Bernardo [67] ~ Guerra Solitária

Um conto erótico de Bernardo
Categoria: Gay
Contém 2116 palavras
Data: 05/12/2023 19:38:15
Assuntos: Gay, Início, Sexo, Traição

Quando abri os olhos naquela manhã de segunda-feira, ao mesmo tempo estranhei e reconheci vagamente onde estava. Demorei alguns segundos para colocar a cabeça no lugar e relembrar tudo o que tinha acontecido no dia anterior. Eu estava no quarto de Pedro. Eu tinha dormido ali, na sua cama, e ele estava dormindo num colchão no chão do quarto.

“Eu tenho que voltar para casa” era tudo no que eu conseguia pensar, mas como? Eu tinha dito coisas demais na noite passada, tinha me mostrado demais. Eu teria que abaixar a cabeça pra entrar em casa agora? Seria melhor se eu tivesse medido melhor minhas palavras no dia anterior, mas era tarde. Eu cheguei à conclusão que não tinha como bolar um plano para aquela situação. Não havia muito o que fazer. Uma hora eu teria que entrar em casa, afinal eu estava apenas com a roupa do corpo, e nessa hora só Deus sabe o que aconteceria. Minha reação dependia da reação da minha família, e eu não sabia como isso seria. Fechei os olhos e tentei dormir mais um pouco.

_Bernardo._ falou a voz de Pedro em algum lugar da minha cabeça enquanto eu era sacudido.

Abri os olhos e vi meu amigo já todo vestido.

_Bom dia._ grunhi me sentando na cama.

_Boa tarde, né? Quase uma da tarde já.

_Nossa...

_Dormiu bem, hein?

_Eu até acordei cedo, mas voltei a dormir.

_Ah... Então, a empregada está de férias e minha mãe trabalhando. Acho que você não vai querer se arriscar comigo cozinhando, então vamos almoçar no shopping?

_É... Pode ser.

_Quer uma roupa emprestada?

_Eu agradeceria.

_Pode pegar uma lá no armário.

_Valeu.

Pedro esperou eu me arrumar e aproveitou pra me contar que tinha ligado na minha casa e falado com Tiago onde eu estava. Eu confesso que nem me lembrei de avisar, mas fiquei aliviado dele ter feito. Com certeza evitou uma grande bronca. Passamos na casa de Alice e fomos nós três almoçar. Só quando nos sentamos, contei tudo o que tinha acontecido a eles. Na noite passada tinha falado apenas por alto.

_E qual é o próximo passo agora?_ perguntou Alice.

_Não sei._ respondi _Voltar pra casa. Não posso morar na casa do Pedro.

_Se quiser..._ falou Pedro meio brincando, meio sério.

_Não, essa nunca foi uma opção válida. Apesar de tudo, acredito que minha mãe nunca seria capaz de me expulsar de casa ou algo do tipo. E eu não vou sair até ter condição de me manter e tal.

_Mas você vai voltar como se nada tivesse acontecido?_ perguntou Alice.

_Não sei como vai ser. Depende muito da reação deles.

_Como você acha que eles vão reagir?

_Não tenho ideia.

Estava tudo muito nebuloso ainda. Eu não conseguia prever como as coisas se seguiriam dali pra frente.

_Quer dormir lá em casa de novo?_ perguntou Pedro _Eu posso passar na sua casa e pegar uma muda de roupas.

_Não, valeu. Não vou ficar fugindo deles, uma hora teremos que conversar e é melhor que seja rápido.

_Tem certeza?

_Não tenho certeza de nada neste momento. Mas eu não vou fugir._ falei.

Alice e Pedro me olharam sem jeito. Para eles, se assumir era uma coisa muito abstrata. Eles nunca precisaram ir pra frente da sua família e falar que eram heterossexuais, então era difícil para eles se colocarem no meu lugar e darem bons conselhos. O que eles faziam é dar conselhos dispersos e vazios. Como a intenção era boa, os ouvi com paciência.

Você está pra contar isso pra sua mãe há um ano, não esperava uma reação assim dela?_ perguntou Alice.

_Pior que esperava. Mas não foi planejado. O assunto surgiu e eu contei. Eu tinha planejado que tudo aconteceria mais calmamente, com apenas nós dois na conversa.

Eu não contei a eles sobre a gravidez de Laura, era um segredo só entre meus irmãos e eu, mais ninguém. Abaixei a cabeça sobre a mesa por um instante, só para refletir um pouco sobre tudo o que estava acontecendo. Por mais que eu amasse Pedro e Alice e prezasse pelos seus conselhos, eu precisava de um pouco de silêncio para colocar a cabeça no lugar. Eles entenderam e respeitaram.

_Oi, tudo bem com vocês?_ falou Pedro.

Levantei a cabeça para ver com quem ele estava falando, mas antes que pudesse me virar para descobrir em quem estava atrás de mim, Rafael respondeu:

_Vamos levando. E com vocês?

Lá estavam Rafael e Carolina parados atrás de mim de mãos dadas. Ainda era uma visão que incomodava, mas tentei não deixar isso transparecer. Carol estava visivelmente abatida, com profundas olheiras e expressão de cansaço.

_Oi..._ falei tentando não soar tão constrangido.

Evitei ao máximo em cruzar olhares com Rafael. Eu tinha dois medos: que nos entregássemos no olhar e que ele soubesse que tinha alguma coisa de errado só pelos meus olhos. Eu não estava certo se queria ele sabendo e se intrometendo no assunto. As coisas ainda estavam estranhas entre nós.

Bernardo! Você voltou!_ falou Carolina numa tentativa de parecer entusiasmada e me deu um beijo na bochecha.

Não interpretei aquilo como falsidade dela. A mãe dela estava morrendo, ela não tinha condições de ficar realmente feliz pela volta de um colega, mesmo se esse colega não fosse ex do seu namorado. E além do mais, ela não tinha motivos para não gostar de mim. Ela sabia que nunca mais tive nada com Rafael desde que eles começaram a namorar. Sim, com certeza havia ciúme, ainda mais por saber que ainda havia sentimento entre nós, ainda que ela não soubesse da magnitude desse sentimento. Mas ela sempre pareceu uma pessoa muito superior a isso tudo, não iria me tratar mal só por causa de ciúmes. Assim, fui cordial com ela também.

_Sim, faz uma semana. Como vai a sua mãe? Alice me contou...

_Ah..._ a expressão dela se entristeceu _É difícil. Mas estamos fortes e unidos nesse momento, e isso é o que importa.

Me soou como uma indireta, como se ela estivesse me falando sobre ela e Rafael, e não sobre sua família. Me perguntei se não era apenas paranoia minha e apenas balancei a cabeça em concordância. Ela me olhou de uma maneira estranha.

_Essa camisa... Não é uma que Pedro sempre usa?

Nessa hora entendi que a Carolina que eu via ali não era a mesma que eu conheci. Eu podia muito bem ter uma camisa igual a de Pedro, não? O que ela quis foi fazer inferno ali, o que foi patético dado todos os envolvidos. A insinuação soava cômica de tão inverossímil. Como ela disse uma vez, eu nunca representei perigo para o namoro dela por não estar empenhado em lutar por Rafael. Mas agora é diferente. E como ela teria descoberto? Rafael. Ele é muito transparente, com certeza havia mudado com ela e a associação com minha volta ao Brasil ficou clara.

Com minha visão periférica, vi os músculos de Alice se contraindo e Pedro colocar a sua mão sobre a dela, como se pedisse calma. Rafael levantou a sobrancelha desconfiado. Não era possível que ele estivesse levando a insinuação a sério, só devia estar surpreso com a própria namorada.

_A camisa é dele._ respondi sorrindo descaradamente.

Não sei se alguém esperava uma resposta elaborada, mas eu não estava disposto a dar. O clima pesou e Rafael interviu.

_Então, a gente se vê por aí. Só viemos almoçar, estamos voltando para o hospital. Até mais.

_Até._ eu respondi em uníssono com Pedro.

E me virei para não ver os dois indo embora de mãos dadas. Alice estava claramente puta da vida.

_Quem essa piranha pensa que é? Na minha frente?_ ela falou indignada.

_Calma, amor, ela está passando por um momento difícil._ falou Pedro.

_E? Eu já passei por muitos momentos difíceis e nunca cheguei perto de agredir uma pessoa gratuitamente assim.

Me preocupei em acabar de beber meu refrigerante sem me importar em dar uma opinião.

_Mas isso não vai ficar assim._ ela falou pegando o celular.

Ela começou a digitar rápido no celular. Pedro tentou ver o que estava acontecendo, mas ela não deixou.

_O que você vai fazer?_ perguntei preocupado.

_Você vai ver.

Rapidamente ela terminou, bloqueou o celular e o jogou sobre a mesa rindo triunfante.

_O que você fez, Alice?_ perguntei.

_Nada de mais. Só contei pro Rafael que você se assumiu para a sua família, foi expulso de casa e está morando na casa do Pedro temporariamente.

_O que?!_ perguntei tentando entender o que ela fez.

_Não dou dez minutos pro Rafael despachar ela e aparecer aqui.

_Mas isso é mentira!

_Detalhes.

_Você é do caralho!_ falou Pedro rindo.

_Eu não queria contar pra Rafael, Alice!_ falei exasperado.

_Por que não?

_Porque não!

Ela ia continuar, mas se conteve ao ver alguma coisa atrás de mim. Olhei para trás e vi Rafael vir apressado em nossa direção. Sem Carolina.

_O que aconteceu, Bernardo?_ ele falou se sentando à mesa e pegando na minha mão.

Foi impossível não sentir meu coração aquecido com ele me tocando e me olhando daquele jeito tão intimo, tão protetor e carinhoso. Mas eu não podia confundir as coisas. Não era a nossa hora ainda. Retirei minha mão cuidadosamente para não parecer muito grosso.

_É mentira da Alice, Rafa. Ela só queria fazer você correr pra cá e deixar Carolina sozinha.

Rafael olhou muito bravo para Alice, que nem ligou, continuou a sorrir triunfante. Ele se preparou para xingá-la, mas Pedro interviu:

_Em defesa dela, só metade era mentira.

Rafael me olhou confuso. Eu dei um longo suspiro e comecei.

_Eu contei para minha mãe. Meus irmãos descobriram ao longo da semana. Não houve uma grande briga, mas eu desabafei de um forma pouco aconselhável. Saí correndo de casa e fui pedir abrigo a Pedro. Não fui expulso. Não estou morando com Pedro. Apenas precisava de uma noite longe de casa.

_Por que você não me chamou?_ ele perguntou aflito.

_Porque você namora._ tentei responder de um jeito menos agressivo, mas ele se mostrou ofendido da mesma forma.

_Porra! Se eu não mais seu namorado, então eu não sou mais ninguém pra você?!_ falou ferido.

Eu cocei a cabeça. Encarei Pedro e Alice que escutavam atentamente. Eu fiquei constrangido de ter que discutir nosso relacionamento na frente deles, mas não teve jeito.

_Eu não pensei, Rafa. Não foi planejado. Eu não liguei para Pedro atrás de colo, eu liguei para ele atrás de um lugar para dormir e só. Você queria eu fosse dormir na sua casa? Acha mesmo que isso ia prestar?

A expressão dele relaxou com a resposta, mas ele ainda se mostrava aflito.

_Mas eu queria estar lá com você quando contasse. Eu queria segurar a sua mão..._ a voz dele foi se perdendo na última parte.

Ele desviou os olhos constrangido. Ele não podia mais segurar a minha mão. Ele não era mais meu namorado. Ele estava preso num namoro, e era um cara bacana demais para jogar tudo pro alto assim, por mais impulsivo que ele fosse. Me penalizei por ele. Não devia estar fácil para ele aqueles dias.

Eu não queria você lá nem se você ainda fosse meu namorado._ falei tentando soar o mais controlado possível _Eu não queria ninguém lá. Eu não queria nem meus irmãos, simplesmente aconteceu deles estarem lá no momento.

Ele voltou a se mostrar ofendido, ainda que menos do que antes. Olhei para Alice e Pedro que nos assistiam.

_Eu agradeço pelo apoio de vocês. Não tenho palavras pra dizer o quanto vocês são importantes para mim. Você em especial, Rafa. Mas essa é a minha batalha e ninguém pode lutá-la por mim. Minha mãe não vai ficar mais ou menos nervosa por ter alguém ao meu lado, ou eu não estarei mais ou menos forte. Somos só eu e ela. Você não entendem, nunca passaram por um momento como esse, nem mesmo você Rafa.

Me levantei da mesa enquanto os três me olhavam calados.

_Mais uma vez, agradeço imensamente por estarem ao meu lado. Mas a batalha é minha. Eu tenho que lutar sozinho. Tchau, depois a gente se fala.

E fui embora sem esperar uma resposta de nenhum deles. Era aquilo. Eu tinha uma sorte imensa de ter os três mais os meus irmãos ao meu lado, mas aquela era uma guerra solitária. Mais do que nunca, era necessário que eu lutasse sozinho, pois seria meu derradeiro teste. Eu tinha que provar para mim mesmo que deixei a fraqueza para trás quando embarquei rumo a Paris.

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