Bernardo [60] ~ Rafael e os outros

Um conto erótico de Bernardo
Categoria: Gay
Contém 2344 palavras
Data: 05/12/2023 17:42:53
Assuntos: Gay, Início, Sexo, Traição

Quando abri os olhos na manhã daquela segunda-feira, me bateu uma sensação de estranhamento. Aquele sempre foi o meu quarto, eu cresci acostumado com aquele teto. Mas eu desacostumei depois de tanto tempo longe. Ainda era o meu quarto, ainda era o meu lar, mas faltava alguma coisa. Por hábito, virei a cabeça para o outro lado quarto. Onde eu encontrei o meu armário e minhas malas ainda feitas, eu esperava encontrar Ricardo dormindo de boca aberta, como durante todo o último ano. Dei um longo suspiro.

“Ricardo não está mais aqui. Você está por conta própria. Você fez a sua escolha.” Pensei comigo mesmo.

Com aquilo na cabeça, decidi começar a minha lista mental de coisas pra se fazer assim que voltasse ao Brasil. Peguei meu celular, achei o número do celular de Rafael, mas meu dedo se conteve antes de fazer a ligação.

Não tínhamos começado bem ontem. Quando viu a aliança de Ricardo no meu dedo, ele deixou bem claro com o olhar que estava bravo comigo. Apesar de ter ido ao aeroporto com Pedro, Alice e minha família me esperar, ele se mostrou um tanto quanto frio em me receber. Nem como amigo ele me tratou. Se limitou a me cumprimentar vagamente com “que bom você ter voltado”. Eu o conhecia bem o suficiente pra saber o quanto ele estava estar irado por dentro, mas não podia brigar comigo ali na frente de todo mundo. Apesar de eu não estar fazendo nada errado usando aquela aliança, eu o compreendi. Contudo, isso não significa que eu gostei da forma que fui tratado. Não esperava que ele me recebesse com um beijo apaixonado, mas pelo menos um sorriso sincero e um abraço.

Era melhor ir com calma se eu realmente queria uma reconciliação. Escolhi com muito cuidado as palavras e digitei:

“Posso conversar com você hoje?”

Pousei meu celular sobre o peito já ansioso pela resposta, o que não demorou nem um minuto inteiro.

“Claro. Onde?”

“Pode ser na sua casa?”

“Sim. Pode ser depois do almoço?”

“Pode. Está combinado. Até!”

“Até.”

Mais uma vez, ele foi frio. Novamente, eu entendia o que ele estava sentindo. O problema era o medo que isso me causava, medo de ter feito a escolha errada. Sim, eu amava Rafael mais do que eu amava Ricardo, mas isso bastava? Ficamos um ano sem nos ver e já estávamos brigando antes de trocar uma só palavra. Como a gente poderia dar certo assim?

Fechei os olhos e afundei minha cabeça no travesseiro. Desejei ainda estar em Paris...

[...]

Era estranho estar novamente no quarto de Rafael. Ele não tinha mudado quase nada de lugar, então cada objeto servia de lembrança de um beijo, de uma conversa, de uma gozada... Rafael estava sentado na cama e me observava sem eu perceber, de tão envolto em minhas memórias que eu estava.

_Você mudou._ ele falou chamando a minha atenção.

Olhei para o espelho que tinha na sua parede e encarei meu reflexo por um instante.

_Meu cabelo está um pouquinho maior e mais desarrumado, mas acho que é só. Não mudei tanto assim.

_Não. Tem alguma coisa de diferente da sua expressão.

_Como assim?

_Não sei._ ele falou me admirando com cuidado _Você parece mais sereno. As linhas do seu rosto estão mais leves. Antes você parecia estar sempre preocupado com um milhão de problemas, sempre muito atento a tudo ao seu redor. Mas não mais.

Eu ri sem jeito. Não sei o que tinha mais poder de deixar daquele jeito: suas palavras ou o jeito que ele me olhava. Ele me olhava sem vergonha, como se tivesse todo o direito do mundo de fazer aquilo porque eu o pertencia. Ele poderia me admirar e analisar o quanto quisesse.

_Ah, sei lá._ respondi rindo _Paris!

Ele riu da minha resposta, mas fechou a expressão antes de continuar.

_Ele parece ter te feito muito bem.

Pronto, o tempo tinha fechado. Bom que estávamos sozinhos no apartamento, porque aquilo não ia acabar bem. Cocei a cabeça e me sentei na cadeira de frente para ele. Em outro momento, eu teria abaixado a cabeça e pedido desculpas, mas não agora. Afinal, eu não tinha feito nada de errado. Eu o encarei com cabeça erguida, o que eu acho que ele não esperava pela sua cara de confusão.

_Ok, vamos falar sobre Ricardo.

_Eu não quero falar sobre...

_Mas nós vamos falar sobre ele, porque isso claramente te incomoda muito.

_E não é pra incomodar?

_Você namora, não?

Ele ficou sem jeito.

_Não fui eu que prometi que lutaria por nós dois a um ano atrás.

_Mas foi você que não falou uma vírgula contra, né?

_Eu não ia ficar esperando por você!

_E por que eu deveria?

Pronto, estávamos brigando. Era esperado. Diferente de Ricardo, com Rafael nunca foi um amor pacífico.

Eu me levantei da cadeira e fiquei encarando o mundo lá fora pela janela do quarto. Ficamos um bom tempo em silêncio pensando sobre nossas palavras antes de eu recomeçar.

_Sabe, Rafa, eu realmente mudei. A aparência é só um reflexo disso.

Eu não o olhava, mas via que ele estava prestando atenção em mim.

_Paris é uma cidade maravilhosa. É tudo tão lindo, tão romântico e tão bucólico. Eu nem sei como descrever essa cidade pra você._ falei _E eu conheci um cara maravilhoso lá, goste você ou não disso. Pra mim, foi muito importante que fosse Ricardo, mas pra você pode ser qualquer um. Não fique com raiva dele, imagine um cara qualquer no lugar dele. Vamos chamá-lo de “X”.

Parecia papo de doido, mas eu realmente achei que daria mais certo falar com Rafael daquele jeito.

_Eu cheguei em Paris e fiquei desolado: além dos problemas que eu levei daqui, agora eu estava longe de todo mundo e onde ninguém falava a minha a língua. Felizmente, encontrei no X, meu colega de quarto, um grande amigo. Ele me deu a mão e me mostrou Paris. Mas não me mostrou do ponto de vista de um turista, e sim do ponto de vista de alguém que mora lá. E foi incrível! A melhor sensação da minha vida. Conhecemos tantos lugares lindos! Quando me dei conta, eu estava de mãos dadas com X, dançando na rua e nos beijando num parque em plena luz do dia. E ninguém se importava!

Rafael não dava um pio. Eu ainda encarava a paisagem lá fora com um sorriso no rosto.

_Eu me apaixonei por X, mas isso não é importante pra essa conversa. O que importa aqui é que pela primeira vez na vida eu gostei de mim mesmo. Eu me libertei, Rafa! Essa é a minha mudança. Não há mais medo dos outros, os outros que pensem o que quiser de mim. Finalmente, eu estou em paz.

Fiz uma longa pausa e Rafael tratou de preenchê-la.

_Que ótimo pra você._ ele falou com amargor na voz _Mas no que isso me atinge?

Aquilo é foi de uma grosseria imensa. Me virei pra ele e comecei a falar com lágrimas nos olhos.

_Importa que o ponto todo é você! Eu cumpri o que prometi. Eu te disse que ia pra lá me encontrar e me resolver, e foi isso que eu fiz. Eu me mantive preso a essa maldita promessa. E agora eu estou aqui! E onde você está? Me acusando, me lançando olhares de raiva e gritando comigo!

_O que você quer que eu faça, porra?!

Ele também começou a gritar comigo. Estávamos de pé um de frente para o outro.

_Eu amo a Carol! Você entende isso? Eu estou com ela! O que você queria que eu fizesse? Largasse tudo porque você está de volta? Era isso você esperava de mim?

_Não! O que eu esperava de você era que pelo menos soubesse por essa raiva que você sente de mim de lado por um segundo que fosse. Eu queria ter a certeza que você sentiu saudade de mim! Eu queria que você pudesse ser ao menos meu amigo e me desse um abraço de verdade, que me dissesse que pensou em mim durante todo esse tempo que passamos separados! Mas parece que isso é demais pra você! O ciúme é muito maior que todo o resto, né?!

Falei tudo de uma só vez com raiva e lhe dei às costas para ira embora. Mas antes que eu pudesse abrir a porta do quarto, eu senti Rafa me girando e fechando seus braços em torno de mim. Quando dei por mim, ele já estava me abraçando com o rosto afundado no meu pescoço.

Ah... Rafael ainda usava o mesmo perfume amadeirado que se misturava ao cheiro doce de sua pele. Sua barba por fazer ainda irritava a minha pele. Seus braços ainda tinham força quando me apertavam. Estava tudo lá no lugar aonde deixei. Eu e Rafael ainda nos amávamos. Eu não tinha nem forças para recuar, tudo o que pude fazer foi passar meus braços ao redor do seu corpo e apertar com força. Não dissemos nada. Apenas aproveitamos aquele momento. Não era preciso estragá-lo com palavras.

_Eu senti sua falta... Eu pensei em você todos os dias..._ ele falou ainda com a cabeça enterrada no meu ombro.

_Eu também senti muito a sua falta._ respondi emocionado.

Ele levantou a cabeça e me encarou. Eu conseguia me ver refletido no fundo dos seus olhos. Eu sabia o que ia acontecer. Ele abriu aquele seu lindo sorriso que tanto me encantava. Ele começou a roçar bem de leve sua barba no meu rosto, o que me arrepiou. Ele foi chegando sua boca mais perto da minha. Eu podia sentir seu hálito quente nos meus lábios. Nossos lábios se tocaram muito de leve e eu recobrei meus sentidos. Eu o afastei com cuidado e ele me olhou confuso.

_Você namora._ falei.

Por mais que eu ame Rafael, eu não seria capaz de fazer uma coisa daquela com Carolina. Ela nunca me fez nada demais. Se eu e Rafa íamos começar de novo, que fosse do jeito certo dessa vez.

Rafael sentou na cama desanimado e com a cabeça baixa.

_Eu não posso terminar com ela, Bernardo...

_Quem você ama mais?_ eu falei.

Eu nunca tinha perguntado aquilo a ele. Por mais que eu soubesse a resposta, eu nunca tinha o colocado contra a parede daquele jeito. Ele me olhou confuso.

_Você sabe a resposta, Bernardo.

_Eu preciso que você diga.

_Você..._ falou sussurrando.

_Fala alto.

_Você, porra! Lógico que é você. Eu mal me aguentei em passar um ano sem te ver, sem te tocar. Quantas vezes eu não cheguei a discar seu número e desisti? Uma vez, juro, cheguei muito perto de comprar uma passagem pra ir até Paris.

Eu sorri. Eu teria gostado daquilo. Seria um problema enorme com Ricardo, claro. Mas eu teria amado o gesto.

_Então? O que estamos fazendo? Perder tempo pra quê?

_Bernardo...

_Eu mudei! Eu não sou mais como eu era. Sabe do que mais? Eu vou me assumir pra minha família. Eu vou precisar de você ao meu lado.

Ele analisou a informação com calma por um tempo.

_Eu vou estar sempre ao seu lado. Eu vou ficar muito orgulhoso se você fizer isso.

Eu sorri com a resposta.

_Mas eu não posso terminar com a Carol.

_Por que? Essa menina tá grávida por acaso?

Ele coçou a cabeça com um ar de desânimo. Senti meu estômago se gelar.

_ELA ESTÁ GRÁVIDA?!

Ele me olhou assustado.

_Não! Não, não está.

_Ah..._ respirei aliviado _Então...?

_Eu não posso terminar com ela._ ele tomou um longo fôlego antes de continuar _A mãe dela está com câncer em estágio terminal. Que tipo de pessoa eu seria em abandoná-la nessa hora?

Ele me olhou como se realmente esperasse por alguma resposta. Eu não tinha palavras, quanto mais uma resposta. Eu não esperava por aquilo. Ficamos os dois nos encarando em silêncio por um bom tempo. E agora?

_Eu não sei o que dizer..._ falei.

_Bernardo..._ ele falou se levantando e vindo até mim.

Ele começou a passar a mão pelos meus cabelos e confesso que aquilo me arrepiou. O seu toque mais simples era capaz de despertar todo o amor que eu guardei para ele em algum lugar secreto dentro de mim.

_A gente pode se ver enquanto isso. A gente pode ficar escondido por um tempo.

_Você enlouqueceu? Você prestou atenção no que eu te disse? Que fui pra Paris justamente pra deixar de ser o tipo de pessoa que se esconde dos outros?_ falei bravo.

_Mas a gente já fez isso...

_E como terminou?

_É só até a mãe dela morrer.

_Tenta repetir o que você acabou de dizer mais lentamente pra ver se você consegue enxergar o absurdo.

Ele riu sem graça e coçou a cabeça impaciente.

_Você está mesmo diferente, Bernardo._ ele falou _Antes você só tinha as perguntas e eu completava com as respostas. Agora, você parece ter todas as respostas.

_Eu não tenho a resposta pra perguntar principal: como fazer isso funcionar?

Novamente, ficamos um longo tempo em silêncio. A gente não tinha aquela resposta. Continuar a bater cabeça ali também não ia resolver nada.

_Eu já vou, Rafa.

_Mas já? A gente nem se entendeu ainda.

_A gente se entendeu, só não reatamos. E nem vamos se a condição for ser o “outro” dessa história. Não tem mais nada a ser dito. Tchau, Rafa.

_Tchau...

Eu me virei de costas pra sair, mas antes Rafa me agarrou por trás e beijou minha nuca. Eu aceitei o carinho e acariciei de leve o seu braço, mas logo me desprendi e saí, deixando ele lá com uma cara de cachorro abandonado. Só quando cheguei ao elevador do seu prédio, me permiti escorar a cabeça na parede e sentir pena de nós dois. Nunca tínhamos paz. Nunca era só nós dois. Sempre precisávamos lidar com a interferência do mundo lá fora sobre o nosso namoro.

Tentar resolver um problema e arranjar outro seria uma constante nos próximos meses.

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Comentários

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Coitada da Carol. Saber que seu namorado ama mais outra pessoa e ainda enfrentar a delicada situação da provável perda de sua mãe...

E sobre Bernardo e Rafael, acho que o universo vai conspirar a favor dos dois.

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