Bernardo [64] ~ Laços de família

Um conto erótico de Bernardo
Categoria: Gay
Contém 2462 palavras
Data: 05/12/2023 18:20:29
Assuntos: Gay, Início, Sexo, Traição

E lá estávamos nós quatro, sozinhos em casa e prestes a ter uma conversa definitiva sobre nossa família. Eu só tinha uma certeza: o que quer que acontecesse ali, seria extremo. Ou a gente se entenderia de vez, ou passaríamos um bom tempo sem nem mesmo nos olharmos.

Antes de narrar os fatos daquela histórica noite, alguma coisas precisam ser pontuadas. Eu já contei como evoluiu e como era a minha relação com cada um dos meus irmãos, mas não falei sobre como era a relação deles um com o outro. O que guiava sua relação eram as personalidades de cada um.

Como já disse, Tiago sempre foi do tipo expansivo, extrovertido, alegre, meio explosivo às vezes. Laura também era assim, só que nunca explodia. Ela ficou só com a “parte boa”, ela nunca chegava ao ponto de brigar com alguém. Se era contrariada (o que era muito difícil de acontecer), ou ela ignorava ou insistia até dobrar a outra parte. Sendo assim, os dois se davam muito bem. Não que eles fossem de trocar confidências, mas eles eram bem próximos. Tiago gostava de exibir Laura como a sua princesinha e Laura gostava de exibir Tiago para suas amigas, que caíam apaixonadas por ele. Tiago tirou sua carteira de motorista com 18 anos, então ele passou muitos anos servindo de motorista particular da minha irmã. Assim, eles passavam muito tempo juntos, conversavam sobre seus gostos e visões muito parecidos, e se entendiam.

Com Caio, era o contrário. Depois que ele entrou na adolescência e abraçou essa personalidade de “ódio a tudo e todos”, eu fui o único que continuou a ter paciência com ele. Caio, o estranho que senta no canto da sala, sempre foi uma figura que Laura e Tiago, os mais populares da escola, mantinham distância. Dentro de casa, inclusive. Laura e Tiago não entendiam Caio, nem tentavam. Caio desprezava o estilo de vida, a personalidade e os gostos de Tiago e Laura.

Eu fazia o meio de campo. Nunca passei nem perto de ser tão socialmente bem sucedido com Laura e Tiago, mas eles nunca me viram como estranho. Eu era quieto, na minha, comum. Não incomodava como Caio. Por outro lado, não compartilhava o mesmo estilo de vida, personalidade ou gostos que eles, então não era desprezado por Caio. E, fugindo da solidão dentro da própria casa, ele se abraçou a mim. Era como se existissem dois times bem definidos: Caio e Laura & Tiago. Apesar das diferenças, os dois times nunca entraram em guerra. Até aquela noite.

_Deixa ele, Tiago._ pedi tentando botar panos quentes.

Eu me sentia culpado. Caio poderia muito bem facilitar as coisas, claro, mas fui eu que trouxe a “questão” em primeiro lugar. Se não fosse por mim, eles não estariam brigando agora.

_Não!_ respondeu meu irmão mais velho _Esse moleque vai ter que crescer, nem que seja na marra.

_Vai se fuder!_ respondeu Caio.

Corri para segurar Tiago, que partiu pra cima do nosso irmão menor. Os ânimos estavam bem quentes ali. Laura se sentou na minha cama e assistia tudo em silêncio. Mas ela não estava em paz ou desdenhosa com a situação. Seu rosto exprimia aflição com a cena dos seus irmãos brigando.

_Não adianta, Tiago, ele não quer fazer parte disso. Deixa pra lá. Você só está alimentando o discurso de ódio dele._ falei.

_Olha, o Bernardinho._ disse Caio com um sorriso desdenhoso _Depois que se assumiu viadinho, tomou gosto por soltar frases vazias por aí.

_Nada do que eu te disse foi vazio, e você sabe. Se fosse tão vazio, não teriam doído em você como eu sei que doeu._ respondi.

Tiago se soltou de mim e apontou o dedo pra Caio dizendo:

_Chega de bancar o filho da puta. O que você faz fora dessa casa, como você trata seus amigos, não me importa. Mas o que faz aqui dentro importa. Já cansei de você destilando essas suas asneiras por aí, de ficar provocando o papai e a mamãe, de ficar jogando indireta pra mim e pra Laura. Contra mim, eu até deixo passar, não me importo com sua opinião sobre o que eu faço. Mas eu não vou deixar você ofender o Bernardo. Ele sempre esteve do seu lado, sempre te defendeu, sempre me pediu pra ter paciência com você. Nunca o ouvi sequer reclamando de você, e olha que você merece!

Eu acho que devia me sentir bem com meu irmão em defendendo daquele jeito. Mas ele estava me defendendo do meu outro irmão, então tudo o que conseguia sentir era culpa pelas coisas terem chegado até àquele ponto.

_Digo e repito: vai se fuder você e ele!_ respondeu Caio.

Era aquilo. Não adiantava forçar Caio a nada. Ele estava muito agarrado ao ódio que ele sentia do mundo a sua volta. Acho até que Caio nunca foi homofóbico, nem por um segundo. Eu sempre fui o “bom camarada”, aquele que só diz sim, que vive para agradar os outros, que está sempre disposto a ajudar. Ninguém consegue odiar alguém assim, nem Caio. Mas aí eu me assumi gay para ele, e automaticamente eu me submeti a uma categoria daquele sistema que ele tanto odiava. Ele não me odiava por ser gay, ele me odiava por agora fazer parte de uma coisa da qual ele tinha ódio. Porém, entender isso não significava deixar ele falar o que quisesse sobre mim.

_Já que você está sendo tão sincero, nos mandado nos fuder, deixa eu retribuir o favor. Vou ser sincero._ falei para Caio _Eu não te odeio. Eu tenho pena de você, e isso é pior. Você acha que essa postura sua de ódio automático do mundo faz as pessoas te verem como, sei lá, alguém muito superior? As pessoas te veem como um coitado. Quem é realmente superior têm muitos questionamentos, não ódio. E esse seu ódio é ridículo. Se ele ao menos fosse honesto! Ele é só sua desculpa por não conseguir se encaixar. As meninas mais bonitas não olham pra mim? Maldito sistema que valoriza os meninos musculosos! As minhas notas não são boas? Maldito sistema que não sabe avaliar com precisão a inteligência dos alunos! As pessoas me olham com estranheza? Maldito sistema que valoriza o normal!

Ele me olhava com raiva, mas não liguei. Eu ainda era seu irmão, e era meu dever lhe abrir os olhos.

_Um último conselho? Você não se encaixa? Ok, acontece com a grande maioria, por mais contraditório que isso possa parecer. Quer superar isso? Abandone a filosofia do “ódio” e adote a filosofia do “foda-se”, isso, sim, te faria alguém realmente superior.

Pronto, soltei as últimas palavras que estavam presas na minha garganta. Se teriam efeito ou não, só o tempo diria, mas pelo menos eu tinha dito, cumpri meu dever com ele.

_Tô pouco me fudendo para o que você acha de mim._ ele falou entre os dentes _Por mim, você pode pegar esse seu conselho e enfiar no cu. Afinal, é lá onde você se diverte, né?

_Eu vou te fazer engolir isso!

Desta vez, não deu pra segurar, foi muito rápido. Quando dei por mim, Tiago já estava em cima de Caio lhe dando socos. Meu irmão mais novo tentava revidar, mas ele era bem mais fraco e lento que Tiago. Me joguei em cima dos dois tentando separar, mas tudo o que consegui foi levar um soco também. Se não fosse tão patético, seria cômico.

_CHEGA!_ gritou Laura.

Por reação, nós três paramos onde estávamos e olhamos para ela. Nunca tínhamos ouvido Laura gritar, ao menos não um grito que merecesse atenção. Ela estava muito vermelha e com lágrimas nos olhos. Era o limite dela. Ela se levantou rapidamente da cama e veio até nós três, que ainda estávamos parados no chão um em cima do outro. Com uma força e rapidez impressionantes, ela deu três tapas: um na cara de cada um de nós. Eu, Caio e Tiago nos olhamos assustados, sem reação. Não sei bem o que foi, talvez a marca idêntica dos dedos de Laura nos rostos dos meus irmãos, ou talvez o próprio ridículo da situação, só sei que me deu uma vontade incontrolável de rir. Eu ri. Gargalhei. Eu deitei no chão e segurava minha barriga, que doía de tanto rir. A que ponto chegamos! Perto de mim, Tiago não aguentou e começou a rir também. Caio tentava, em vão, segurar seu riso. Só Laura continuava séria, tão séria quanto quando gritou.

Vocês são idiotas! Olhem bem pra vocês!

Estávamos mesmo ridículos. Caídos nos chão, sem fôlego, e com os rostos marcados de golpes.

_Vocês não podem concordar em discordar? Caio é um idiota? É, mas é direito dele ser idiota. Ele que se foda com esse ódio todo que ele teima em sentir. Tá fazendo mais mal é pra ele mesmo.

_Laurinha,_ falou Tiago calmamente _ele tem que entender que ele faz parte de uma família e...

_Foda-se! Ele não tem que entender nada! Se ele não quiser fazer parte da porra dessa família, que não faça! Ninguém se importa!

Eu nunca tinha ouvido Laura gritar ou falar um palavrão. Caio e Tiago também não, a julgar pela cara de espanto deles. Ficamos em silêncio por um tempo.

_É tudo culpa minha._ falei _Eu não devia ter envolvido vocês nisso. Me desculpem.

_Você não tem culpa de nada._ respondeu Tiago.

_Eu falei que esse plano seu não ia dar certo.

Caio e Laura nos olharam confusos quando falei aquilo. Suspirei.

_Eu vou contar para a mamãe que sou gay. Ela não vai lidar bem com isso. Tiago achou que seria bom ter vocês ao meu lado, que seria mais difícil dela criar defesa se todos estivessem contra ela.

Caio e Laura abaixaram a cabeça. Eles pensavam. Sobre aquilo, sobre tudo, sobre a nossa família.

_Está decidido, eu vou contar para ela._ falei _Eu agradeço o apoio, mas a batalha é só minha. Só peço que se preparem. Essa casa vai vir abaixo. Papai sabe de tudo e me apoia. Mamãe não vai encarar bem o fato dele saber a mais de um ano e não ter contado pra ela. Eu não sei o que vai vir daí.

Aquilo estava preso na minha garganta há algum tempo, e com quem mais do que com meus irmãos eu podia compartilhar aquilo? Eu tinha muito medo que eu viesse a ser o ponto de ruptura do casamento dos meus pais.

_Você querendo ou não, eu vou estar ao seu lado._ falou Tiago _Eu não vou te deixar passar por isso sozinho.

_Obrigado._ agradeci sem ânimo para recusar qualquer coisa no momento.

Nós quatro permanecemos em silêncio. Nem mesmo Caio falava ou agia. Imagino o que se passava por sua cabeça no momento.

_Você realmente acha que isso pode abalar o casamento deles?_ perguntou Laura.

_Não sei... Talvez._ respondi sem certeza.

Deitei no chão e encarei o teto. Eu me lembrei que havia uma parte da história da nossa família que eles não conheciam, e era preciso que conhecessem para terem uma ideia do que estava por vir. Sem parar para perguntar se queriam ouvir, eu lhes contei toda a história do tio Aurélio. Ao terminar, tudo o que ouvi em resposta foi silêncio. Era muita informação de uma só vez.

_Não vai acontecer a mesma coisa com você._ falou Tiago, enfim.

_Eu sei, mas isso tudo dá uma ideia da reação da mamãe. É só pra vocês entenderem o que nos espera em breve. Papai já me deu sinais que não vai deixá-la vir pra cima de mim. Lógico que vai haver briga.

_Você vai jogar uma bomba no colo deles._ falou Tiago, sendo um pouco acusatório sem querer.

_E eu vou jogar outra..._ falou Laura distraída.

Nós três olhamos para ela atentos. Do que ela estava falando?

_Eu acho que estou grávida.

O único som que se ouviu no quarto depois disso era do trânsito lá fora.

Eu sempre pensei em Laura como uma pessoa rasa, um personagem raso. É preconceituoso, eu sei, mas é dessas impressões difíceis de se abandonar uma vez que se tem. Tudo mudou quando ela disse aquela frase. O sentimento que eu vi em seus olhos naquela hora não tinha nada de raso. Era uma mistura de medo, tristeza, arrependimento e, por que não, alguma alegria. Laura explodiu a própria bolha. A bolha que nunca me deixou vê-la como ela era de verdade. A bolha que nunca me deixou ver que havia uma dor secreta no modo como ela agia. Laura era muito mais que um simples projeto de dondoca. Que pena ter sido necessário que a bolha dela explodisse para que eu pudesse ser capaz de ver isso. Afinal, eu passei tanto tempo preso à minha dor, que me tornei incapaz de reconhecer a dor nos outros? E se for assim, como eu poderia culpar Caio ou Tiago por precisarem de situações limites para entenderem o que se passava comigo?

De repente, as coisas tomaram outra dimensão. Eu era gay, e daí? Laura estava grávida.

Tiago se levantou calmamente, caminhou até nossa irmã caçula e a abraçou. Ela reencostou sua cabeça em seu ombro e permitiu que alguma lágrimas silenciosas caíssem. Não fiz nada. Primeiramente, porque ainda estava em choque, e depois, Tiago era seu irmão preferido, era necessário que fosse ele a lhe consolar. Caio olhava pro céu negro lá fora. Não sei o que se passava na sua cabeça, mas devia ser tão pesado quanto o mundo. De todos nós, era ele que carregava o maior peso ali. De repente, ali, tinha se formado uma corrente muito forte entre nós quatro, mas ele era o elo fraco. Ele que criou aquela situação, e ele precisava sair dela sozinho, ou nunca conseguiria sair.

_Amanhã, nós vamos ao médico ver isso._ falou Tiago alisando os cabelos de Laura _Nós quatro.

Ele frisou o “quatro”, mas não olhou para Caio, que também não olhou para ele. Meu irmão mais velho saiu do quarto ainda segurando Laura pelos ombros. Eu e Caio ficamos sozinhos por mais alguns minutos, mas ninguém falou nada. Nenhum de nós dois queria falar nada. Quando ele saiu, foi direto para seu quarto e não bateu a porta como costumava a fazer, o que eu interpretei como um bom sinal.

Eu permaneci deitado no chão encarando o teto por mais um bom tempo, talvez por toda a madrugada, não sei. Eu refletia sobre tudo o que estava acontecendo. Vinham tempos difíceis para aquela casa, mas eu estava confiante. Eu não estava sozinho. Meio que sem querer, o plano de Tiago deu certo: nós quatro agora éramos um elo muito forte, um elo que compartilhava dores, segredos e sangue.

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Comentários

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Ual! Todos temos nuances. Adorei saber que Tiago faz sexo com homens sem se considerar gay, é o tipo de homem que eu gosto de comer. E não esperava isso vindo de Laura.

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Fraternidade! Por caminhos tortos, a fraternidade vai ser a tônica.

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EU NÃO TAVA PREPARADO! Simplesmente incrível!

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