devia estar sendo fácil para ele. E eu sabia o quanto era escuro e solitário lá no fundo poço.

_Você está jogando a sua vida fora, Caio. Quando você acordar, pode ser tarde demais.

Todo seu ódio era só uma máscara sobre seus medos, e eu entendia tão bem sobre mascarar o medo...

_Eu sei que você não me odeia. E você não odeia Rafael. Você não é homofóbico. Você acha que pode me odiar simplesmente por ter descoberto que eu faço parte de um grupo dessa sociedade que tanto te incomoda. Mas esse não é um bom motivo para odiar ninguém._ dei um suspiro longo _Esse ódio todo que você traz dentro de si está te impedindo de ser feliz, está te impedindo de viver. Se você não gosta do mundo que te cerca, então lute para muda-lo. Essa sua postura agressiva não ajuda ninguém, muito menos você mesmo.

Ele não me respondia, apenas chorava, mas bem baixinho agora. Eu sabia que ele estava absorvendo com cuidado tudo o que eu falava.

_Eu já estive no seu lugar e sei o quanto dói. E eu tive que apanhar muito da vida para aprender. Como seu irmão mais velho, eu estou aqui para te mostrar o caminho mais fácil. Você não precisa passar por tudo o que passei.

Eu me identificava em cada palavra do que dizia. Por motivos diferentes, e permissividade no lugar da agressividade, eu já tinha estado no lugar que Caio estava.

Sabe como eu saí do fundo do poço? Eu comecei de novo. Por que não começa também?_ ele parou de chorar, apenas ouvia agora _Começando por mim. Não precisamos de palavras emotivas para fazer as pazes, não faz o estilo de nenhum de nós. Vamos apenas esquecer tudo o que ficou para trás, as agressões físicas e verbais. Vamos começar do zero. Eu quero voltar a ser seu amigo.

Eu terminei meu discurso com um beijo no alto da sua cabeça, o qual ele não reagiu (para bem ou para o mal).

_Pense sobre tudo isso. Se estiver disposto a mudar, eu estou disposto a te dar a mão nessa jornada.

Em nenhum momento daquela conversa, ele me olhou. Mas também não soltou nenhum xingamento em resposta, o que era uma baita vitória.

Deixei ele refletindo sobre tudo o que eu disse e então saí do quarto. Tiago me esperava no corredor pronto para me dar uma bronca.

_Você enlouqueceu, Bernardo? Bater nele desse jeito?!

_Eu perdi a cabeça, desculpa.

Ele ia entrar no quarto para ver como Caio estava, mas eu o segurei.

_Ele precisa de um tempo para refletir sobre tudo o que eu disse. Deixe ele sozinho um pouco. Vai lhe fazer bem.

Meio que contrariado, Tiago concordou e desceu. Eu me dirigi ao meu quarto, onde Rafael me esperava deitado.

_E então?_ ele me perguntou.

Eu tranquei a porta com cuidado, tirei minha roupa ficando só de cueca e deitei ao seu lado na cama. Ele me aninhou em seus braços e eu comecei a chorar.

_O que foi, amor?_ perguntou Rafael preocupado.

_Eu não quero ser assim! Eu não quero ser essa pessoa!_ respondi chorando.

Ele me abraçou forte e deixou que eu me acalmasse.

_Você se arrependeu de ter batido nele?_ ele perguntou.

_Sim...

_Por que você bateu nele?

_Porque eu perdi a paciência com ele. Mas ele é meu irmão! Eu não posso forçar ele a mudar na base da porrada. Se fosse assim, quem eu seria? Eu seria o pai do Tom!_ falei voltando a chorar.

_Você não é, Bernardo!_ ele falou me sacudindo _Você não passa nem perto de ser uma monstruosidade dessas. Você perdeu a sua calma, ele vinha te provocando a muito tempo. E você se arrependeu.

_Rafa...

Eu precisava lhe fazer a pergunta que passou a me atormentar.

_Você disse que eu me tornei uma pessoa mais forte. Mas eu me tornei uma pessoa melhor? Porque antes eu nunca teria feito uma coisa dessas.

_Que bobagem, Bernardo. Lógico que você se tornou uma pessoa melhor.

_Será mesmo? Será que essa força toda que eu ganhei não me cobrou um preço muito alto? E se foram as minhas atitudes que inflaram as ações do Caio? E se só fiz a reação da minha mãe pior ao bater de frente com ela? E se eu tivesse engolido meu orgulho e te ajudado com Carolina? Você teria feito o que fez na festa de Pedro e estaríamos numa situação bem melhor agora...

Ele, sem uma resposta muito boa para aquilo, se contentou a continuar acariciando meus cabelos.

_Será que eu não tô abrindo mão de uma coisa muito maior em troca de “força”?

Instantaneamente, me lembrei das palavras do meu pai:

“...Viver não é fácil, Bernardo, não é simples. Todos nós temos nossa parcela de medo, de defeitos, de mágoas. Todos nós temos demônios só nossos. E você tem os seus, eu entendo e respeito. Mas isso não lhe dá o direito de se revoltar contra essa família... Sua personalidade é uma combinação de fatores genéticos e de elementos da criação que te demos, sem dúvida. Mas é a sua personalidade, só sua. É ela que faz de você uma pessoa tão diferente dos outros. Então, pare de jogar todos os seus problemas na sua personalidade. É quem você é e pronto. Aprenda a conviver com seus defeitos... E daí que você é prestativo, que está sempre disposto a ajudar alguém? Isso não é defeito. Isso nunca te prejudicou... Não faça a idiotice de negar a sua própria personalidade, porque isso só te trará sofrimento no futuro.... Você está destinado a ser grande... E você está tentando abrir mão dessa sua grandeza. Não faça isso. Sua sexualidade pode ter algum papel na formação da sua personalidade, mas esqueça essa ideia errada de abrir mão de todos os seus defeitos, pois são exatamente eles que fazem de você a pessoa que você é. Estar sempre disposto a ajudar os outros, mesmo que isso signifique deixar seus próprios problemas de lado por um instante, é a chave da sua grandeza... Um dia eu não vou estar mais aqui... Nesse momento, Bernardo, você vai assumir meu lugar. Você vai ser o pilar dessa família“

_Não sei, amor..._ falou Rafa, enfim _Talvez exista a resposta esteja no meio termo. Talvez sua próxima missão é achar essa calibragem...

_Talvez...

Falando da minha mãe, principalmente, eu já tinha dado meu recado e ela tinha entendido. Era chegada a hora de guardar as facas e sentar para uma conversa civilizada. Aquele era, necessariamente, o próximo passo do nosso relacionamento. Afinal, para dar dois passos em frentes, às vezes é preciso recuar um passo.

[...]

Quando acordei mais tarde naquele dia, já estava escuro e eu ouvia a vozes de todos lá embaixo jogando conversa fora. Me vesti e, ao sair do quarto, me deparei com Alice segurando uma sacola no corredor.

_Pegou meio pesado, hein, garotão?_ falou se referindo a Caio.

_Eu sei...

_Toma._ falou me entregando a sacola.

_O que é isso?

_Tiago foi até a farmácia comprar curativos para Caio e me pediu para ir fazê-los. Rafael me contou sobre sua conversa com ele após a briga. Talvez você seja a pessoa mais indicada para fazer.

Peguei a sacola relutante. Não sabia se Caio estaria bravo comigo pela surra.

_Estamos esperando vocês lá embaixo._ ela falou.

_Certo...

Entrei no quarto que Caio dividia com Tiago e estava tudo escuro. Eu o conhecia muito bem para saber que, apesar de deitado e coberto, ele não estava dormindo. Acendi a luz e ele foi obrigado a me olhar. Eu não tinha batido muito no seu rosto, então não tinha grandes hematomas, apenas alguns cortes com sangue seco. Meu estômago embrulhou com a percepção que fui eu que tinha feito àquilo ao meu irmão. Mas no seu olhar não havia mais ódio, havia um pedido de socorro.

Vem, deixa eu cuidar disso._ falei me sentando na cama.

Ele se deitou de barriga pra cima na cama e fechou os olhos, deixando que limpasse com cuidado os seus machucados. Nenhum de nós falou nada durante todo aquele ritual.

_Vamos descer um pouco?_ perguntei quando terminei.

_Preciso tomar um banho.

_Certo, a gente te espera lá embaixo.

Quando desci, tranquilizei Tiago sobre a situação. Não demorou muito e Caio desceu. Foi um pouco estranho no começo, porque todos sabiam o que estava acontecendo, mas ninguém falou nada. Todos se esforçaram ao máximo para salvar aquele fim de semana. Caio praticamente não falava nada, mas isso poderia ser considerado uma vitória dado o seu histórico. Percebi que Caio ficou muito impressionado com Mariana, e ela deve ter percebido também, mas ficou cada um na sua. Daquele mato ainda sairia cachorro...

Dentro do possível, o resto do fim de semana transcorreu em paz. Caio até interagiu um pouco. Por via das dúvidas, Rafael manteve uma distância segura dele, afinal, não era bom arriscar. Do mesmo jeito, eu evitei qualquer aproximação mais carinhosa com meu namorado na frente dos outros. Além de Caio, eu ainda tinha vergonha de ficar com ele na frente de todo mundo. Ele não tinha vergonha nenhuma, mas entendeu que era o melhor a se fazer naquele momento. Toda vez que eu falava mais alto com alguém, Pedro soltava um “cuidado que ele vai te bater, hein”, mas, tirando isso, não houve menção ao que aconteceu naquela tarde comigo e Caio.

No futuro, eu e Caio conversaríamos sobre o aconteceu ali, mas não era hora. Ele tinha muito o que refletir consigo mesmo ainda para entender algumas coisas, do mesmo jeito que eu precisava buscar encontrar um equilíbrio para que não voltasse a acontecer coisas como aquelas. Por hora, passamos uma borracha em tudo e seguimos em frente, prontos para o próximo passo da nossa relação como irmãos.

Daquele fim de semana, me ficou a lição que eu não podia explodir com todos. Eu precisava achar um ponto de equilíbrio: nem deixar que pisassem em mim, nem deixar que trouxessem à tona o pior da minha personalidade. Era a estratégia que eu adotaria com minha mãe a partir de então.

_Pra você._ falei depositando uma sacola na mesa da cozinha quando chegamos em casa no domingo à noite.

Minha mãe olhou desconfiada para mim e para a sacola.

_Mangas. Você sempre gostou das mangas que a gente pegava lá na casa, lembrei de você.

_Hm... Obrigada._ respondeu um pouco desconcertada.

Nas últimas semanas, ela tinha se acostumado comigo ignorando sua presença, assim, a peguei de surpresa. Antes que se instaurasse um silêncio constrangedor, saí da cozinha. Seria necessário passos de formiga com minha mãe, mas eu estava disposto a ir com toda a calma do mundo com ela. Agora, mais do que nunca, eu dava valor à minha família.

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E a busca do equilíbrio é uma constante. Não há fórmula pronta para encontrar o equilíbrio. Há apenas pistas, que vão surgindo a partir de um olhar aguçado sobre a trajetória das pessoas com as quais nos relacionamos.

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