O Vizinho - Capítulo II

Da série O Vizinho
Um conto erótico de M.K. Mander
Categoria: Gay
Contém 6103 palavras
Data: 15/10/2023 00:47:12
Última revisão: 10/03/2024 04:03:07

CAPÍTULO II

*** GUSTAVO FORTUNA ***

A maquete no meio da sala de reuniões quase reluz de tão nova enquanto apresento os números para o conselho da Galvani & Fortuna empreendimentos imobiliários. Preciso de um grande esforço para não deixar transparecer em minha voz toda a empolgação que sinto com o novo projeto, afinal, os homens sentados ao redor da mesa querem ver um homem de negócios, não um moleque se divertindo. Particularmente, não vejo nenhum problema em entender que é perfeitamente possível ser as duas coisas ao mesmo tempo, mas eles veem, e é do sim deles que eu dependo para tirar meu projeto do papel.

— É por isso, senhores, que esse é um investimento mais do que interessante, apesar de arriscado. - encerro meu discurso que já durava quase quarenta minutos, projetando na tela à frente da extensa mesa de reunião imagens e simulações 3d do Ilha Nova Residencial de luxo. Dessa vez, é mais forte do que eu, não consigo impedir que um sorriso se espalhe pelo meu rosto enquanto assisto pelo que deve ser a enésima vez tudo o que minha cabeça uma vez imaginou, quase como se já tivesse se tornado real.

Com as mãos no bolso da calça, deixo que cada imagem invada meus olhos, e elas se misturam as da minha própria imaginação. Alguém com um olhar destreinado, poderia achar esse um investimento descabido, não eu. Investimentos imobiliários arriscados são a minha especialidade. Eu adoro os riscos, mas, mais do que eles, eu adoro provar continuamente que sou capaz de superá-los. E esse…? Esse é um risco imenso, o meu tipo favorito.

Os prédios altíssimos despontam diante de olhares atentos. Janelas largas e brilhantes, sacadas espaçosas e decorações luxuosas piscam na tela enquanto o vídeo sobe e desce, simulando o voo de um drone. Depois de explorar cada possibilidade dos edifícios, é a vez das áreas de lazer. As piscinas de borda infinita com vista para uma pequena praia artificial na parte traseira do condomínio, depois, as quadras de tênis, basquete, vôlei, e, por último, o campo de golfe, antes do slogan da futura campanha de vendas aparecer: “Ilha Nova, uma nova maneira de viver o luxo.”

A tela se apaga e eu me viro para o meu pequeno público, vestindo novamente minha máscara de imparcialidade diante dos ternos e gravatas à minha volta.

— É um investimento arriscado. - A primeira acusação soa firme e direta. Ótimo, eu prefiro assim.

— Se vocês procuram segurança, definitivamente, senhores, eu sou o homem errado para o trabalho, mas se procuram um retorno financeiro astronômico e digno do risco que lhes apresento, podem contar comigo. Esta é uma empresa de empreendimentos imobiliários que atua nos mais diversos campos, porém, convenhamos, não é construindo apartamentos de 60 metros quadrados que os senhores mantiveram e ampliaram suas fortunas. Eles são sim uma parte importante da receita e do capital da GAF, mas não são a maior parte, nem aquela que os mantém ricos.

Risadas soam ao meu redor, e eu apenas balanço a cabeça.

— Nos mantém, meu amigo! Nos mantém! Não se esqueça de se incluir no grupo. - Um dos investidores comenta, mantendo o tom de diversão, que é exterminado pela próxima fala dita à mesa.

— Gustavo, eu entendo o que você quer dizer, mas, ainda assim, você está apresentando um risco de sessenta e cinco porcento como se fosse de três. - Giordano, um antigo investidor de pele enrugada, cabelos brancos, ralos no meio da cabeça, e pele morena, contrapõe e eu sorrio.

— Se você acha que eu estou apresentando esse risco como algo simples, Giordano, é porque não leu o valor estimado de retorno para cada um dos acionistas. Um empreendimento que tivesse apenas três porcento de risco, jamais poderia render tanto. - Giordano franze o cenho com a minha resposta direta e nada floreada.

— Senhores... - Rodrigo intervém. Meu irmão me lança um olhar de advertência que eu ignoro. Definitivamente, é ele o paciente da prole, não eu. Depois de inúmeras reuniões, hoje não é o dia para questionamentos, não quando os riscos vêm sendo estabelecidos e apresentados parcialmente há meses. Hoje é o dia de aprovar ou não o assumir deles. ͞ Se ninguém tiver nada contra, vamos votar? -Questiona, e o silêncio cai sobre a sala, setenta e quatro andares acima da avenida Rio Branco, no centro da cidade do Rio de Janeiro.

Porém, antes que Rodrigo abra a boca, sua voz é calada.

— Na verdade, eu ainda tenho algo a dizer. - É claro que tem, ele sempre tem... Miguel e sua maldita incapacidade de aceitar uma derrota. Todos se voltam para o homem de olhos sínicos e sorriso falso. Miguel é aquele primo que ninguém gosta, mas é obrigado a aturar nas reuniões de família ano após ano, e, para minha infelicidade, sou obrigado a aturá-lo na empresa também. Sempre se opondo, sempre criticando, nunca contribuindo, sempre desejando ser mais do que é.

Uma sala maior, um cargo melhor, clientes mais importantes. Mas nunca, nunca mesmo, buscando conquistar qualquer dessas coisas. Sempre acreditando que apenas seu nome e o charme, que ele jura ter, devam ser suficientes. Eu mal posso tolerá-lo, mas, como sempre, é óbvio que ele se oporia. E, se esse fosse um projeto como qualquer outro, estaria tudo bem, eu ficaria mais do que feliz em vê-lo se envergonhando mais uma vez, no entanto, esse não é só mais um projeto. É o projeto.

A aprovação do Ilha Nova e seu consequente sucesso levariam a GAF a um novo patamar sob a minha direção. Não é apenas dinheiro, é reconhecimento e realização. É aquilo de que eu estou constantemente em busca, ao contrário dele. Volto meu olhar para Rodrigo e encontro seus olhos fixos em mim em um pedido silencioso. Calma, ele quer que eu tenha calma.

Meneio a cabeça, avisando ao meu irmão que não farei promessas.

— Nos ilumine, Miguel... -peço, falhando miseravelmente na missão de não soar irônico. Inclino a cabeça levemente, e passo a língua sobre os lábios. Seus olhos castanho escuros encontram os meus e eu não consigo me impedir de pensar que quem quer que o veja assim, fingindo seriedade, vestindo um terno de milhares de reais e com uma postura enganosamente competente, poderia imaginar a cobra que é. Ele me olha por segundos a fio sem dizer nada, e eu imediatamente entendo do que isso se trata.

Miguel quer o meu lugar, sabe que não terá, e, por isso, vai me infernizar, nada novo sob o horizonte.

— Os ganhos são realmente ótimos, mas esses riscos... - comenta com uma falsa despretensão, balança a cabeça para os lados, estala a língua e solta o corpo na cadeira, fazendo-a girar levemente.

— O quê? São altos demais? Acho que isso já ficou claro para todos Miguel? Você tem algo que seja realmente relevante para dizer? - Questiono, declarando minha incapacidade de ser paciente, e nem preciso olhar para Rodrigo para saber que seus olhos estão fixados em mim.

— Na verdade, não. Meu ponto é que, considerando o tamanho deles, deveríamos analisar melhor antes de tomar uma decisão.

— Esse projeto vem sendo analisado há quase oito meses agora, Miguel. Eu vou ter que discordar de você, não acho que seja necessário mais tempo para pensar. - decreto, esperando, assim, que ele entenda o recado. A brincadeira acabou. Mas um sorriso debochado se abre em seus lábios, fazendo-me franzir o cenho e apertar minhas mãos, ainda nos bolsos de minha calça, em punhos.

— Lamento, Gustavo. Mas isso não vai acontecer, se vocês realmente quiserem votar, podemos fazer isso, mas vou deixar claro desde agora que meu voto será não. - Olho para ele tentando entender que porra esse filho da puta está fazendo. Em meu rosto, a expressão neutra permanece, algo que aprendi há muito tempo, a necessidade de uma cara de poker constante quando se trata de negócios. Não saber disfarçar emoções, no meu ramo de atuação, pode custar milhões, e eu não sou um homem que perde milhões, sou o que ganha.

Balanço a cabeça para cima e para baixo, lentamente.

— Senhores, se vocês puderem nos dar licença, parece que essa reunião perdeu seu propósito. Alice os informará sobre uma nova data.

Dez dos doze membros do conselho se levantam e começam a caminhar para fora da sala de reuniões. Miguel, como esperado, permanece sentado no mesmo lugar, sem fazer questão alguma de disfarçar o sorriso debochado em sua boca. Ele não entende que são justamente atitudes como essa que o manterão eternamente afastado do lugar que ele diz que quer estar. Rodrigo se levanta, cumprimenta alguns dos acionistas, mas, diferente deles, também não sai, provavelmente, preocupado com o que acontecerá se me deixar sozinho com nosso querido primo.

Direciono meu olhar para ele com um “serio?” estampado em meu rosto e ele me devolve um olhar de “sim!” estampado no seu. Sorrio, porque não posso negar, meu irmão me conhece. Sorrio e aceno, dispensando-o, ele me dá um último olhar de aviso e, finalmente, sai da sala, deixando-me sozinho com Miguel. Caminho até a pequena copa e preparo uma xícara de café, o silêncio toma conta da sala e eu seria capaz de apostar minha Lamborghini que Miguel não está mais sorrindo.

Tomo meu tempo, muito mais do que seria necessário para preparar e tomar um café, e quando finalmente dispenso meu olhar na direção do meu primo mimado, suas narinas se alargam a cada expiração e a raiva que sente está por todo o seu rosto. Me aproximo da mesa, levando minha xícara comigo e me sento, não ao seu lado como ele esperava, mas na cabeceira, onde é o meu lugar, para que ele não se esqueça de qual é o dele. Mais um gole de café, e então eu solto meu corpo na cadeira e fixo meus olhos nos seus.

— O que você quer, Miguel? -Ele dobra o lábio inferior em um sinal universal de que não sabe do que estou falando e abana o ar com uma das mãos, dispensando minha pergunta.

— Miguel, diferente de você, eu não tenho tempo a perder. Você tem dez segundos, ou vai perder a pouca vantagem que conseguiu.

— Uma diretoria. - responde quase imediatamente, e eu estalo a língua. Tolo. Um homem que se permite ser intimidado dessa maneira, sequer vale meu tempo.

— Não vai acontecer, Miguel.

— Então o seu precioso projeto também não. Caso você tenha esquecido, precisa da aprovação unânime do conselho, eu faço parte dele, e vou votar não.

— Oh, Miguel... Não. Eu não esqueci. Ou nós não estaríamos aqui, porque, nos meus dias mais tranquilos, você ainda não vale o meu tempo. E eu estou te dizendo, um cargo na diretoria não vai acontecer. Todas as que temos estão sendo muito bem gerenciadas, e eu não vou criar uma nova só para agradar seu ego imenso. Escolha outra coisa. Há um escritório vago no trigésimo nono... Sugiro, sabendo exatamente qual será sua resposta.

— Trigésimo nono? Esse é um prédio de setenta e quatro andares, e você quer dar a mim, um membro do conselho, um escritório no trigésimo nono andar? -questiona, e seu tom de voz deixa claro o quanto considera a sugestão ultrajante.

— Você se esquece, Miguel... -digo, girando a pequena colher dentro da xícara de café quase vazia e vendo o pouco conteúdo dentro dela girar. Meu tom é baixo e calmo: ͞ De que é um membro do conselho porque seu pai assim quis, e não porque mereceu. Se esquece de que... Mesmo não trabalhando aqui há anos, ele mantém um escritório com o nome dele na porta no septuagésimo segundo andar, se esquece, Miguel... De que tudo o que você tem é muito mais do que merece, então me poupe se eu não me solidarizo com a sua necessidade por mais. Você quer mais, Miguel? Então cresça e mereça mais! -Minhas últimas palavras soam exatamente como são, quase como uma ordem e exaustas de ter paciência.

— Eu sou um Fortuna! -quase rosna para mim, fazendo-me sorrir.

— Assim como tantos outros ao redor do mundo, nós não distribuímos cargos na diretoria apenas porque alguém tem o mesmo sobrenome que está pendurado na porta da empresa, Miguel, não seja estúpido! -Ele expira com força e aperta os olhos para mim, controlando a vontade, obviamente, crescente de se lançar contra mim e me socar. O que tem um efeito revigorante em mim, eu mesmo já não quero mais soca-lo para ensiná-lo a ser homem, quero apenas rir de sua infantilidade. Depois de vários minutos em silêncio, ele finalmente volta a falar.

— E se der errado? -Deslizo dois dedos pela minha própria testa, não entendendo aonde ele quer chegar.

— E se o que der errado, Miguel?

— Seu empreendimento. E se der errado. -Gargalho, deixandoo ainda mais irritado.

— Eu não jogo para dar errado, Miguel... Achei que você já tivesse aprendido isso... -Comento, ainda com um sorriso no rosto.

— Mas ainda é um risco de sessenta e cinco porcento...

— Poderiam ser noventa e nove, se eu não soubesse que posso lidar com ele, jamais assumiria...

— Então você não acha que pode dar errado?

— Você está com problemas para entender coisas simples, Miguel? Talvez deva procurar um neurologista...

— Eu só queria me certificar de que você está ciente do que disse, porque, nesse caso, eu já sei o que quero.

— E isso seria...? -Questiono com as sobrancelhas arqueadas, corpo solto na cadeira e um dos braços estendido sobre a mesa.

— Uma diretoria... -bufo, impaciente.

— Vou pedir a Alice para procurar os melhores neurologistas do país e enviar o contato pra você... -respondo, já me levantando.

— Se der errado. Se você não conseguir superar os sessenta e cinco porcento de risco. Eu quero uma diretoria. -responde, e eu finalmente entendo. Sorrio.

— Sabe, Miguel... Você teria nos poupado muito tempo se tivesse dito o que queria desde o começo. -Caminho até ele e estendo minha mão para um aperto. Ele olha para a minha mão, desconfiado, antes de perguntar:

— Simples assim?

— Eu não perco, Miguel. Nunca. E não estou disposto a começar agora, esse acordo e nada terão exatamente o mesmo significado para mim, depois que eu sair por aquela porta, eu nem mesmo vou me lembrar dele...

— Essa sua arrogância ainda vai te derrubar, Gustavo. E eu vou adorar assistir de camarote... -responde sorrindo.

— Talvez, mas, com certeza, esse camarote não estará em nenhum dos escritórios dos diretores dessa empresa, eu já disse e repito... A essa altura, você já deveria me conhecer melhor.

Depois de apertar minha mão, ele se vira e começa a caminhar a passos largos na direção da porta.

— E, Miguel... -chamo, assim que sua mão alcança a maçaneta.

— E se eu descobrir que você fez alguma coisa, qualquer coisa, Miguel, pra sabotar esse projeto, o único escritório que você terá é uma cela em uma prisão para crimes de colarinho branco. E não pense, nem por um fodido segundo, que o fato de sermos primos vai me impedir. Eu posso me esquecer disso ainda mais rápido do que esquecerei esse acordo estúpido. -Miguel me direciona um olhar enraivecido, engole em seco e sai da sala, deixando-me com uma sensação familiar no peito. A de vitória.

****************

A janela pequena rouba minha atenção na mesma medida que as imensas, do chão ao teto, na minha verdadeira casa, o fazem. A rua calma na madrugada, arborizada, e repleta de prédios tão altos, quanto aquele em que estou, faz um sorriso largo se espalhar pelo meu rosto, e eu quase me esqueço de que não estou sozinho, mas o farfalhar de roupas atrai minha atenção. Levo meus olhos até o homem seminu, procurando por suas peças de roupa, espalhadas pelo chão, e vestindo-as, uma a uma.

Deslizo meu olhar pelo corpo de Matheus. Gostoso, incontestavelmente gostoso. Lembro-me que meu primeiro pensamento ao vê-lo, foi se o carpete combinava com as cortinas. Naquela tarde, durante uma reunião de negócios com a empresa de arquitetura em que ele trabalha, depois de ver seus cabelos ruivos, e dei graças a Deus por Rodrigo estar comigo, ou a reunião teria sido perdida.

Algumas noites depois, tive a resposta para a minha pergunta. Sim. O carpete combina com as cortinas. Matheus é ruivo natural e cada pelo do seu corpo tem a mesma tonalidade, até mesmo os do pau, que ele mantém aparados em formato de coração. Depois de vestido, ele caminha em minha direção.

— Mesmo horário na semana que vem? -Pergunta.

— Mesmo horário.

— Na sua casa? -Pede, fazendo um biquinho manhoso e eu sorrio, deslizo dois dedos pelo seu maxilar e puxo seu rosto na direção do meu, antes de colar minha boca à sua. Lambo seus lábios, mordo-os, mas ele quer mais, e enfia a língua em minha boca. É um beijo bom e vazio, exatamente o tipo de beijo que eu gosto, o que me dá certeza de que não é nada além disso, um beijo.

— Ainda não, Matheus. Eu ainda fico por aqui mais algumas semanas, mas acredite em mim, ninguém quer mais voltar pra casa do que eu, então, tão logo quanto for possível... -Paro de falar, foco os olhos na sua boca, antes de sorrir e terminar em uma voz sussurrada: ͞ Eu vou foder seu rabo delicioso com você de quatro, na minha banheira. - Matheus geme e esfrega-se em mim, olho o relógio, duas e quarenta e oito da manhã. A hora do show está muito perto, e eu não vou dividi-lo com ninguém. Dou uma última lambida em sua boca e o afasto sutilmente. Ele entende o recado e, depois de alguns clicks de seu sapato no chão, ouço a porta do apartamento sendo fechada.

O exterior do prédio atrai meus olhos e eu me perco na noite acesa do Rio de janeiro, imaginando o futuro próximo. Não sei quanto tempo se passa até que eu escute o primeiro gemido. Soa baixo, suave, quase manhoso, e, então, o segundo, e o terceiro, e, apesar de um cara ter acabado de sair da minha cama, meu pau começa a endurecer outra vez, como tem sido todas as noites, e, de um jeito fodido, não é por nenhuma dos caras que deixam o apartamento que ele volta à vida.

É por um que eu nunca sequer vi o rosto, mas que geme tão gostoso, que me obriga a me masturbar durante todas as madrugadas depois de ouvi-lo gozar gritando. Na primeira vez, achei que fosse a televisão, mas os gemidos baixos eram naturais demais para se tratar de um filme pornô. Foi perturbador ficar duro minutos depois de ter dispensado minha companhia da noite, mas, quando gozei dando, na minha imaginação, um rosto para o desconhecido, eu soube que aquela porra não poderia ser de mais ninguém, só dele.

Depois, ao me dar conta de que as paredes eram realmente finas, pensei que podia se tratar de vingança, porque se eu o ouço, els certamente me ouve, e os caras com quem costumo passar a noite não são nada silenciosos ou discretos, e eu me orgulho disso. Mas, quando isso aconteceu no dia seguinte, e no outro, e no outro, me dei conta de que não, não era algo premeditado, era natural demais, e, súbito como começava, terminava. Era como se assim que gozasse, ele dormisse, sem nem mesmo se levantar para ir ao banheiro, ou para beber uma água, porque no instante em que os gemidos morriam, todo o som que atravessava a parede fazia o mesmo.

Por trás das minhas pálpebras fechadas, ele é diferente de todos os homens com quem geralmente saio. Sua voz doce, contida e, ao mesmo tempo, ousada, deu forma a um homem loiro, com cabelos médios e bagunçados, de corpo pequeno e volumoso, e um rosto determinado e abusado. Sim, definitivamente, abusado.

Não me permiti avançar muito na minha imaginação de como seria sua personalidade. Achei que seria demais para um amigo de foda imaginária, ele só precisava de um corpo, um rosto e um cu para eu imaginar quente e apertado, mas esse traço, esse traço foi impossível de conter ouvindo a entrega com que ele goza, como estivesse desafiando qualquer um a dizer algo sobre isso.

Ele não é escandaloso, é, apenas, entregue. E, desde aquela primeira noite, três semanas depois de eu me mudar para cá, o som do céu e do inferno, ao mesmo tempo, me atormenta, há quase dois meses. Do céu, porque á a porra do gemido mais gostoso que já ouvi, do inferno, porque é a porra do gemido mais gostoso que eu já ouvi e, embora eu goste de fantasiar que sim, sei que eles não são meus. E, apesar de o filho da puta ser fodidamente silencioso, tenho certeza de que ele tem um parceiro, ou não gemeria como um relógio, todos os dias, às três da manhã. É foda.

****************

*** ERIC VIANA ***

Não, não... por favor, não... Luto com a minha consciência que insiste em ser desperta por “we are the champions” tocando na mesinha de cabeceira.

Não..., não... Eu estava tão perto, eu estava quase gozando! Vem, vamos voltar a dormir, vamos voltar a sonhar! Digo para mim mesmo, em silêncio, tentando, com todas as minhas forças, me agarrar ao sono, que, cada vez mais, me repele. A música para, e eu me viro na cama, aninhando-me com meu travesseiro de corpo, o corredor 2.0, mas, alguns segundos depois, eu grunho irritado, e completamente desperto. Lá se foi o meu orgasmo! Ótimo! Hoje vai ser um daqueles dias, então.

Abro os olhos mau humorado, e o telefone, que continua tocando ao lado da cama, se recusa a se silenciar, quem quer que esteja ligando, quer muito falar comigo, e eu juro por Deus que se for uma ligação de telemarketing, não respondo pela minha grosseria, afinal, não há nada pior do que ter tido meu orgasmo roubado apenas para ouvir uma oferta imperdível de algo que eu não quero comprar. Rolo na cama outra vez e estico o braço, alcançando o aparelho que parece gritar, ao invés de apenas tocar, mas, ao olhar o nome brilhando na tela, todo o meu mau-humor é substituído por ansiedade e animação.

Fico tão empolgado, que deixo o celular cair na minha cara, mas não importa, nem isso vai estragar o que está prestes a acontecer. Esfregando a palma da mão sobre a testa, recuso a ligação, me levanto da cama animada, e corro para o banheiro, porque se eu vou ter essa conversa, preciso já ser um ser humano novamente, afinal, vou me lembrar dela para o resto da vida. Em tempo recorde, escovo os dentes, lavo o rosto, e prendo o cabelo de qualquer jeito, então, finalmente, retorno a ligação.

͞ Seu Felipe! Que bom falar com o senhor! Eu ia mesmo ligar! Desculpe a demora em atender, mas agora eu estou aqui! Como vai o senhor? -Disparo tudo de uma única vez, incapaz de me conter, porque por mais que eu realmente me importe com o bem estar do meu senhorio, quero pular logo a parte dos cumprimentos da conversa, e ir direto para aquela em que digo que já tenho o dinheiro para comprar o apartamento, quer dizer, o valor da entrada, o restante, financiarei para o resto da minha vida, mas quem se importa? Enquanto eu viver, o apartamento será meu.

Nos últimos cinco anos, esse lugar se tornou mais meu, do que qualquer outro em que eu já tenha colocado meus pés, e isso vai muito além da coisa física, é emocional. Eu amo minha família, mas chegou um momento em que eu precisava do meu espaço, da minha liberdade, eu precisava poder viver em meio a minha própria bagunça sem ter minha mãe gritando em meu ouvido para que eu arrumasse. Seis meses depois da minha formatura, com o dinheiro que guardei ao longo do estágio remunerado que fiz, e estabilizada em um emprego, finalmente me mudei.

No início, tudo o que eu tinha era o básico, uma cama, um fogão e uma geladeira. Depois, veio a tv, e o sofá, e cada detalhe espalhado por esse apartamento, pelo meu cantinho. Levei mais de um ano até ter tudo o que queria, mas consegui, e a sensação de conquista me atinge cada vez que eu volto para casa. E em algum momento, a simples ideia de, um dia, precisar ir embora, passou a me entristecer. Então, quando meu senhorio, um velhinho fofo e muito gentil, há três anos atrás, me perguntou se eu não teria interesse em comprar o apartamento, eu praticamente gritei que sim. Mil vezes sim! Eu só não tinha o dinheiro, ainda...

Fizemos um acordo, ele esperaria que eu tivesse por até cinco anos, ou, então, passaria o apartamento adiante, porque nenhum de seus filhos queria se responsabilizar pelo imóvel, seu Felipe sentiase cansado demais para lidar com um aluguel, e não confiava em imobiliárias. Desde então, minha missão de vida, o objetivo de cada trabalho que faço, tem sido juntar o suficiente para dar a entrada no valor de venda da minha casa, e conseguir um bom financiamento para o resto. Ontem, finalmente, esse momento chegou. Respiro com força e nem tento controlar o sorriso imenso que tenho no rosto enquanto seu Felipe responde ao meu cumprimento efusivo.

— Meu filho, eu não estou muito bem...

— O que houve, seu Felipe? Sou incapaz de me conter e interrompo sua fala, preocupado com seu bem estar, porque embora eu realmente tivesse pressa em chegar ao assunto principal, me importo com ele.

— Eric, meu filho, nós precisamos conversar... -seu tom é receoso, e minhas sobrancelhas se franzem. Pelo amor de Deus, seu Felipe! O senhor não vai me dizer que vai morrer, né?! Deus me livre!

— Ééééh... hum... -murmuro, ganhando tempo e procurando o que dizer, realmente preocupada que o homem esteja enrolando para me dar a notícia de quem tem poucos anos de vida: ͞ Claro, seu Felipe! O senhor precisa de alguma coisa?

— Meu filho, é exatamente sobre a venda do apartamento... Meu filho, me desculpe estar fazendo isso por telefone, mas eu não estou me sentindo muito bem, não estou podendo sair de casa... -respiro aliviado. É sobre a venda que ele quer falar. Ufa! Provavelmente, sobre o prazo, ou, talvez, não possa esperar por mais dois anos, graças a Deus, isso não é um problema, não mais.

— Seu Felipe! O que é isso?! Não tem problema nenhum, não! Sua saúde é sua prioridade, oxi! Que desculpas o quê?! Não tenho pelo que desculpar o senhor não. E quanto à venda, eu consegui o dinheiro! Finalmente! Sei que demorou, mas já tenho o suficiente para dar a entrada em um financiamento, quando o senhor estiver se sentindo melhor, nós resolvemos isso. Eu posso mandar os documentos pelos correios, então o senhor leva todo o tempo que precisar pra analisar e, quando estiver melhor, nos reunimos, o que o senhor acha?

— Meu filho... -Começa, mas se interrompe. Ouço sua expiração profunda, que me dá a impressão de que ele não quer dizer suas próximas palavras e um frio estranho se instala na minha barriga: ͞ Meu filho, eu... eu sinto muito... Mas... Mas eu não vou poder vender o apartamento pra você.... -Meus olhos e boca secam instantaneamente ao ouvi-lo. Sento no sofá atrás de mim, precisando de um apoio, ou vou cair.

Pisco, tentando umedecer meus olhos, e falhando. Abro a boca, mas nenhuma palavra sai por ela, tento raciocinar, processar o que foi dito, mas não consigo, simplesmente não consigo. Anos, ele teve anos para desistir, e faz isso logo agora? Agora que tinha deixado de ser sonho, de ser objetivo, e passado a ser conquista?

— Seu Felipe... -Começo, mas não consigo terminar, me interrompo e o silêncio que toma a linha é ensurdecedor. Mordo o lábio quando sinto meus olhos arderem e a decepção de arrastar pelo meu estômago e se instalar no meu coração.

— Eric... -É ele quem fala: ͞ Eu sinto muito... muito mesmo….

— É por causa de dinheiro, Seu Felipe? Te ofereceram mais? Talvez... Talvez eu possa igualar o valor... Eu não tenho agora, mas, com mais tempo, com mais tempo, eu consigo! -Apelo, me recusando abrir mão da minha conquista tão facilmente, não posso fazer muito, mas se tiver algo que eu possa fazer, farei.

— Não, meu rapaz... Não é por causa de dinheiro... Uma empresa está comprando o prédio, o condomínio inteiro e todos os imóveis ao redor, eu não queria vender pra eles, mas eles estão comprando tudo, não faria diferença se só eu não vendesse... -Solto o corpo no encosto do sofá, sendo atingido pela notícia como se uma ventania tivesse me arrastado para quilômetros de onde realmente estou. Não tem solução, simplesmente, não tem.

Junto da frustração e da decepção, uma raiva cresce. Quer dizer, por que aqui? Por que esses prédios? Por que o meu apartamento? Eu não quero sair daqui e, mesmo se quisesse, não vou encontrar um apartamento como esse, com uma localização como essa, pelo preço que eu estava prestes a pagar aqui. Bato a palma da mão sobre o meu rosto, escondendo-o, e lamentando-me mudo, deixando, mais uma vez, que o silêncio perdure na ligação.

— Será que essa empresa vai revender os apartamentos depois de reformar, seu Felipe? -Uma pequena esperança brota e eu me vejo perguntando.

— Não, meu filho. Pelo que eu entendi, eles vão demolir tudo o que comprarem para construir algo muito maior.

— Demolir? -Grito, sem controle do meu próprio tom de voz e, sem conseguir evitar, passeio os olhos ao meu redor, por cada pedacinho do meu apartamento. Demolir, eles vão demolir a minha casa. A primeira lágrima rola, mas eu me recuso a me sentir triste, se eu tiver que sentir alguma coisa agora, que seja raiva. E apenas ela, e atendendo ao meu chamado, ela vem. Cresce, rodopia e gira, deixando-me trêmula, procurando, por um alvo, algo palpável, algo sobre o qual eu possa descontá-la.

— Como eles podem fazer isso, seu Felipe? Como eles podem despejar centenas de famílias e depois, demolir a casa delas? Meu Deus! Isso é tão errado! Tão... Tão... urg! Isso é tão absurdo! - acuso, resmungo, grunho e choro, tudo ao mesmo tempo. - Minha voz começa firme, mas falha, ao pensar em tantos dos meus vizinhos que, assim como eu, não são donos do apartamento em que moram, e que, além de não ganharem nada com a venda em massa do condomínio, precisarão reorganizar suas vidas inteiras.

Deus, isso é horrível! E eu juro que poderia estapear o responsável por isso! Quem teve essa ideia genial? Quem, em sã consciência, poderia achar que essa é uma boa ideia, que tipo de monstro capitalista faz uma coisa dessas e, depois, coloca a cabeça no travesseiro e dorme tranquilamente?

— Eu sinto muito... Eu tentei, mas não há nada que eu, nem qualquer outra pessoa possa fazer. Eles estão decididos de que esse é o lugar perfeito pro empreendimento deles, parece que o presidente da empreiteira até se mudou aí pro prédio, parece que ele queria observar a redondeza antes de dar a palavra final e, depois de algum tempo, o que quer que ele tenha visto aí, deu a ele a certeza de que precisava. Eles estão pagando acima do valor de mercado, por isso, a maioria das pessoas aceitou, e quem não queria aceitar, ficou sem muitas opções.

As palavras do meu senhorio caem como fogo em gasolina. O maldito CEO da empreiteira se mudou para cá? E ainda assim ele pode fazer o que fez? Ele viu as famílias vivendo aqui, os cachorros brincando felizes pelas áreas comuns e, ainda assim, vai ser capaz de arrancar isso de cada inquilino que mora aqui de aluguel? Que tipo de criatura é esse homem? Deus, definitivamente, eu não apenas o estapearia, mas, reuniria todas as minhas paupérrimas habilidades em kung fu, aprendidas nos filmes do Jack Chan, e as descontaria nele.

— Talvez você o tenha conhecido...

— Um CEO capaz de uma coisa dessas, seu Felipe? Provavelmente, é um homem arrogante... E eu me lembraria se eu tivesse conhecido um vizinho novo assim...

— Que estranho..., -diz em um tom curioso e eu quase posso ver seu rosto enrugado franzir o cenho, apenas ouvindo-o: ͞ Porque parece que o primeiro apartamento comprado foi o que fica ao lado do seu, o 605. -E então, minha ficha cai! E aqui estamos nós, de volta ao estágio dois, mas, agora, muito, muito, muito mais intenso! Vizinho fodedor, escandaloso, maldito!

— Seu Felipe, o senhor tem certeza que foi o 605 desse prédio?

— Tenho, meu filho! Foi o que me disseram quando entraram em contato, eu me recusei a vender, mas eles apresentaram as outras muitas outras propostas já assinadas, e falaram que, no seu andar, só faltava o 304, que o 305, inclusive, havia sido o primeiro.

Balanço a cabeça lentamente, não para seu Felipe, mas para mim, aperto meus dentes com força até sentir dor, mas ela não é nada em comparação a raiva que eu estou sentindo, e, junto com ela, há uma certeza, se as santas dos vizinhos curiosos, enraivecidos e excitados não me ajudaram a encontrar esse maldito antes, era em proteção, para que eu soubesse exatamente quem o infeliz é quando o visse pela primeira vez, e, eu tenho certeza, que a santa dos vizinhos injustamente despejados, assim como as outras, também não falhará.

Controlando meu próprio temperamento para não tratar mal o pobre homem que só fez me ajudar até aqui, encerro a ligação educadamente, mas, assim que toco a tecla vermelha para desligar, nem mesmo me dou o trabalho de calçar os chinelos. Como uma flecha, atravesso meu apartamento, passo pela porta, deixando-a aberta, e mal chego à porta do apartamento 305, começo a esmurrá-la.

Eu não sei se o maldito está em casa, estive tão empolgado com a ligação que faria para seu Felipe, que realmente não reparei, como de costume, eu seu horário de saída. Mas, se for necessário, eu passarei o dia e a noite inteiros fazendo plantão aqui, a semana, o mês, não me importo, o maldito homem vai ganhar um rosto e saber o quanto eu o odeio.

Eu fui capaz de perdoá-lo por quase me matar de curiosidade. Fui capaz de perdoá-lo por me manter acordado noites a fio. Fui capaz de perdoá-lo por me fazer morrer de tesão e me deixar tão excitado a ponto de me sentir dolorido. Eu fui capaz de me sentir grato por seus gemidos e grunhidos trazerem o corredor para os meus sonhos, e, por isso, dar um rosto para ele nunca foi realmente uma necessidade, mas, agora, tudo o que sou capaz de sentir por ele, é raiva, muita raiva! Porque, não bastasse arruinar um planejamento que venho fazendo há anos, o maldito ainda foi capaz de me fazer sentir gratidão! Maldito, maldito, maldito!

Continuo esmurrando a porta, e, provavelmente, os outros vizinhos devem estar me olhando agora, mas não desvio meus olhos do prêmio, olho para frente, esperando o momento em que o infeliz, o comedor, o ladrão de sonhos alheios, finalmente ganhará um rosto e, quando ouço o click da porta, meu corpo está trêmulo, meus olhos estão vidrados e minhas narinas se alargam a cada respiração furiosa que dou.

É provável que eu esteja descabelado e, só agora me dou conta de que ainda estou de pijama, mas dane-se! Eu realmente não me importo, tudo o que eu quero é saber o que devo visualizar em meus futuros sonhos de assassinato e tortura, não importa o quão louca eu pareça por estar esmurrando a porta de um vizinho desconhecido, antes das oito da manhã, vestindo pijama minúsculo.

E, então, a porta se abre, e meu coração para de bater. Pisco, com a boca aberta e a mente completamente vazia de palavras. Um homem imenso, em altura e músculos, vestindo uma camisa branca com os primeiros botões abertos, uma calça de tecido obviamente caro, cinza e riscado de xadrez, e calçando mocassins de couro, que deveriam ser proibidos de parecerem tão sexys, me encara com olhos curiosos, roubando meu ar, meu equilíbrio, e noção de espaço.

Ele rouba minhas certezas, meu preparo para lidar com a situação e, até mesmo, parte da minha fúria se esvai ao olhar para aqueles olhos grandes e verdes, para o maxilar quadrado e esculpido, para os pelos loiros da barba espessa e para os cabelos longos apenas no topo da cabeça. Há ainda os lábios, aqueles lábios grossos, rosados, incontestavelmente macios, fazem com que eu me sinta tonto, e, subitamente, duro entre as pernas, porque o rosto dos meus futuros pesadelos não é desconhecido, é exatamente o mesmo rosto que venho encontrando em meu sono há dois meses, é o rosto do vizinho dos meus sonhos, o corredor.

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