Bernardo [43] ~ Cicatriz

Um conto erótico de Bernardo
Categoria: Gay
Contém 2568 palavras
Data: 05/12/2023 14:04:12
Assuntos: Gay, Início, Sexo, Traição

Na metade de abril, meu avô materno morreu em Porto Alegre. Um infarto fulminante o levou nas primeiras horas de uma manhã fria. Minha mãe ficou desolada. Eu e meus irmãos nem tanto. Minha mãe partiu imediatamente para Porto Alegre tentando nos levar junto com ela. Eu expliquei a ela calmamente que eu tinha que apresentar um seminário na faculdade e não poderia faltar. A contragosto, ela aceitou que eu e meu pai, que tinha compromissos de trabalho, não fossemos. Ela então partiu com meus três irmãos pra passar alguns dias em Porto Alegre.

Sim, eu tinha um seminário, mas não era essa a razão pela qual eu não quis ir. Eu não queria estar naquele ambiente novamente. Minha vida estava de cabeça pra baixo. E a cereja do bolo: Rafael estava namorando! E uma menina! Aquilo era tão surreal pra mim. Eu mal conseguia acreditar no que estava acontecendo.

Não era dor que eu sentia, era uma sensação de vazio. O mesmo Rafael que estava sempre lá, que preenchia meus dias e meus pensamentos, não estava mais lá. Era um sentimento complexo porque, como eu já disse, nós tínhamos perdidos aquela chama que existia entre nós. Ainda havia amor, mas não havia paixão. Sendo assim, o que o impedia de conhecer outra pessoa? Nada. Aliás, sendo a pessoa apaixonante que ele é, eu até achei que demorou muito. Digo isso, porque não culpei Rafael por ter seguido em frente. Como culpá-lo? Ele não tinha feito nada de errado. Eu me culpava.

Eu amava Rafael e ele me amava. Durante meses, vivemos o mais doce dos sonhos. Nós nos amávamos e estávamos juntos, a minha vida tinha ficado mais colorida, eu passei a sorrir mais. O que mais eu poderia pedir? Quantas pessoas não passam pela vida sem nunca sentir isso, sem nunca terem verdadeiramente amado e sido amadas? Eu tinha tido tanta sorte! Ele me amava! Só que eu o deixei escapar. Eu tinha o expulsado na função de namorado. Eu o amava, mas eu acho que não o amava o bastante, não o suficiente para ir até onde ele queria que eu fosse.

E pra piorar tudo, eu perdi as minhas mais preciosas amizades: Pedro, Rafael e Alice. Nem preciso comentar sobre Pedro, que continuava a me tratar da mesma forma do que antes. Rafael se afastou sem explicações, e eu deixei que fosse assim por puro desânimo de lutar. Alice também se afastou, ainda que mais sutilmente. Nós ainda sentávamos juntos todos os dias na sala, ainda conversávamos bastante, ainda aconselhávamos um ao outros, mas era diferente. Alguma coisa tinha se quebrado. Aliás, eu tinha me quebrado. Eu não era o mesmo, eu me tornei uma pessoa sem vida e sem brilho. Eu era alguém que caminhava cansadamente encarando um dia após o outro. E quem quer uma pessoa assim ao seu lado? Por isso, não culpo Alice ou Rafael por se afastarem de mim. Eu cavava o fundo daquele poço sem ajuda de ninguém.

No meu desespero silencioso, era em Tom que eu me agarrava. Vou repetir mais uma vez: eu não o amava, eu não era apaixonado por ele, eu não era nem mesmo seu amigo. Só que ele era a única coisa que me sobrou naquele turbilhão sentimental pelo qual eu estava passando. Sim, era só sexo, mas sexo nunca é só sexo. Era uma fuga, uma anestesia. Eu me segurava nele de modo semelhante ao que Eric se segurava em mim.

Alguns dias atrás:

_A gente podia sair pra beber alguma coisa qualquer dia?_ falei enquanto me vestia.

_Acho melhor não. Vamos confundir as coisas, cara._ ele respondeu sem nem mesmo me olhar.

_É, você tem razão.

Ironicamente, ele sempre me afastava quando eu me tentava me aproximar, do mesmo jeito que eu sempre fiz com Eric. Talvez fosse um castigo divino, provar do meu próprio veneno. Pela primeira vez na vida, eu entendi Eric. Naquele ponto específico da minha vida, eu entendi o que era estar abandonado, sem ninguém com quem contar. “Ah, mas você tinha sua família. E Rafael e Alice voltariam num piscar de olhos se você precisasse.”, vocês podem pensar. Era verdade. O meu nível de abandono não chegava nem perto do de Eric, mas a sensação era a mesma. O vazio era o mesmo.

[...]

_Oi.

Me virei pra encontrar o dono da voz e me deparei com Rafael. Eu entrava na faculdade tão distraído naquela manhã, que não havia reparado na sua presença. Aliás, fazia tempo que eu não reparava em Rafael. Ele estava mais forte. Ele sempre tempo o corpo definido, mas agora seus braços e peitorais estavam mais fortes. Seus cabelos estavam um pouco mais compridos também e exalavam uma sensação de maciez incrível. Ele sorria discretamente para mim. Ele era o menino de um milhão de sorrisos, um para cada ocasião. Aquele era seu sorriso tímido, aquele que diz que ele estava sem jeito em puxar papo comigo. Confesso que tê-lo assim tão perto, depois te tanto tempo se afastando, mexia comigo, acelerava meu coração. Mas afinal, era o que ele sempre fazia comigo, me lembrava que eu estava vivo.

_Oi. Tudo bom?_ perguntei tentando conter minha expressão de surpresa.

_Tudo. E você?

_Também._ menti.

Caminhamos alguns metros em silêncio. Ambos não sabíamos como guiar aquela conversa.

_Nós precisamos conversar._ ele falou.

Eu suspirei pesadamente já sabendo a conversa que ele se referia. Eu parei de andar e o encarei com uma expressão de tristeza. Não era para fazer dó nele ou coisa parecida, era só a minha expressão habitual nas últimas semanas.

_Alice já me contou._ falei _Sobre você e Carolina.

Foi a vez dele suspirar. Ele coçou a cabeça.

_Eu sei que ela falou, ela me disse. Eu já devia ter tido essa conversa com você há mais tempo.

_Não, não precisava._ falei sereno.

_Como assim?

_Você não me deve satisfações, Rafa._ falei.

Eu não falava aquilo com mágoa nenhuma na voz ou no coração. Como eu disse, eu não estava me sentido traído ou ferido, apenas abandonado. Ele me olhava intrigado. Eu não me parecia com a pessoa que ele conhecia.

_Não é assim que as coisas funcionam, Bernardo. Você é muito importante pra mim. Eu nunca faria nada pra te magoar. Eu queria ter te preparado antes com uma conversa.

Ver ele falar assim com tanto carinho aquecia meu coração, mas eu sabia que não era nada de mais. Rafael era apenas muito bom comigo. Ele nunca iria querer me magoar.

_Não tem conversa que me preparasse pra isso. Ver você falando ou ver vocês se beijando teria o mesmo efeito.

_Você está estranho, e já faz tempo._ ele falou como se não acreditasse que eu estava encenando _O que está acontecendo?

_Não está acontecendo nada, Rafa. Não tem nenhuma novidade na minha vida, nada que você já não saiba. Aliás, tem: eu estou saindo com um cara. E não me preocupei em te avisar antes.

Ele arregalou os olhos com minhas palavras e eu me arrependi imediatamente do modo como eu tinha dito.

_Desculpe, não era pra ter saído assim._ falei me recompondo e tentando escolher as melhores palavras _O que eu quero dizer é que nós seguimos em frente. Nós sabíamos que isso aconteceria.

Ele me olhou por alguns instantes me analisando, tentando invadir com minha mente com seu olhar intenso.

_Quem ele é?

Ele não usou um tom de ciúme, mas de curiosidade e de cuidado.

_Um calouro. Não vou dizer o nome, ele não é assumido.

_Bom, você achou alguém que se encaixa a você.

Aquela sua última frase saiu com um certo amargor e eu recuei. Ele percebeu e tentou se desculpar, mas eu falei antes.

_Sim, alguém que se encaixa perfeitamente.

_Desculpa, eu...

_Ainda que eu preferisse ter a sua sorte e ter conseguido namorar uma garota.

Foi a minha vez de usar um tom amargo. Ele que tinha tanto insistido pra nós nos assumíssemos pro mundo, agora namorava uma mulher.

_Não é assim._ ele falou começando a se explicar.

_Você não me deve explicações, Rafa.

_Devo sim._ ele falou nervoso _Eu não planejei isso. Eu não estou usando ela como fachada. Eu me apaixonei por ela.

Eu imaginava isso. Não acho que Rafael seria capaz de usar uma garota como fachada, não combinava com sua personalidade. Ainda assim, doeu mais do que imaginava ao ouvir ele dizer com todas as letras que tinha se apaixonado por outra pessoa.

_Ela sabe, Bernardo._ ele continuou ao ver que eu não expressei reação _Ela sabe de tudo. Ela sabe de nós.

Meus olhos se acenderam de repente e ele entendeu.

_Mas ela não vai contar nada. Ela entende como a questão é complicada. Pode ficar tranquilo. Ela é uma boa pessoa._ ele completou _É por isso que eu me afastei um pouco de você. Você é meu amigo, mas também é meu ex-namorado, não é uma coisa que agrade ela.

Concordei com a cabeça. Não tínhamos mais nada pra dizer um ao outro. Um silêncio constrangedor tomou o espaço entre nós.

_Tudo esclarecido,_ falei _eu te vejo na sala depois. Tenho que passar num lugar antes. Até mais.

E saí andando sem esperar resposta, mas ele me chamou. Eu olhei pra ele e ele ainda me olhava muito intensamente. Vendo que ele não falaria nada, voltei a me aproximar dele.

_O que foi, Rafa?_ perguntei meio impaciente.

_Você ainda me ama?

Aquela pergunta me pegou desprevenido. Ele não me perguntou como se só esperasse a resposta pra completar com “Então vamos fugir juntos daqui”, mas como se realmente duvidasse. Eu apenas sorri pra ele, o meu primeiro sorriso sincero em muito tempo.

_Para sempre, Rafa.

Ele sorriu torto, mas sinceramente. Eu não esperei a resposta e voltei a me afastar de costas pra ele. Só então eu permiti que meus olhos se enchessem de lágrimas. Só então eu permiti que a dor da partida me atingisse. E como eu sempre fazia quando isso acontecia, eu peguei meu celular e disquei seu número.

_Oi._ falei _Você vai ter alguma aula importante agora?

Eu podia ouvir Tom sorrir no outro lado da linha.

_Não são nem oito da manhã? Alguém acordou com fogo._ ele respondeu.

_Isso é um sim ou um não?

_Me espere do lado do seu carro em dez minutos.

[...]

Era assim que funcionava. Eu levava pancadas e procurava por Tom para me anestesiar. Nesse sentido, eu não era diferente de Eric, que achou uma muleta na cocaína. Hoje eu penso o quanto eu estive perto de um problema mais sério: e se Tom não estivesse lá? Eu teria começado a dormir com estranhos em quaisquer cantos escuros da cidade pra saciar minha dor? O quão perto eu não passei de um distúrbio psicológico grave como o vício em sexo

E lá estava eu, me atirando sem paraquedas no corpo de Tom no meio da sua sala de estar. Eu beijava e apertava cada parte do seu corpo. Eu fazia isso com desejo, mas mais ainda, eu fazia com desespero. Ele parecia gostar. Eu duvido muito que ele soubesse a real dimensão de tudo o que eu estava passando, mas ele gostava do resultado. Ele gostava de sentir desesperadamente necessário. Eu sugava seus mamilos vermelhinhos com força, a ponto de deixá-los roxos, enquanto Tom gemia alto. Eu mordia sua barriga e subia para encontrar sua boca sedenta.

_Isso! Me chupa todo!_ ele falava em êxtase.

Eu colocava seu pau todo na minha boca e chupava com vontade. Não era muito grande ou grosso, mas eu gostava. Eu achava que combinava com ele, que era todo pequeninho. Bruscamente, eu o virei de costas e passei a lamber com vontade a sua entrada. Ele passou a gemer ainda mais alto, gritando para eu não parar, que eu ia levá-lo à loucura.

_Que porra é essa?!

Ao ouvir aquela voz de trovão, eu senti todo o meu corpo se estremecer. Quando Tom saiu assustado da minha frente, eu pude ver aquele homem corpulento com o rosto muito vermelho, as veias saltando da testa e do pescoço, e uma expressão de ira nos olhos.

_Pai!_ falou Tom sem saber o que fazer.

_Que merda é essa?!

Eu ainda estava de calça jeans, mas dei um jeito de por rapidamente a minha camisa. Eu nem sabia o que sentir direito. Meu coração estava a mil por hora, querendo pular pra fora do meu peito. Eu tinha que sair dali.

_Pai..._ choramingou Tom escondendo sua nudez com as mãos _Eu não queria!

Eu olhei para os dois esperando os próximos acontecimentos.

_Ele ficou me atiçando, me provocando. Eu acabei cedendo. Me desculpa, pai!_ ele falou já chorando.

Eu o olhei indignado com a mentira. Ele tinha dado em cima de mim primeiro! Eu me levantei por impulso e acabei chamando a atenção daquele homem. Ele se virou pra mim com uma expressão de fúria e eu não tive como me defender. Ele veio pra cima de mim com tudo e me jogou no chão com um soco no rosto. Eu caí desnorteado aos pés do sofá. Eu nunca tinha levado um soco na vida.

_Seu viado imundo!

Ele começou a me chutar nas pernas e na barriga. Eu não conseguia me levantar ou me defender. Eu apenas me encolhi e fui recebendo todos aqueles golpes. Ele alternava socos, chutes e xingamentos como “bicha imunda”, “viado desgraçado”, entre outras coisas piores. Sim, doeu, e muito, mas depois de um certo tempo, parei de sentir dor. Não havia mais parte do meu corpo que não tivesse sido atingida. Foi um daqueles momentos que te marcarão pro resto da vida. Por mais que sempre falamos da homofobia e dos olhares recriminadores, não há comparação com apanhar só por gostar de outros caras. Vai muito além da dor física, é uma coisa que te atinge na alma. Aquilo te reduz a menos do que nada. Você passa a sentir como aquelas pessoas te dizem que você é. Você se sente imundo, imoral, desgraçado.

Em algum ponto, aquele homem cansou de me bater. Ele se sentou no sofá pingando de suor e com as mãos sobre os olhos. Eu não tive coragem de encará-lo. Tom chorava num canto da sala abraçado aos joelhos. Na boca eu sentia um gosto forte de ferro, o que eu sabia ser sangue. Eu me levantei com muita dificuldade, mas não consegui deixar o corpo reto porque doía. Talvez uma ou duas costelas quebradas. Arqueado, andei em direção à porta sem dizer nada, sem olhar pra ninguém, me concentrando apenas em minha própria respiração. Eu cheguei ao meu carro com dificuldade e me deixei cair no banco do motorista de olhos fechados. Eu me olhei no retrovisor. Ele não tinha batido muito no meu rosto. Além da marca do soco na minha têmpora, havia um longo corte no meu supercílio que cobria de sangue metade do meu rosto. Dei partida do meu carro e então comecei a chorar. Eu chorava desesperadamente, como se quisesse tirar toda aquela dor de mim. Eu estava sozinho, eu não tinha mais ninguém. E agora, graças àquela marca que Tom tinha me dado, eu não tinha nem mais a mim mesmo. Eu me perdi. Eu não era mais o Bernardo. Eu era só mais um viado imundo e desgraçado dirigindo sem rumo pela cidade.

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Comentários

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Que horror! O Tom é um sacana. Mas também com um pai como esse...

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Sério, essa história é incrivelmente visceral, não esperava que a historia se desenrolasse de um jeito tão complexo, eu tô literalmente viciado nela!

Ansioso pelas próximas desventuras de Bernardo.

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Eh a segunda melhor história que eu já li em toda minha vida! E tem mta coisa pra acontecer ainda! Hj vou tentar postar o máximo pq eu mto bem como eh essa ansiedade! Quero ver se chego pelo menos até o cap 50 hj que eh a metade do conto!

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Eu imagino! Você é perfeito hahahahah vou ficar esperando!

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