Bernardo [42] ~ A página virou!

Um conto erótico de Bernardo
Categoria: Gay
Contém 2800 palavras
Data: 05/12/2023 13:49:29
Assuntos: Gay, Início, Sexo, Traição

O ano começou a se arrastar lentamente pelo fim de março e eu tinha uma novidade: Tom tinha virado meu parceiro fixo. Era diferente de como foi com Eric. Por mais que muitas vezes eu afastasse Eric, eu ainda ficava conversando com ele um bom tempo depois do sexo, tomávamos banho juntos e até assistíamos televisão juntos eventualmente. Com Tom, não havia nada disso. Era sexo e depois tchau. Não chegamos nem mesmo a desenvolver amizade. Tom nunca foi meu amigo nem nunca teve a intenção de ser.

Eu acho que posso dizer que Tom era o grande responsável por essa nossa relação um tanto quanto disfuncional. Por mais que eu não quisesse um relacionamento com outro cara no momento, o que, aliás, nunca quis em momento nenhum, eu nunca teria me fechado pra uma nova amizade. Pelo menos essa lição a morte de Eric havia me deixado. Contudo, não era um incômodo a forma como eu e Tom nos relacionávamos. Era até bem cômodo pra mim. Agora, eu tinha uma dose regular do meu mais efetivo anestésico psicológico: sexo.

Alice, claro, desaprovava tudo aquilo.

_Você conseguiu um cara ainda mais defeituoso do que você!

_Para.

_É sério! Dá pra ver a milhas de distância qual fruta aquele menino gosta, e vem pagar de hétero?

_Ele não é tão afeminado assim.

_Também não é o cara mais másculo que eu conheço.

_Eu sei, mas você tem que entender que agora é diferente.

_Diferente como?

_Não vou me envolver sentimentalmente com ele.

_Como você sabe? Não se controla esse tipo de coisa.

_Eu simplesmente sei. Quando você bate o olho na pessoa, você sabe se aquela pessoa vai ser descartável ou não para você.

_Ainda sim...

_Homens encaram o sexo de uma forma diferente, Alice. A gente consegue fazer sexo sem se envolver romanticamente.

_Eu sei que os homens em geral conseguem. O que eu não tenho certeza é se você consegue.

_Vai se fuder!

Eu tinha certeza que minha relação com Tom não se aprofundaria.

“Ah, mas se você se apaixonar por ele como aconteceu com Rafael?” vocês podem pensar.

Não era uma opção. O que aconteceu comigo e Rafael só acontece uma vez na vida. Sem cair no clichê de chamá-lo de minha alma gêmea, eu só não podia acreditar que eu pudesse sentir por alguma outra pessoa o que eu senti por Rafael. Alguém que tirasse meu chão e meu ar? Alguém que me fizesse querer encarar os meus medos? Alguém que eu desejo poder ver envelhecendo comigo? Não, essas coisas não acontecem toda hora, nem com todo mundo.

Tom também não era Eric. O grande laço que me unia a Eric era o fato dele me amar. Outras pessoas podem me amar? Claro, mas não como Eric. Tudo o que ele tinha vivido, o modo como a personalidade dele tinha sido construída era uma coisa muito singular. Ele não apenas me amava, ele se agarrava a mim desesperadamente em busca de ajuda. Eu não conseguiria virar as costas para uma pessoa neste estado, não completamente, ao menos.

Tom não era Eric e não era Rafael. E essa é uma lição importantíssima que aprendi na minha vida: as pessoas não me repetem. Nem mesmo se eu quisesse, Tom seria como os dois. Tom era Tom. A sua personalidade, a sua história, e até mesmo a sua maneira de beijar e fazer sexo o tornava uma pessoa única no mundo. E disso vem uma segunda grande lição: não importa quantos relacionamentos ou quantas pessoas você tenha dormido, você não vai conseguir desenvolver um manual prático de como ser bem sucedido em um relacionamento. Como as pessoas, os relacionamentos não se repetem, e não há como prever para onde eles caminharão. É por isso que nunca acreditei em livros de autoajuda. O que você pode e deve fazer é aprender um pouquinho com cada pessoa que passa pela sua vida, sexo envolvido ou não, e assim fazer de você mesmo uma pessoa cada vez melhor. Digo isso para frisar um fato importante: eu nunca me apaixonei por Tom, não sei nem mesmo dizer se ele foi por si só uma pessoa importante na minha vida, mas ele me ensinaria uma lição muito importante...

_E você e o Marcos, hein?_ falei com Alice retomando o papo.

_Tudo bem por enquanto..._ ela falou com um sorrisinho no rosto.

_Eita! E já provou da mercadoria?

_Me respeite, menino!

_Isso é um sim?

Ela sorriu em resposta e eu aplaudi rindo.

_Que vida devassa essa nossa, hein?_ falei.

_Sua, né? Porque eu não tenho tantos parceiros assim como você.

_Tom é o terceiro!

_Dos que você me conta, né?

Eu ri, mas não tinha certeza se ela estava brincando comigo. Às vezes eu tinha a impressão que Alice achava que eu escondia as coisas dela. Sim, claro, nós tínhamos segredos, mas não era tanta coisa assim. Apenas não compartilhava com ela cada detalhe da minha vida. Para mim, ela achava que eu era um daqueles caras que entrava nos bate-papos da vida ou nos banheiros de rodoviária sedento atrás de um macho. Não, não era assim comigo. Você podem até pensar que ela tinha uma visão preconceituosa dos gays, que nós seríamos máquinas sexuais incansáveis. Mas não, ela tinha uma visão preconceituosa dos homens em geral. Na visão dela, se você tem um pau entre as pernas, você não é digno de confiança. Eu me perguntava se sempre foi assim ou alguém a magoou tanto a ponto de ressenti-la desta forma. Nunca tive coragem de lhe perguntar.

_E como foi?_ perguntei.

_Foi bom._ respondeu bebendo seu refrigerante.

_Só bom?

_Uai, é, bom.

_Mas “bom” é meio caído, não?

Ela riu.

_Não, não é. Foi só uma vez, no dia da festa dos calouros. Foi a nossa primeira vez e na primeira vez nem sempre a gente encontra a nossa química.

_Minha primeira vez com Rafael e Eric foram ótimas. Com o Tom eu não sei avaliar porque eu fui meio que com muita sede ao pote, não sei até onde era saudade.

_Credo!_ falou fingindo nojo _Mulheres e homens são diferentes, meu caro. Vocês homens já sabem aonde ir diretamente, nós mulheres temos que guiá-los para vocês acharem os lugares certos em nós.

_Credo!_ falei brincando.

_Credo, mas você andou metendo boca em umas piranhas por aí, né?

_E foi bom, obrigado._ falei orgulhoso.

_Bom? “Mas ‘bom’ é meio caído, não?”_ rebateu imitando a minha voz.

_Ah, vai se fuder!_ falei não me aguentando e caindo na risada junto com ela.

Ela foi parando de rir e voltou a ficar séria.

_Falando nisso, como vai seu plano de arranjar uma esposa de fachada?

_Não é fachada.

_Lógico que é fachada, por quanto tempo você acha que aguenta “bom”?

_Ah, não sei!_ falei claramente incomodado com aquele assunto _O plano está em standy by.

_Eu te provoco porque acho que você ainda tem salvação._ falou não dando a mínima pro meu incômodo _Olha esse Tom. Pelas coisas que você me fala, ele está perdido.

_Como assim?

_O cara não admite que é gay. Mesmo depois de transar com outro cara. Mesmo estando muito na cara que ele é. Vê como isso é triste? Ele não vai ficar feliz nunca. Provavelmente vai conseguir se casar com uma tonta desavisada e os dois vão ser infelizes por anos ou mesmo décadas antes que alguém tenha coragem de por um fim naquilo. Isso se tiverem coragem, né, porque já parou pra imaginar quantos homens com vinte, trinta ou quarenta anos de casamento não são gays sufocando seus desejos.

_Ainda bem que eu tenho salvação..._ falei brincando tentando quebrar o clima ruim.

_Seu único alento é que você sabe o que é e aceita o que gosta. Só que não adianta nada sem a coragem de romper com essa prisão em que você está se prendendo. Você é inteligente, você sabe que se casar com uma mulher só vai fazê-lo infeliz. Eu só espero que você tenha cabeça pra pesar isso numa balança antes de fazer uma bobagem.

Ficamos os dois em silêncio durante um bom tempo. Esse tipo de sermão que Alice me dava era comum e rotineiro. Pelo menos uma vez por semana voltávamos ao mesmo ponto. Se aquelas palavras já não tinham tanto efeito em mim devido à repetição, elas só serviam para me cansar. Não adiantava rebater nada, porque, além de ser difícil rebater qualquer discussão com Alice, nunca chegávamos em ponto algum. Eu continuava seguindo com minha vida e ela continuava discordando.

Resolvi mudar de assunto.

_Posso fazer uma pergunta indiscreta?

_Não._ respondeu _Mas você vai fazer de qualquer jeito...

_Com Pedro,_ sua sobrancelha subiu com o nome dele _era “bom” ou “ótimo”?

Ela não respondeu, apenas sorriu e virou a cabeça tentando esconder. Eu caí na gargalhada.

_Eu sabia!

_Fala baixo!

_E com ele foi só uma vez também, não?_ perguntei ironizando o que ela tinha falado sobre Marcos.

_Sim._ respondeu vermelha.

_E onde fica a sua teoria da primeira vez?

_Não enche!

_Porque o Pedro sabe como se faz as coisas, não precisa de guia, né?

_Porque você tá falando nisso? Foi muito bom, ok, agora sigamos em frente. Não desistiu de tentar me empurrar pra ele?_ falou perdendo a calma.

_Calma. Nós estamos do mesmo lado agora, lembra? Nós dois não gostamos dele.

_Me engana que eu gosto!_ falou rindo _Ele não gosta de você. Você já perdoou ele por tudo. No momento que ele estalar os dedos você volta correndo.

_Não é assim..._ tentei desconversar sem graça.

_É assim sim.

Era um assunto que eu não gostava. Conversar sobre minha amizade com Pedro era lembrar do soco, de suas palavras, de seus olhares... Era triste e doloroso. Tentei virar a mesa.

_Não desconversa._ falei _O assunto é que o Pedro é melhor de cama que o Marcos.

_E daí? Não vou namorar o Pedro mesmo.

_E o Marcos você vai?_ perguntei surpreso.

Ela sorriu e abaixou a cabeça.

_Você gosta dele mesmo?_ perguntei ainda surpreso.

_Talvez...

_Achei que ele só curtição.

_E é, por enquanto.

_Então?

_Sei lá, ela é bonito, me trata bem, tem a cabeça no lugar...

_Só não é bom de cama._ completei rindo.

_Para com isso! Eu não devia ter te contado!

_Desculpa._ falei mal contendo meu riso _É que eu já vi o Pedro em ação, então eu entendo a sua dor...

Só quando eu terminei a frase eu percebi a informação que tinha soltado.

_Como assim você viu o Pedro em ação?_ ela perguntou olhando no fundo dos meus olhos.

_Eu... Eu..._ não sabia pra onde correr.

_Bernardo... Vocês...

_A gente “dividiu” uma menina..._ falei antes que ela pensasse outra coisa.

_Vocês o que?_ ela gritou e arregalou os olhos.

Eu me encolhi na cadeira com medo dela. Fui salvo pelo gongo. O celular dela, que estava em cima da mesa, começou a tocar. Ao olhar no visor, seus olhos ficaram inquietos. Curioso, eu olhei também e vi o nome de Rafael. Fiquei intrigado. Certo, Alice e Rafael se davam bem, mas estavam longe de serem amigos. Pelo menos, não a ponto de telefonarem um para o outro. Até onde eu sabia, o único assunto em comum que eles tinham eram eu.

_Não vai atender?_ perguntei.

Ela vacilou. Pegou o celular, mas não atendia. Ela me olhava indecisa.

_Não precisa ficar toda estranha por minha causa. Eu e Rafael somos amigos agora._ falei.

Mas alguma coisa estava estranha. Alice estava estranha.

_Alô?_ ela falou atendendo enfim.

Tentando me fingir de distraído, eu prestei atenção na conversa.

_Ah, sim... Ok... Certo... Combinado..._ ela deu um longo suspiro e me olhou de rabo de olho _Ok, Rafael, hoje à noite. Tchau.

Eles estavam escondendo algo de mim. E algo me dizia que eu não iria gostar do que estava por vir.

_Então..._ ela falou constrangida ao desligar.

_Você e o Rafa são amigos agora?_ perguntei a olhando com firmeza.

_Meio que sim...

Confesso que eu fiquei com ciúme.

_O que está acontecendo, Alice?

_Como assim?

_Vocês dois ficando amigos de repente! Vocês andam cheio de segredinhos. Quando eu chego na roda de conversa, vocês param de conversar.

_Bernardo...

_Rafael sumiu!_ eu falei magoado _Eu só o vejo na faculdade. Ele passou as férias enfiado dentro da minha casa, mas depois que as aulas começaram eu mal o vi fora da faculdade. Você também. Eu tive que quase implorar pra você sair comigo hoje. E agora vocês marcam programas juntos e nem ao menos me convidam? O que diabos está acontecendo?

Eu não gritei, mas falei com raiva. Eu estava magoado. No último mês, os dois tinham praticamente me abandonado. Eu passei de amigo a colega de faculdade. Eles nunca tinham tempo pra mim. E justo quando eu mais precisava deles.

_Bernardo..._ ela parecia buscar as palavras.

_Fala!_ pedi nervoso.

_Você mudou!

Eu olhei pra ela sem entender. Ela soltou um longo suspiro.

_Você está diferente, Bernardo.

_Como assim?_ perguntei ressabiado.

_Olha, eu sei que a morte de Eric mexeu muito com você, mas desde então você se tornou outra pessoa.

_Eu não me tornei outra pessoa.

_Sim, você se tornou, só não percebeu. Você está mais obscuro. Você quase não ri, e quando ri parece meio forçado, um riso superficial. Você costumava rebater as coisas que eu falava, agora deixa pra lá. Você costumava nos alegrar nas festas, agora você fica num canto se isolando.

Eu ouvia tudo embasbacado. Eu não tinha percebido aquelas mudanças em mim. Só que quando ela falava, eu ia lembrando dessas pequenas coisinhas. Mas poxa! Eu tinha o direito de estar assim, não? Quantas coisas não estavam acontecendo comigo ultimamente! Quantos golpes eu estava levando da vida! Era normal que eu me endurecesse um pouco.

_Eu continuo sendo sua amiga. O problema é que você está se tornando uma pessoa muito difícil de se conviver.

_Obrigado._ respondi irônico.

_Só estou te dizendo isso porque sou sua amiga. Caso contrário, eu apenas me afastaria sem dizer nada.

Eu fiquei realmente puto com ela e Rafael. Ela percebeu, mas não falou mais nada, nem um pedido de desculpas. Que amigos eram esse que não podiam ficar ao meu lado numa hora difícil?

_Obrigado pela sinceridade._ falei me levantando da mesa com raiva _Não vou mais te obrigar a me aguentar, com licença.

_Ah, deixa de criancice!_ ela falou com raiva também _Eu ainda estou aqui. Eu só não estou 100%, eu tenho uma vida também.

_Novamente: não vou mais te incomodar com meus problemas.

Eu me virei pra ir embora, mas alguma coisa me parou. Faltava algo a ser explicado: como Alice e Rafael viraram amigos repentinamente? Eu voltei pra mesa e lhe perguntei ainda em pé.

_Esse programa de hoje à noite. Eu não fui convidado por que eu me tornei uma péssima companhia ou tem outro motivo?

_Bernardo..._ ela falou suspirando triste.

De repente, me veio a cabeça a cena dela, Rafael, Carolina e Marcos conversando animadamente e ficando sem graça com minha presença. Tudo ficou muito claro.

_É um programa de casais, certo?_ perguntei com lágrimas nos olhos _Você e Marcos, Rafael e Carolina, não é?

Ela me olhou triste como se confirmasse. Eu senti como se o mundo todo à minha volta ficasse cinza.

_É ele que tem de te contar, não eu._ foi o que ela se limitou a respondeu.

Voltei a me virar e praticamente corri pra sair dali o mais rápido que pude. Rafael estava namorando. Ele virou a página. Ele me superou. Ele me esqueceu. Eu não prestava nem pra seu amigo agora. Eu não posso nem mesmo dizer que era dor o que eu sentia. Era só mais uma pancada dentre tantas outras. Só que essa era diferente. Por mais que eu não conseguisse mais vislumbrar um futuro ao lado de Rafael, eu sabia que ele sempre estaria lá pra me ajudar. Só que agora, ele não estava mais. Tinha outra pessoa em sua vida pra ele cuidar.

Eu mudei. A morte de Eric, o esfriamento da minha relação com Rafael, o desprezo de Pedro, e agora o afastamento de Alice e Rafael. Eram muitas porradas. Elas foram me ressentindo, me tornando uma pessoa ferida e amarga. Alice estava certa, eu havia mudado, e pra pior. Era como se alegria estivesse sendo tirada de mim através da distância das pessoas que eu amava. Tinha como ficar pior? Era o fundo do poço? Não, não era o fundo do poço ainda. Pra alcançar o pior que havia em mim, faltava uma pancada, faltava a cicatriz que Tom deixaria em mim.

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