Bernardo [58] ~ A grande dúvida

Um conto erótico de Bernardo
Categoria: Gay
Contém 2019 palavras
Data: 05/12/2023 16:39:51
Assuntos: Gay, Início, Sexo, Traição

1º de julho de 2008

Faltava menos de três dias para eu pegar um avião de volta ao Brasil. Além de um milhão de coisas para acertar, eu tinha que lidar ainda com o turbilhão de emoções pelo qual eu estava passando.

Eu estava me despedindo de Paris, mas eu não estava pronto para isso. Em Paris, eu me descobri outra pessoa. Eu me vi livre dos meus medos e dos meus próprios preconceitos. Eu me vi livre de tudo. Ali, eu senti que eu poderia ser tudo e enfrentar todos. Eu agora era um gigante que não poderia ser derrubado pelas rasteiras da vida. Em Paris, eu aprendi a gostar de mim mesmo.

Mas e agora? Como seria de volta ao Brasil? E se eu não conseguisse manter esses meus avanços? E se assim que eu pisasse em casa novamente, eu voltasse a ser o mesmo fraco Bernardo de antes? E se tudo tiver sido em vão? Eu estava pronto pra voltar?

_Vai ficar tudo bem._ falou Ricardo.

Eu estava deitado sobre seu peito na sua cama. Era noite e o quarto só não estava no breu por causa da luz da rua que entrava. Aquele era um dos nossos únicos momentos de paz na correria que estavam sendo aqueles últimos dias na França.

_Mas e se...

_Vai ficar tudo bem._ ele repetiu me interrompendo _Você está mais forte. Você não vai sucumbir a nada mais. O que você conquistou aqui, ninguém pode te tirar.

Ainda estávamos vivendo em clima de lua de mel. Saber que o fim estava tão próximo nos aproximou ainda mais. A saudade antecipada nos jogou um no braço no outro com a força de um furacão. E a cada vez que eu fazia isso, me jogar nos braços de Ricardo, o mais torturante dos pensamentos me vinha à cabeça.

Eu amava Rafael e ele me amava, mas ele era capaz de me fazer feliz? Ou melhor, eu era capaz de ser feliz com ele? Ou ainda, tão ou mais feliz do estava sendo com Ricardo ali em Paris?

Pela primeira vez, eu seriamente me questionei sobre a minha escolha. Eu estava certo em escolher Rafael? Só o amor era suficiente? Não foi suficiente na primeira vez... Claro que agora eu tinha melhorado e superado muitas das barreiras que eu mesmo criava no meu relacionamento com Rafael. Mas havia outras, como as nossas diferenças. E se essas diferenças eram romanticamente magnéticas, elas não eram um empecilho a longo prazo? E se eu realmente não conseguisse manter meus avanços, cairíamos no mesmo problema, não? E o pior de todas as possibilidades: e se Rafael não me quisesse? Se ele tivesse se cansado de esperar por mim? Se ele também tivesse visto como o amor não foi suficiente?

E tinha Carol. Rafael ainda namorava. Hoje, eu entendo Rafael. Para ele, Carol foi o que Ricardo foi pra mim: uma nova possibilidade, um novo tipo de amor, a paz. Ele podia me amar, mas ele também amava ela. Ele já tinha feito sua escolha, e agora eu tinha que fazer a minha esperançoso que ele reconsiderasse.

Pode parecer que eu estava fazendo muito drama, e talvez estivesse mesmo, não sendo nada mais que um disfarce do meu medo de reencontrar “minha vida” em Belo Horizonte. Pra mim, pelo menos naquela época, parecia um confronto: amor ou felicidade?

E a mais assombrosa das dúvidas: Ricardo ou Rafael?

Eu e Ricardo iríamos embora no mesmo voo para o aeroporto de Guarulhos no sábado à noite, mas ele ficaria por lá e eu pegaria outro avião com destino a Belo Horizonte. Assim, decidimos nos despedir de Paris em grande estilo na sexta-feira. Tínhamos outros convites, mas queríamos um programa só nosso. Todos os outros poderiam estar se despedindo da França e dos colegas de intercâmbio, mas eu e Ricardo estávamos nos despedimos um do outro.

Vestimos as nossas melhores roupas e pegamos o metrô rumo a um restaurante chique que ouvimos falar no centro da cidade. Conversamos abastecidos por boa comida e bons vinhos por quase três horas. Era incrível como sempre tínhamos assunto. Mas havia algo de estranho. Nós não estávamos nos despedindo. Talvez estivéssemos nos despedindo de Paris, mas não estávamos nos despedindo um do outro. A gente não queria fazer aquilo. Era muito doloroso.

Durante um ano, Ricardo ocupou um lugar muito importante na minha vida. Se formos fazer uma comparação, ele foi pra mim o que era Rafael, Alice e Pedro em uma só pessoa. Ele foi meu amigo e meu namorado. O meu melhor namorado. E eu fui isso para ele também. Não queríamos dizer adeus. Não queríamos nos acostumar a não ser mais o primeiro rosto que o outro encontraria ao acordar todos os dias. Não queríamos ser obrigados a tomar pudores em nossos gestos com as pessoas que amamos, não queríamos voltar pro “gueto”.

Mas era preciso dizer adeus. E foi por isso que eu comecei a chorar enquanto caminhávamos de volta pra casa de mãos dadas, como fizemos tantas vezes e não faríamos mais. Ao notar minhas lágrimas, ele parou e suas lágrimas vieram também. Nos abraçamos sem que nada fosse preciso ser dito.

_Nós somos dois bobos._ ele falou rindo depois de algum tempo.

_Não somos bobos, só estamos apaixonados.

_Toda pessoa apaixonada é boba.

Eu me separei dele e o beijei muito carinhosamente. Eu fiquei admirando seu rosto, como se quisesse guardá-lo na minha memória mais profunda e assim resgatá-lo sempre. Mas não havia necessidade, eu não poderia esquecer Ricardo nem mesmo se quisesse. Ele era uma parte de mim agora.

_Eu te amo._ falei.

_Eu te amo.

Ele se afastou e mexeu no bolso da calça.

_Eu tinha planos de te entregar isso só quando chegássemos ao Brasil, mas acho que esse momento é parece o mais adequado.

Ele tirou um pequeno saquinho de veludo preto.

_Não precisava ter comprado nada pra mim, Ricardo.

_Eu comprei pra nós dois.

De dentro ele tirou duas pequenas alianças douradas que me fizeram prender o ar de susto.

_Não precisa se assustar, não é um pedido de namoro. Até porque, nós já somos namorados._ ele falou.

_Ricardo, eu...

Ele pegou a minha mão e colocou a aliança no meu dedo. Depois me ofereceu a mão e a outra aliança pra fazer o mesmo.

_Eu não sei o que nos espera na próxima esquina._ ele começou _Eu não posso prever o que vai acontecer com a gente daqui em diante. Eu não posso prometer que não vou me apaixonar por outra pessoa. E você não pode me prometer que não vai reatar com Rafael. Por isso, essa aliança não simboliza fidelidade. Ela simboliza o nosso sentimento. Você não precisa usá-la, pode guardá-la numa caixinha qualquer por aí. O que eu quero é que você se lembre de mim toda vez que olha-la.

E lá estava eu novamente me desmanchando em lágrimas.

_Eu nunca vou te esquecer. Eu te amo, seu idiota! Não preciso de nada para me lembrar disso.

E pulei em seus braços. E o beijei como talvez nunca tenha beijado ninguém. Seria o beijo que eu daria em Eric se eu soubesse que em breve ele morreria, ou o que eu daria em Rafael se soubesse que ele terminaria comigo na festa dos meus pais. É o beijo da saudade. É o beijo com o qual você quer mostrar para aquela pessoa o quanto você a amou e o quanto ela foi importante para você.

Eu separei dos lábios de Ricardo e comecei a bater em seus braços. Ele ficou surpreso e segurou um meio sorriso.

_O que foi? Ficou louco?

_Você!

_O que foi que eu fiz?_ ele perguntou.

_Você apareceu! Não era pra você ter aparecido. Não era pra você ter me beijado. Não era pra você ter me tirado pra dançar aquele dia na rua. Não era pra ter acontecido. Eu tinha tudo planejado. Era pra eu voltar pra Rafael e ser feliz com ele._ eu falava com raiva, mas era uma raiva engraçada, como se brigasse mais comigo mesmo em voz alta _Você bagunçou tudo, seu idiota. E agora eu não sei mais o que fazer!

Ao se dar conta do que eu estava falando, ele sorriu.

_Isso significa que você está em dúvida, Bernardo?

_Estou! Merda!

Ele me pegou e me levantou do chão. Ele começou a me rodar no ar e me apertar.

_Me solta, Ricardo!_ falei rindo.

_Não! Eu não vou te soltar. Você é meu pra sempre!

Ele me colocou no chão e olhando no fundo dos meus olhos enquanto sustentava aquele sorriso arrebatador.

_Me escolha.

Eu não podia escolhê-lo. Eu não tinha uma decisão ainda.

_Eu não posso te dar essa resposta ainda.

Ele sorriu sem jeito. Não era a resposta que ele queria, mas também não foi a que ele temia.

[...]

Acordamos tarde no sábado, nosso último dia em Paris. Eu acordei antes que Ricardo com uma surpresa. Meu celular tremeu em algum lugar do quarto, indicando que uma mensagem tinha sido recebida. Levantei com cuidado pra não acordar meu namorado e peguei o celular. Meu coração parou por um segundo quando eu identifiquei o número como sendo o de Rafael. Eu respirei fundo antes de abrir e ler:

“Posso te esperar no aeroporto amanhã?”

Uma pergunta simples, tantas interpretações. Foi só ler aquelas poucas palavras na tela do celular que senti todo o meu peito se revirar. O meu coração pareceu pegar fogo, como se de repente uma parte dele acordasse. E sem pensar muito nas consequências ou nos significados, respondi:

“Sim.”

Olhei para Ricardo dormindo tão sereno com um sorriso nos lábios e me senti o último dos homens, como se o estivesse traindo da forma mais sórdida. E, mais uma vez, lágrimas me vieram aos olhos.

Afinal, Rafael ou Ricardo? Me perguntei se foi assim que Eric se sentiu um dia em relação a mim e a Rafael...

Me lembrei da minha última conversa com a mãe de Ricardo:

“_Vocês não têm nem vinte anos ainda, o amor é lindo! Mas no mundo dos adultos, o amor é um sentimento complicado. Eu não me casei com Inácio amando ele. Eu amava outro. Mas esse outro só sabia me magoar e eu o magoava também quando ele notava o que tinha feito, o que foi se transformando numa relação doentia. Então, casei com Inácio. Ele me amava e eu estava apaixonado por ele. Eu aprendi a amá-lo com os anos. O que eu quero dizer, o meu conselho pra você é: na dúvida, fique com aquele que te ama. São suas maiores chances de felicidade. Eu nunca me arrependi da minha escolha. Tchau, Bernardo. Eu espero lhe rever um dia no Brasil.”

O conselho dela era “escolha Ricardo”. Mas eu nunca fui bom em ouvir conselhos, Alice que o diga.

Se Rafael não tivesse mandado aquela mensagem, talvez minha decisão tivesse sido outra, talvez não. O fato é que aquela mensagem, mais do que uma ponta de esperança, acendeu em mim todo o amor que eu guardei por Rafael. Sim, eu nunca o deixei de amar. Mas depois de tudo o que passamos, esse amor estava escondido em algum lugar no fundo do meu peito, muito bem guardado. E agora esse amor aflorava novamente.

Eu amei Ricardo, ainda amo. Mas acontecia alguma coisa a mais no que eu sentia por Rafael. Não era simplesmente afinidade, era uma corrente tão poderosa que nos prendia ao outro mesmo estando namorando outras pessoas. Talvez fosse o que eles chamavam de alma gêmea, não sei. O que eu sei é que não havia outro caminho pra mim, sempre foi Rafael, sempre será. Ricardo podia ser meu melhor namorado, mas Rafael era a luz da minha vida, o motivo pelo qual eu quis melhorar e superar meus medos. Ele é meu fim.

Então, eu comecei a chorar com mais força. Desta vez doía. Só que dor dessa vez não era pela dúvida, mas pela resposta. Dei mais uma olhada em Ricardo dormindo. Eu partiria de uma vez por todas o seu coração quando ele acordasse.

Siga a Casa dos Contos no Instagram!

Este conto recebeu 6 estrelas.
Incentive Contosdolukas a escrever mais dando estrelas.
Cadastre-se gratuitamente ou faça login para prestigiar e incentivar o autor dando estrelas.
Foto de perfil de ContosdolukasContosdolukasContos: 336Seguidores: 70Seguindo: 32Mensagem Jovem escritor! Meu email para contato ou trocar alguma ideia (contosdelukas@gmail.com)

Comentários

Foto de perfil genérica

Muito difícil esse capítulo. Pensar a dor de Ricardo. Amar dói. E muito.

0 0