Clube da Brotheragem - Cap 35 - Visitando Ricardo (Últimos dias para ler aqui!)

Conforme os dias transcorriam, a ausência constante de qualquer sinal, mensagem ou resposta por parte de Ricardo parecia confirmar, ponto a ponto, as previsões de Túlio. Ricardo não dava sinais de vida, ignorando minhas mensagens e as de Túlio. Era uma lacuna de comunicação absoluta, deixando um vácuo de incertezas que me afetava cada vez mais. Essa falta de retorno, tanto para mim quanto para Túlio, começou a despertar em mim um crescente estado de preocupação, como se cada mensagem não respondida representasse um novo nó de inquietação em minha mente.

Passava horas olhando o telefone, esperando ansiosamente por qualquer sinal de vida de Ricardo. Seu silêncio prolongado transformava-se em uma espécie de neblina, obscurecendo qualquer possibilidade de entendimento sobre seu paradeiro ou estado emocional. A incerteza em torno de sua ausência acabou se tornando um constante ponto de interrogação, pairando sobre mim e minhas expectativas.

Eu estava no mínimo revoltado com aquele desgraçado, considerando especialmente os momentos memoráveis que compartilhamos em Ouro Preto. Aquela última noite, onde Ricardo me surpreendeu com um beijo, divisor de águas, que desabrochou em vários outros beijos culminando numa transa intensa e inesquecível, criou uma ligação que, agora, parecia dissipar-se no ar. Sua decisão abrupta de sumir assim, sem deixar rastros, parecia um peso incômodo em meu peito.

Eu sentia-me fodido psicologicamente, um misto de desapontamento e preocupação mesclados à esperança de que ele estivesse bem. A ideia de que talvez Ricardo estivesse enfrentando dificuldades por conta de sua história marcada por padrões “heteronormativos” no ambiente universitário pairava sobre meus pensamentos. Era um receio genuíno, porém impreciso, sobre os possíveis obstáculos que ele poderia estar enfrentando.

Além disso, no ambiente acadêmico, corredores e filas no refeitório eram palco de murmúrios e cochichos sobre o tal incidente que envolvia dois jogadores da equipe de futebol, flagrados de conchinha e só de cueca no quarto de hotel. Os comentários sobre a situação eram abafados por uma parte do time, aparentemente preocupada em preservar a imagem da equipe.

Enquanto isso, eu, indiferente a todo esse alvoroço, mantinha o foco na preocupação com Ricardo e suas possíveis reações diante de tudo isso. Quando notava olhares e cochichos dos fofoqueiros de plantão, ao invés de me encolher envergonhado, mantinha meu olhar erguido, carregando uma aura de orgulho, e encarava com determinação quem ousasse fazer alguma insinuação.

Minha reputação de brigão nos campos de futebol parecia surtir um efeito intimidador nos heterossexuais inseguros, incapazes de confrontar alguém como eu, que não deixaria a intolerância ganhar palco.

Naquela semana mesmo, enquanto retornava para o alojamento após as aulas, uma situação desagradável desencadeou um confronto. Dois calouros, brincalhões e atrevidos, resolveram se aproximar de mim enquanto eu caminhava. Desde longe, suas expressões irônicas já denotavam uma intenção desafiadora em direção a mim. No instante em que percebi, fechei meu semblante, prevendo o que estava por vir.

Um deles, com um ar de deboche, lançou uma pergunta constrangedora:

— Qual é Caio, é verdade que você gosta de sentar na rola dos caras do time? — perguntou ele, fazendo o outro começar a rir como se aquilo tivesse sido uma aposta entre eles.

Naquele instante, não acreditei no que estava ouvindo. A sensação era de que aqueles calouros precisavam de uma lição sobre maturidade acadêmica, afinal, o ensino médio havia ficado para trás, e ali estávamos no âmbito universitário, onde as atitudes deveriam ser mais maduras e respeitosas. Mesmo sendo apenas meu segundo período, já me sentia como um veterano diante daqueles dois jovens.

Movido pela revolta, a adrenalina e a indignação me dominaram. Decidi me aproximar deles e, num ímpeto, desferi um soco no rosto daquele que proferira a debochada pergunta. Apesar do horário já avançado, o sol ainda estava forte, o que contribuiu para a cena humilhante da sua queda ao chão.

— Foi mal, cara! — disse o outro rapidamente, com medo evidente estampado no olhar.

— Vai repetir a mesma gracinha que seu amigo disse? — questionei, encarando-o com raiva.

— Não, pô. Claro que não! — respondeu ele, encolhido e amedrontado.

Balancei a cabeça, satisfeito com a minha vitória.

— É melhor mesmo, seu vacilão! Mas, se quiser é só avisar porque eu tenho um prazer quando um hétero frouxo me dá motivos para socar a cara!

Após uma última olhada no jovem derrotado no chão, continuei meu caminho de volta para o alojamento. Antes a raiva, agora pairava o orgulho por minha postura firme. Jamais vou deixar que esses caras tirem onda com a minha cara. Vou ser gay, viado, o que for! Mas vou ser mais macho que esses frangos otários. Era uma forma de reafirmar que minha sexualidade não se traduziria em fraqueza ou motivo para zombarias. Onde já se viu o novato chegar para mim e ter a ousadia de perguntar na minha cara se eu gosto de sentar em rola! Posso até gostar de sentar em uma rola, mas quando se trata de homofóbico, que gosto de sentar é a porrada!

Foi em uma daquelas filas movimentadas de almoço que avistei Alícia. Ela parecia estar me observando há algum tempo, alguns metros adiante na fila. De imediato, tive a sensação de que seus olhos estavam carregados de raiva enquanto fitavam minha direção. Provavelmente, ela se baseava na notícia que circulava nos grupos de WhatsApp, revelando que fui flagrado com o seu caso Ricardo. No entanto, surpreendentemente, Alícia acenou de forma gentil assim que nossos olhares se cruzaram. Respondi ao aceno com um sorriso singelo e duvidoso, um tanto sem entusiasmo. O que me incomodava era que a mera presença de Alícia me remetia a Ricardo, trazendo à tona lembranças dele.

Após me servir do almoço, escolhi uma mesa vazia para me acomodar. Ian ainda estava em aula naquele momento. Minutos depois, percebi uma presença feminina próxima e virei para identificar quem era.

— Oi, Caio! Se importa se eu me sentar aqui? — perguntou ela, apontando para um dos bancos livres ao meu lado.

— Claro que não! Fique à vontade.

Alícia sentou-se, e eu continuei a comer, notando de relance que ela parecia querer abordar algum assunto. Pensei que talvez ela estivesse interessada em questionar se o que aconteceu entre mim e Ricardo era realmente verdade.

A cada olhar dela, um desconforto crescente me tomava. Parecia que seus olhos carregavam um julgamento silencioso, o que me deixava perturbado.

— Quer me perguntar alguma coisa, Alícia? — perguntei, sentindo um leve desconforto.

Ela me olhou por uns instantes, seus olhos carregados de curiosidade e compreensão.

— Você está bem? — perguntou com um olhar amistoso, surpreendendo-me com sua abordagem mais delicada, contrastando com o olhar desafiante que eu esperava.

— Estou sim, e você? — respondi, ainda um tanto desconfiado, cauteloso com suas reais intenções.

— Bem — ela respondeu, oferecendo um sorriso singelo antes de mastigar um bocado de comida. Depois de engolir, continuou: — Deve ser bem chato, né? Todo mundo julgando com olhares.

— Eu nem ligo muito! — afirmei, tentando parecer tranquilo.

— É por isso que o Bruno não quer aparecer mais no campus.

Seu comentário me fez fitá-la, tentando compreender se estava sendo sincera ou apenas sondando informações para depois me criticar por ter ficado com o rapaz que ela estava envolvida.

— Você não ficou chateada ao saber que o Ricardo ficou comigo? — arrisquei perguntar, curioso.

— Quem, eu? — ela riu de leve. — Por que ficaria? Eu e o Bruno nem namoramos, só temos um lance. — Fez uma pausa, parecendo refletir. — Mas, claro, eu fiquei bem surpresa, porque para mim ele era cem por cento heterossexual. Porém, além disso, nosso caso é aberto. Cada um pode ficar com quem quiser.

Relaxei, aliviado com sua compreensão.

— Por um instante, pensei que você veio aqui tirar satisfações comigo.

Ela gargalhou.

— Jamais, Caio! Tá doido? Eu vim saber como você está com tudo isso, porque o Ricardo tá pilhado demais.

— Imagino! Você tem o visto? — perguntei, tentando captar qualquer indício de hesitação em sua resposta.

Ela deu uma pequena pausa, algo que me fez duvidar da veracidade de suas palavras:

— Não — respondeu ela, mas suas expressões não me convenceram.

— Entendi... — falei, observando atentamente, tentando encontrar algum resquício de mentira nos seus olhos. — Você sabe onde ele mora, não sabe?

— Não sei, Caio! Não faço ideia! — respondeu ela, com um sorriso amarelo, mas sua expressão entregava que talvez soubesse mais do que estava deixando transparecer.

— Você sabe sim, Alícia! Não mete essa pra mim não — a desafiei com determinação.

Ela respirou fundo, desviando o olhar por um momento antes de voltar a me encarar.

— É que ele não gosta de compartilhar sobre o endereço dele, tem a questão dos pais e tudo mais... — ela tentou explicar, parecendo um pouco desconfortável.

— Entendi... — respondi, desanimado com a situação, percebendo que seria difícil conseguir essa informação por aquele caminho.

A conversa entre nós dois tomou um novo rumo dali para frente, envolvendo outros assuntos, mas com uma atmosfera pesada por conta da tensão do segredo do endereço de Ricardo. Minutos depois, meu primo Ian chegou e se juntou a nós, trazendo um pouco mais de leveza ao ambiente.

Era noite quando eu estava conversando com meu primo Ian em um dos bancos do campus, sob o céu estrelado que dava uma atmosfera tranquila ao lugar. Detalhei a ele sobre as conversas recentes com Túlio e Alícia. Comentei sobre como ambos sabiam o endereço de Ricardo e, estranhamente, deram a mesma desculpa evasiva para não me ajudar a chegar até a casa dele.

— Cara, até a Alícia sabe onde o Ricardo mora, mas eu não posso saber! — desabafei, sentindo-me indignado com a situação.

— Caio, pelo amor de Deus! Larga mão desse Ricardo. Se ele não te responde as mensagens, por que você continua insistindo? — indagou Ian, tentando entender meu ponto de vista.

— Ele não está respondendo nem ao Túlio. Estou sinceramente preocupado com ele. Tenho medo de que algo ruim possa estar acontecendo com ele — expliquei, demonstrando minha inquietação.

— Pelo menos ele está vivo, porque notícia ruim se espalha rápido — comentou Ian, tentando acalmar meus ânimos.

— Não fala isso, Ian. Não gosto nem de pensar nessa possibilidade.

Ian, por sua vez, ficou sabendo dos eventos em Ouro Preto da mesma forma que a maioria das pessoas: fofocas do WhatsApp. Contudo, ao detalhar todos os acontecimentos, ele ficou genuinamente impressionado. Para ele, jamais passaria pela cabeça que Ricardo se renderia tão intensamente a um cara como fez quando ficou comigo.

— O problema do Ricardo foi te beijar. Isso abalou muito você, e agora fica aqui sofrendo por ele sem ter notícias — afirmou Ian, tentando dar um conselho. — Se fosse você, arrumava outro cara e esquecia esse Ricardo. Ele vai sempre querer manter essa imagem de hétero, mesmo que sinta algo por você.

Senti um peso ao ouvir a verdade nas palavras do meu primo. Talvez ele estivesse certo. Talvez, mesmo após o flagra em Ouro Preto, Ricardo preferisse manter-se escondido no armário, sem revelar sua verdadeira orientação sexual. Aquela ideia me deixava inquieto, mas eu começava a aceitar que talvez precisasse seguir em frente.

Decidi agir como se nada estivesse acontecendo, embora por dentro estivesse ansiando para ver Ricardo, sentindo falta de seus beijos e de sua metida fenomenal. Eu me esforcei para manter uma fachada de fortaleza inabalável, mas não sei se alguém estava convencido disso. Pelo menos eu estava tentando.

Na semana seguinte, os treinos do time de futebol voltaram à rotina. Decidi que não havia razão para abandonar tudo. Assim que cheguei ao campo, percebi olhares estranhos no início, mas logo a atmosfera se normalizou. Até mesmo Jean, responsável pelas piadas na noite do incidente, estava na dele. Se ousasse fazer alguma piada de mau gosto, a porrada iria cantar ali mesmo, na frente de Leôncio.

André me cumprimentou como sempre fazia. Seguindo seu exemplo, alguns dos jogadores fizeram o mesmo. Durante as considerações de Leôncio, veio a notícia de que Ricardo havia pedido para sair do time, desencadeando uma onda de lamento no campo. Apesar de já esperar algo assim, fiquei chateado. Ricardo estava suspenso dos próximos dez jogos, mas não dos treinos.

— Poderíamos pedir para ele retornar, Leôncio — sugeriu um dos jogadores. — A gente nem vai ligar para o que aconteceu. A gente só não quer que ele saia do time.

— Concordo, ele joga muito bem! — endossou outro.

Percebi o semblante abatido de André, refletindo sobre a notícia. Ele me lançou um olhar cúmplice, como se tentasse transmitir algo.

Após as considerações do técnico, o treino seguiu seu curso habitual, mas havia um ambiente diferente, uma atmosfera de incerteza que pairava sobre o lugar.

No alojamento, eu tentava agir naturalmente com Túlio. Ele constantemente perguntava como eu estava, e eu sempre respondia com um “estou ótimo”. Entretanto, havia um incômodo interno, um sentimento forçado que eu temia que Túlio pudesse perceber. Em determinado momento, questionei se minhas respostas estavam parecendo excessivamente ensaiadas.

— E aí, Caio, tudo certo? — Túlio indagou, abrindo a porta visivelmente exausto do seu treino de jiu-jitsu. Seu olhar sério e melancólico era inconfundível.

— Tudo ótimo, Tulião! Me conta, como foi a luta hoje? — perguntei, tentando forçar um sorriso e imitando um gesto de luta.

Túlio parou subitamente, observando-me com desconfiança. Parecia que ele nutria uma espécie de pena por mim, ponderando silenciosamente algo dentro de si. Naquela noite, ele não se deteve para conversar muito comigo. Tomou um rápido banho e se alimentou antes de se recolher em seu quarto, mantendo-se recluso até o próximo dia.

Na tarde do dia seguinte, a situação repetiu-se. Estava no sofá da sala, desfrutando de um lanche. Diante de mim, encontrava-se o quarto de Ricardo, com a porta entreaberta e suas malas ainda exatamente onde as havia deixado. Essa estática configurava um vazio palpável, mostrando a ausência de movimento e vitalidade que ele imprimia naquele espaço. Tentei focar minha atenção em algo na televisão, mas minha mente insistia em evocar a imagem de Ricardo, caminhando sem camisa pelo quarto, vestindo apenas seus shorts costumeiros, lançando aquele olhar malicioso na minha direção.

Absorto em meus pensamentos melancólicos, fui abruptamente retirado desse estado quando Túlio chegou. Seu semblante parecia ainda mais fatigado do que o habitual, carregando uma mochila nas costas. Ele parecia derrotado, mas não era resultado de seus treinos de luta; vinha, na verdade, das aulas do dia.

— Boa tarde, Caio! — cumprimentou ele, manifestando claramente um semblante desanimado.

Mesmo diante da sua expressão fatídica, fiz um esforço para transmitir um cumprimento caloroso e completamente fora do natural:

— Boa tarde, amigo! O calor tá de matar hoje, não tá?

— Demais — respondeu ele, enquanto se encaminhava para o seu quarto.

Túlio rapidamente pegou algumas peças de roupa e logo se dirigiu ao banheiro para tomar um banho. Eu permaneci ali, observando o quarto de Ricardo. Gradualmente, reuni coragem e decidi fechar a porta.

Após o banho, Túlio saiu vestindo uma bermuda jeans e uma camiseta, indicando que ele iria para algum lugar.

— Que isso! Está todo gatão! — comentei — Vai dar um rolê?

— Sim... — sua resposta soou desanimada, hesitante — Vou na casa do Bruno.

Ao escutar isso, toda a minha falsa animação caiu por terra e um sentimento de desânimo me atingiu com força total. Durante toda a semana, eu havia pedido inúmeras vezes a Túlio que me levasse lá, mas ele havia negado todas as vezes. Não iria mais implorar. Estava resignado.

— Ah, tá certo — murmurei, encolhendo-me, sem mais insistências.

Túlio se acomodou ao meu lado no sofá, parecendo carregar um peso invisível em seus ombros.

— Cara, já faz um tempo que o Ricardo sumiu, não dá nenhum sinal de vida. Eu estou preocupado com ele. Não responde nada — disse ele, visivelmente inquieto.

— É verdade... vê lá o que ele tem — respondi desviando o olhar para a TV, tentando manter a aparência de desinteressado.

Um silêncio pairou entre nós. Túlio, aos poucos, se ergueu do sofá e se dirigiu até a porta com uma postura hesitante, como alguém prestes a tomar uma decisão crucial. De soslaio, o observei atentamente. Justo quando ele estendia a mão para girar a maçaneta, interrompeu seus passos, virou-se em minha direção e soltou:

— Vem comigo, Caio!

Seus olhos transmitiam seriedade e determinação.

— Túlio, não precisa, sério. Ele falou que não quer que você revele onde mora. Vai lá você e veja se ele está bem — tentei argumentar, mantendo a atenção na TV.

Túlio permaneceu parado, olhando-me fixamente por alguns segundos.

— Caio, só levanta e vamos! — insistiu, com um tom determinado.

— Mas ele pode acabar ficando chateado contigo.

— Eu vou arriscar. Vamos logo! Você está péssimo, Caio! Você fica aí fingindo que está tudo bem, mas dá pra ver que a ausência dele está te afetando. Eu, que não tenho nada sério com ele, estou mal, você deve estar pior.

A firmeza em seu olhar me fez hesitar, mas então cedi e me levantei. De repente, uma onda de ansiedade percorreu meu corpo ao imaginar o que poderia encontrar ao me dirigir ao encontro de Ricardo.

Túlio rapidamente solicitou um carro por aplicativo e, em poucos minutos, o veículo chegou. O motorista nos cumprimentou cordialmente, leu em voz alta o destino, um condomínio na Barra da Tijuca. Túlio confirmou a informação. Eu já sabia que Ricardo morava na Barra da Tijuca; ele havia mencionado quando nos deu carona, deixando-me e Ian na Avenida Brasil antes de seguir pela Linha Amarela. Entretanto, desconhecia que morava em um condomínio. Para mim, viver em um condomínio na movimentada Barra da Tijuca pressupunha uma condição financeira confortável.

No trajeto, Túlio revelou um certo nervosismo por me levar, embora ponderasse que talvez Ricardo não se importasse.

— Por que você acha que ele não se importaria? — indaguei curioso, enquanto estávamos acomodados no banco traseiro do carro.

— Ele gosta de você, Caio. Disso eu não tenho dúvidas — afirmou ele.

Respirei fundo e esbocei um sorriso discreto, tentando conter minha alegria diante das palavras de Túlio, mas sem querer demonstrar muito.

— Então, como vamos entrar se Ricardo nem responde às suas mensagens? Ele mora em um condomínio, não é?

— Sim, exatamente — confirmou.

— Eu me pergunto como conseguiremos entrar se não tivermos contato com ele. Será que ele atenderia o interfone ou algo do tipo?

Assim que o carro estacionou diante do condomínio, Túlio desembarcou e encaminhou-se para a portaria. Observando de dentro do veículo, percebi os funcionários fazendo uma ligação para algum lugar, possivelmente para a residência de Ricardo, buscando autorização para nossa entrada.

O motorista abaixou todos os vidros, facilitando a identificação dos ocupantes do carro, e fomos solicitados a apresentar nossos documentos para preencher um formulário de visitantes.

Após os trâmites e a liberação do acesso, quando já estávamos no interior do veículo e a poucos metros da casa de Ricardo, Túlio demonstrava nervosismo evidente.

— O que está acontecendo, Túlio? — perguntei, preocupado com a situação.

— Estou fodido! — ele exclamou, com certo desespero — Quem me atendeu não foi o Ricardo, foi a Elisângela, a empregada da casa. Ela me conhece, sempre venho aqui. Mas o Ricardo ainda não sabe que eu trouxe você.

— Quer que eu espere dentro do carro? — sugeri, tentando compreender a complexidade da situação. Além da possibilidade iminente de encontrar Ricardo, a revelação de que ele talvez fosse rico me deixou ansioso e nervoso ao mesmo tempo.

— Não, agora que já começamos a merda, vamos até o final — ele respondeu, em tom decidido, enquanto eu tentava disfarçar meu nervosismo.

O carro parou diante de um portão largo e imponente, à frente de um muro branco. Uma mulher loira, com olhos cansados que pareciam ter presenciado muitas histórias, aparentando estar na faixa dos cinquenta anos, estava prestes a nos atender. Seu olhar ao me ver foi de surpresa, como se não soubesse da minha presença ali. Túlio me apresentou como um amigo e logo identificou Elisângela como a empregada da casa.

Após as formalidades, Elisângela, com um semblante curioso e talvez um pouco desconfiado, dirigiu-se a nós:

— Já comuniquei ao Bruno sobre você, Túlio. Só não mencionei sobre o outro rapaz porque achei que você estivesse sozinho— declarou Elisângela, dirigindo-me um olhar perscrutador.

— O Caio faz parte do mesmo time de futebol que o Bruno, Elisângela. Fique tranquila — Túlio tentou transmitir segurança, mas eu percebi a insegurança subjacente em suas palavras.

Elisângela concordou com a cabeça, hesitante, e nos convidou a entrar.

De repente, um vasto e bem cuidado quintal se desdobrou diante dos meus olhos. Um pequeno jardim com várias espécies, como margaridas, rosas, algumas palmeiras distribuídas pelo gramado e outras envolvendo uma piscina circundada por tábuas de madeira. Ao fundo, uma casa enorme de arquitetura moderna, pintada de branco e cinza-claro, capturou minha atenção. De repente, uma pergunta surgiu em minha mente: se Ricardo vivia em uma mansão daquelas, por que optava por um alojamento pequeno, abafado e desarrumado?

— Por favor, sentem-se aqui. Vou avisar que vocês chegaram — pediu Elisângela, indicando uma mesa com quatro cadeiras no gramado do quintal.

O sol já começava a se pôr e a cobertura da mesa não parecia necessária naquela hora do dia.

Antes mesmo de Elisângela adentrar a casa, Ricardo surgiu na porta de vidro duplo da sala de estar. Ao nos avistar, seu semblante se fechou e por alguns instantes, nos observou seriamente.

Ricardo hesitou, desviando o olhar por um instante, respirou fundo e então nos encarou com uma expressão mais suave. Com passos hesitantes, ele se aproximou. Túlio se levantou e eu fiz o mesmo, preparados para o que estivesse por vir.

— Cara, me desculpa por ter feito isso — Túlio iniciou suas desculpas — Estávamos muito preocupados contigo, já se passaram duas semanas desde que...

Túlio foi interrompido por um abraço firme de Ricardo. Ao soltar Túlio, Ricardo voltou sua atenção para mim, apertando minha mão e me abraçando também. No entanto, naquele abraço, não o senti muito próximo.

— Vocês querem entrar?

O olhar aliviado de Túlio cruzou com o meu, ambos concordamos, afinal, era para isso que estávamos ali.

— Apenas peço que mantenha discrição sobre o que vir ou ouvir aqui em casa — solicitou-me Ricardo, fitando-me nos olhos.

— Claro! — respondi prontamente.

A sala de estar de Ricardo era ampla, com um design moderno e arejado. As paredes neutras contrastavam com os móveis de linhas limpas e contemporâneas, destacando-se um grande sofá de couro preto e uma estante de madeira elegante, repleta de livros e objetos decorativos.

Acomodamo-nos no sofá e começamos a conversar sobre o sumiço de Ricardo. Segundo ele, seus pais, que trabalhavam em outro estado, estavam a caminho de casa no Rio de Janeiro naquele dia, uma quinta-feira. Apesar da ausência deles, Ricardo mantinha um tom de voz baixo e cuidadoso, como se temesse a presença deles ali. Ele assegurou que estava bem, embora ainda tentasse processar o que havia acontecido. Não esperava e jamais imaginou que as coisas desenrolariam daquela maneira. Ser flagrado pelo time inteiro foi um choque tremendo e uma experiência traumatizante para ele.

— Mas tudo foi culpa minha. Fui eu quem deixou a porta aberta — explicou Ricardo, com um tom de autocrítica — E a culpa também é do hotel por não ter atualizado os sistemas das chaves.

— Você planeja voltar para a faculdade quando? — perguntei, buscando entender sua decisão.

— Pretendo ir lá na próxima semana para trancar ou pedir transferência. Não tenho certeza do que fazer. Talvez eu transfira e continue na Católica aqui do Rio.

— Sério, Bruno? — Túlio perguntou, manifestando indignação.

— E a Atlética? E o time? — comentei, sentindo-me desanimado e desesperado com a possível partida de Ricardo.

— Preciso focar em mim, no meu curso, na minha carreira. A verdade é que eu nem ligo para o time. Eu entrei no time de futebol da universidade e na Atlética somente para agradar ao meu pai.

— Mas pensei que você gostava muito daquilo tudo — indaguei, confuso.

— Gosto de resolver problemas, de me envolver, mas o time de futebol nunca foi minha preferência.

— Ué! — exclamei, surpreso, olhando para Túlio, em busca de alguma compreensão.

— É uma longa história, Caio! — disse Ricardo, não parecendo estar disposto a contar os detalhes naquele instante.

Elisângela chegou em um momento oportuno com uma bandeja de sucos para nos servir, e agradecemos pelo gesto.

Logo depois, Túlio anunciou que iria ao banheiro e depois passaria para conversar com Elisângela. Percebi que ele fez isso para nos proporcionar um momento a sós. Foi quando tive a chance de conversar mais diretamente com Ricardo.

— Poxa, Ricardo. Desista dessa ideia de trancar o curso — pedi, mostrando minha preocupação — Você faz uma falta enorme naquela universidade. Não se importe com a opinião dos outros. Com o tempo, uma nova fofoca logo surge e as pessoas acabam esquecendo o que aconteceu.

— Não consigo, Caio! Para mim, não dá.

— Sinto sua falta, cara — murmurei, com as palavras saindo um pouco trêmulas — É horrível ficar sem te ver.

Ricardo abaixou a cabeça por um momento, desviando o olhar para o chão antes de voltar a encarar-me.

— Também sinto falta de você, do Túlio, de algumas outras pessoas daquela universidade, mas não posso voltar. Não posso ficar exposto assim. Minha vida é meio complicada, sabe? Essa história não pode chegar aos ouvidos do meu pai ou da minha mãe. Graças a Deus, pouquíssimas pessoas daquela universidade sabem quem é meu pai.

— Seu pai é alguém famoso? Um ator?

Ricardo desviou o olhar, focando no quintal de sua casa, atraindo minha atenção para lá.

— Por falar nele — Ricardo disse — Você vai conhecê-lo agora.

Fixei o olhar no quintal através da enorme janela, observando um carro se aproximando e estacionando. Em questão de minutos, a porta da sala se abriu, revelando uma mulher com uma expressão forte e calorosa, acompanhada por um homem que eu já havia visto inúmeras vezes em meio a polêmicas nos noticiários, especialmente em épocas de eleições.

— Bruno — saudou sua mãe, dando-lhe as boas-vindas à sala.

Ricardo se levantou do sofá e eu o segui. Assim que vi quem era seu pai, compreendi imediatamente todos os desafios e dilemas que ele enfrentava. De repente, uma profunda compaixão por Ricardo se instalou em mim, enquanto uma crescente decepção surgia por estar conhecendo seu pai.

— Mãe, pai, este é Caio, um colega da minha universidade. Jogamos juntos no time de futebol da faculdade.

— Dois campeões que trouxeram a taça da Copa Mineira para casa! — disse seu pai, com toda a simpatia possível em sua expressão, mas eu não nutria qualquer simpatia por aquele homem. Na verdade, sentia repulsa.

O pai de Ricardo era Emanuel Lopes, Deputado Federal de cinquenta e dois anos, com uma longa carreira política na extrema direita. Defendia os valores da família tradicional, era conhecido por discursos homofóbicos, advogava pela portabilidade de armas e já fora pego várias vezes proferindo palavras racistas e gordofóbicas. Além disso, tinha histórico de infidelidade conjugal. Foi flagrado diversas vezes com mulheres da mesma idade de Ricardo, o que tornava a situação ainda mais desconfortável.

— Sim, campeões! — disse eu, tentando manter uma postura amigável e breve, enquanto correspondia ao aperto de mão de Emanuel Lopes. Percebi que Ricardo observava atentamente minha reação. Contive-me para não expressar aversão naquele contato, não queria agravar as coisas para Ricardo, embora desejasse ardentemente retirar minha mão daquele aperto.

— Vocês são os melhores daquela universidade — disse ele, apontando o dedo em meu peito.

— Sim, somos. Obrigado! — respondi, procurando ser cordial.

Sua mãe também me cumprimentou brevemente e logo ambos adentraram a casa através de uma das portas, desaparecendo do campo de visão. A voz de Emanuel Lopes ainda reverberava por onde passava, mas aos poucos foi diminuindo até se tornar um murmúrio distante.

Atordoado, eu me mantive parado, encarando Ricardo. Seu olhar parecia mais tranquilo, como se sentisse certo alívio por eu ter presenciado tudo por conta própria, poupando-o de explicar.

— Caramba, Ricardo. Nunca poderia imaginar isso — murmurei sem jeito, olhando para ele.

— Agora você compreende tudo, não é?

— Perfeitamente.

Ricardo me guiou até o quintal de sua casa, um local mais reservado para conversarmos. Eu ainda tentava absorver tudo o que tinha presenciado. Foi então que eu insistir em voltar ao ponto mais delicado da situação.

— Ricardo, eu entendi tudo, mas você sabe que nada disso pode impedir o que você ou eu sentimos um pelo outro, né? Podemos manter tudo em sigilo, se quisermos...

— Caio, por favor. Não comece com isso. Foi legal o que rolou em Ouro Preto, mas aquilo foi só uma noite de curtição. A gente bebeu muito. Pelo menos eu estava bem chapado. Aquilo não passou de um erro. É só pararmos para ver no que deu.

— Um erro? Sinceramente, não concordo, Ricardo. Eu entendi a questão da tua família e acho que podemos resolver isso. Podemos manter nosso relacionamento em segredo. Eu não me importaria. Só quero que o que construímos não acabe.

— Mas já acabou, Caio! Não posso seguir com um relacionamento com outro cara. Prefiro manter minha situação com a Alícia em nosso acordo aberto. E, sinceramente, acho que você merece um relacionamento muito mais saudável.

— Eu só acho que você ainda está em negação e que ainda não aceita quem você realmente é, Ricardo! Cara, aproveita que já estão comentando e joga logo a toalha, assume logo essa porra pra todo mundo e seja feliz.

— Caio, para com isso. Não tem nada a ver com negação. Eu sei exatamente quem eu sou, e por isso mesmo estou te pedindo para seguir seu próprio caminho. Comigo você não vai conseguir o que procura.

Suas palavras cortantes me doeram por dentro.

— Tudo bem. Eu vou parar por aqui. Mas eu tenho certeza de que você sente algo por mim, ou vai dizer que não? — indaguei, fitando-o nos olhos, buscando qualquer vestígio de verdade.

Ricardo permaneceu em silêncio. Naquele momento, Túlio retornou, interrompendo nosso diálogo. Ele mencionou ter visto os pais de Ricardo e que, em seguida, decidiu nos procurar.

Avisei a Túlio minha intenção de ir para casa. Ele rapidamente percebeu o clima tenso que pairava no ar e prontamente se ofereceu para me acompanhar. Nos despedimos de Ricardo e uma angústia profunda se instalou em mim, imaginando que talvez aquela fosse a última vez que o veria. Depois, Túlio e eu seguimos para o carro que havíamos solicitado.

Durante o trajeto de volta para casa, compartilhei com Túlio o desenrolar da conversa com Ricardo.

— Ele sugeriu que cada um siga seu próprio caminho e admitiu que não me oferecerá o que procuro nele — expliquei a Túlio.

— Mano, eu já imaginava algo assim vindo do Bruno. O Ricardo nunca vai assumir que está apaixonado por um cara.

Respirei fundo, lutando para conter as lágrimas que queriam emergir enquanto estávamos dentro do carro. Era um vendaval de emoções difíceis de controlar.

=================

Enquanto o capítulo novo não sai, que tal ler um dos meus outros livros e assim apoiar minha escrita.

Meus outros títulos publicados:

- Meu amigo do Futebol;

- Café com Leite;

- De Alma Livre;

- Esqueça-me depois do carnaval;

- Vitor e Gustavo em: Uma aventura no cruzeiro.

E vem mais por aí...

Siga a Casa dos Contos no Instagram!

Este conto recebeu 18 estrelas.
Incentive @vitorfernandezautor a escrever mais dando estrelas.
Cadastre-se gratuitamente ou faça login para prestigiar e incentivar o autor dando estrelas.

Comentários

Foto de perfil de Jota_

Ai caramba!! Doido pra ver esse desfecho, o Caio e o Ricardo deram muitos vacilos mas mesmo assim torço por eles. E por mais cenas de sexo deles, pq pqp foi bom viu 😜

0 0