Servi-me de um café e ele me passou um pão quente. As meninas me olhavam curiosas e felizes por eu estar de volta. Infelizmente, eu sabia que não era assim, pelo menos, ainda não. Conversamos um pouco e soube que haviam vindo para a cidade com os avós, mas, vendo meu carro na frente de casa, decidiram ficar. Depois de um tempo, me despedi, avisando que precisava ir embora:
- Mas cê não vai ficar, mãe? - Perguntou Miryan.
- Não vou, Mi… - Respondi e olhei para o Mark: - Pelo menos, hoje não. Cês querem vir almoçar comigo?
- Quero não. - Respondeu justamente a Miryan, um tanto desanimada: - Depois, cê me leva no sítio, pai?
Ele confirmou com a cabeça, chateado com a tristeza demonstrada justamente pela caçula, a alma da festa de nossa casa. Entretanto, a surpresa veio logo em seguida, quando a própria Maryeva pediu para vir comigo. Fiquei feliz e surpresa, mas uma conversa dura mudaria para sempre nossa relação de mãe e filha.
PARTE 6 - MARYEVA DÁ UM SHOW!
Despedi-me da caçula com um beijo, abraço e fiz alguma festa para tentar animá-la. No final, ela me deu um tapa com luva de pelica que tive que aceitar caladinha:
- Tá tudo bem, mãe! Daqui a pouco o pai resolve tudo. Ele sempre resolve.
- Ah é, engraçadinha, mas e eu? Eu não ajudo a resolver nada não?
Ela me olhou pensativa por um segundo e sacramentou o óbvio:
- Hã-hã! Você não; ele resolve.
Por fim, deu-me um beijo gostoso e saiu do meu colo, indo ficar do lado do Mark. Fui até ele me despedir e usamos um protocolar “beijinhos no rosto”. Minha vontade era de abraçá-lo e beijá-lo à força, mas a experiência da noite anterior havia me mostrado que seria uma péssima ideia. Saímos, então, eu e minha filhotona para o meu carro e nele, diretamente para a minha quitinete. Quando chegamos, vi que Maryeva sabia ou já desconfiava de alguma coisa, algo que me jogou na cara assim que entramos:
- Por que você está me perguntando se estou com alguém, Mary?
- Porque tá na cara que alguma coisa tá muito errada! O pai tá com cara de enterro, você de velório, só tô precisando saber quem é o coveiro que vai jogar a pá de cal!
- Credo, menina, de onde você tira essas coisas!? - Perguntei, sorrindo, mas com o peito apertado, quase me faltando o ar.
- Óóóó! Posso ser nova, mas não sou boba. Da outra vez, o pai saiu de casa, e, pela sua cara, eu notei que você tinha feito alguma coisa. Agora, saiu a senhora!? E tá com uma cara de culpada pior que antes.
Eu não podia assumir o que havia feito, muito menos minha "paixão" por outro, mas também não podia culpar o pai dela, nem queria mentir. Decidi ser diplomática e mesmo assim me dei mal:
- A gente se desentendeu, Mary. Eu… Eu… - Eu gaguejava sem parar e suspirei fundo antes de continuar: - É só um problema de casal e… e é isso!
Ela balançou negativamente a cabeça e foi mais incisiva ainda:
- É melhor você me contar a verdade, porque se eu descobrir por alguém que você está traindo meu pai, nunca mais olho na tua cara!
- Mary, eu não tenho nada mesmo para te contar que ajude a resolver esse problema. Fica tranquila que eu e seu pai vamos nos acertar. É só uma questão de tempo…
- Tá bom, então. - Falou e foi se sentar no sofá, com a cara emburrada, mexendo no celular.
Não havia assunto. Eu tentei conversar, mas ela sempre me cortava, querendo a verdade. Algum tempo depois, o Mark chegou na quitinete com a Miryan, que entrou correndo e pulou na cama, pegando um brinquedo que havia esquecido:
- Uai, que surpresa boa! Entra para tomar um cafezinho. - Falei.
- Não precisa se preocupar. A Mary me ligou, pedindo para vir buscá-la e…
- A Mary o quê!? - O interrompi e me virei para minha filha: - Que história é essa, filha?
- Vou pra casa! Quer mentir pra mim, minta, tô nem aí! - Falou-me brava, invocada e se virou para o Mark: - Mas o meu pai vai me contar a verdade, senão vou morar com os meus avós.
O Mark depois de encará-la, olhou-me preocupado e eu a ele, ambos claramente sem saber o que fazer, mas ele parecia ter tido uma ideia:
- Bão, bão, bão… Um cafezinho só, Fernanda, para não fazer desfeita.
- Tá vendo!? Até ela o senhor tá chamando diferente! - Maryeva insistiu: - Fernanda, Fernanda… Que é isso!? O senhor nunca chama ela assim, só quando tá bravo!
Ele entrou e lhe deu um afago na cabeça. Servi uma xícara de café para ele, tremendo igual vara verde. Ele se sentou à mesa e eu do outro lado. Mary veio ficar de frente para nós, olhando para um e depois para o outro. Mark decidiu falar:
- Escuta a verdade, então…
- Mark! Por favor… - O interrompi, temerosa com o que fosse falar.
Ele me encarou sério e apenas levantou o indicador, pedindo que eu parasse enquanto falava. Ele voltou a encarar a filha, agora sentada de frente para ele:
- Eu e a sua mãe amamos você e sua irmã mais do que tudo nessa vida, e nada, nem ninguém irá mudar isso, entendeu? - E correndo o olho para mim, por ter deixado a palavra "ninguém", deixando claro ter falado do Rick, insistiu: - Não é, Fernanda!?
Balancei afirmativamente minha cabeça e ela também, no mesmo embalo, mas consegui ver em seus olhos que aquela raiva estava se transformando em medo, no mínimo tristeza por uma verdade que doeria ser aceita por qualquer um, ainda mais por uma pré-adolescente. Ele continuou:
- A gente vai se divorciar, mas vamos continuar cuidando de vocês como sempre fizemos. Não fica preocupada e não tenha medo de nada. Fora uns ajustes em nossa rotina, a vida irá continuar como sempre foi. Nós vamos cuidar de tudo. Isso, eu te prometo.
- Não vamos nos divorciar não! - Falei, dolorida com aquela revelação.
- Por que? O que aconteceu? - Maryeva insistiu.
- Não precisa ter um porquê, amorzinho, só foi bom enquanto durou. Agora, fica calma, vou te ajudar em tudo o que precisar, e não se esqueça de que vou precisar muito do meu pequeno braço direito para dar apoio para a sua irmã. Ela ainda é muito pequena para entender a bagunça do mundo dos adultos. - Ele complementou.
Ela se voltou para mim, mais irada ainda:
- Eu não sei o que você fez dessa vez, mãe, mas eu vou descobrir. Ah, se vou… - Levantou-se e falou para o Mark: - Vamos, pai? Quero sair daqui!
Miryan voltou bem nesse momento e pediu para ficar mais um pouco comigo, com o que Mark concordou. Na saída, corri até ele e implorei para desbloquear o WhatsApp. Ele entendeu que eu precisava saber da nossa filha e concordou. Pouco depois, mandei mensagem para ele, perguntando da Mary e ele disse que ela estava desconfiada, chateada, mas já parecia mais calma. Aquilo me confortou, mas não o suficiente, pois eu precisava pensar em uma forma de contar a verdade o quanto antes.
Rick me ligou de um número desconhecido, querendo saber o que estava acontecendo e expliquei resumidamente, aliás, eu não tinha como falar tudo porque a minha caçula estava por perto. Então, eu disse que lhe mandaria mensagem. Quando tive chance, expliquei tudo e ele foi direto e um tanto afobado:
Rick - “Por que a gente não se assume de vez, então, Nanda?”
Eu - “Cê tá louco!?”
Eu - “Rick, eu tô casada ainda e quero continuar casada com o Mark!”
Eu - “Você seria só um amigo com vantagens, lembra?”
Eu - "Aliás, seria porque também não sei se será mais."
Rick - “Poxa, Nanda… 😒”
Rick - “Por mim, a gente já estaria até morando juntos.”
Eu - “Ah, claro, isso seria ótimo para o meu nome aqui na cidade e o do Mark também, né?”
Eu - “A puta, biscate sem coração que abandona o marido e filhas, e o corno manso, chifrudo, rejeitado.”
Eu - “Ficaria lindo…”
Eu - “Ah, faça-me o favor, né, Rick!”
Rick - “Bom, eu continuo à tua espera.”
Rick - “Aliás, vamos almoçar juntos?”
Rick - “Tem um restaurante, rodízio acho, num posto não muito longe daqui que eu soube no posto de abastecimento que é muito bom.”
Eu - “Não dá!
Eu - “Minha caçula está aqui comigo.”
Trocamos mais algumas mensagens, ele sempre extrapolando no romantismo e nos “eu te amo”, enquanto eu tentava me manter mais isenta. Pouco depois, minha caçula se levanta e vem com o celular nas mãos para me dizer que a irmã havia mandado mensagem avisando que a avó iria fazer um almoço e a estava convidando. Apesar de chateada por não tê-la o dia todo, eu sabia o tanto que ela gostava dos meus sogros e não poderia evitar aquele almoço.
Mandei mensagem para o Mark e disse que a Miryan perguntou se ele a pegaria para almoçar na casa da avó. Ele confirmou e pouco depois, passou para pegá-la também. Até eu me senti tentada em me convidar, mas as circunstâncias não ajudavam. Não queria ser pressionada por ninguém.
Assim que saíram, lembrei-me do Rick e de seu convite: "Por que não?", pensei. Mandei mensagem e ele, quase que de imediato, me retornou combinando tudo. O risco era mínimo para alguém me reconhecer, pois o restaurante, um rodízio de carnes, ficava num posto de abastecimento a mais de trinta quilômetros da minha cidade.
Saímos por volta das onze horas e chegamos no local pouco depois. Estava cheio, mas, como eu imaginava, não havia uma só alma conhecida, o que me tranquilizou bastante. Servimo-nos de alguns acompanhamentos, saladas, e logo a carne começou a chegar. “Mark adora um rodízio, aliás, ele e as meninas…”, pensei e naturalmente não consegui evitar aquele aperto no peito enquanto me lembrava da farra que fazíamos quando estávamos juntos. Comecei a me questionar se eu havia agido correto com ele, pois as consequências estavam sendo pesadas demais para mim. Apesar da dor e das dúvidas, um sorriso das boas lembranças, tomou o meu rosto e o Rick notou:
- Está vendo!? Só precisava sair um pouco, “arejar a mente” como vocês falam, não é? Já está até sorrindo…
- É… Acho que sim. - Concordei e passamos a conversar diversos assuntos, ele sempre tentando falar de nós, eu sempre fugindo disso.
O clima ali, longe dos conhecidos e dos possíveis julgamentos, até me fez relaxar de verdade. Tanto que ele ousou e começou a acariciar minha mão enquanto conversávamos. Acabei deixando-me envolver tanto que até mesmo uns selinhos chegamos a trocar e, com isso, não notei uma pessoinha parada pouco atrás de mim, só o fazendo através do Rick:
- Oi, mocinha, está tudo bem? Podemos te ajudar? - Perguntou para ela e eu a olhei também.
Meu mundo ruiu! Era a Maryeva que estava ali, parada, estática, catatônica, com um olhar que eu nunca havia visto antes. Além disso, parecia respirar com dificuldades e tremia os lábios que, a essa altura, estavam brancos:
- Meu Deus! Mary!? O que você está fazendo aqui?
Naturalmente, ela não me respondeu. Aquele olhar perdido dela rapidamente se transformou em ódio e ela arremessou o prato de comida que trazia nas mãos ao chão, estilhaçando-o e chamando a atenção de todos naquele lugar. O Mark surgiu sei lá de onde e, com os olhos arregalados, surpreso por nos ver, mas ciente do apocalipse que se aproximava, a abraçou, escondendo o rosto dela em seu peito:
- Vem comigo, Mary. - Falou e já foi puxando nossa filha.
Comecei a chorar de soluçar, olhando para eles que se afastavam mais e mais a cada passada, mas sem saber o que fazer. Pouco depois, ouvi aquela voz feminina, mas rouca e potente, gritar com toda a força que havia em seus pulmões:
- SUA PIRANHA! FILHA DE UMA PUUUTAAAAA!
Mark tentava controlá-la, mas não era fácil. Eu me levantei na intenção de ajudá-lo, mas o Rick foi mais rápido e me segurou o braço:
- Nanda, não é uma boa hora. É melhor a gente sair daqui.
Ela não parava e descobri um lado dela que me assustou muito, pois seu vocabulário chulo era vasto e pesadíssimo:
- BISCATE DOS INFERNOS! MERETRIZ!
- Mary, para com isso! – Ouvi Mark dizer, tentando contê-la.
Eu não concordava com o Rick, mas também não discordava, afinal, eu não sabia o que fazer, e assim deixei que ele me puxasse para fora do restaurante. Eu tentava vê-la, mas em duas oportunidades em que os nossos olhos se cruzaram, os meus banhados em lágrimas, os dela molhados pelo veneno do ódio que transbordava de seu coração, decidi não enfrentá-la, não ali, não naquele momento. Ainda consegui ouvir novamente sua voz, mas as novas palavras doeram tanto quanto as primeiras:
- Mulher desgraçada, traiu meu pai! Abandonou a gente por causa de um homem!? Como pode ser tão… tão… MALDITAAAAAA! QUE ARDA NO INFEEEERNOOOOOOO!
Fui praticamente jogada para dentro do carro pelo Rick que deu a partida e saiu ligeiro. Enquanto voltávamos para a cidade, não pude evitar as mais doloridas lágrimas da minha vida. Eu havia perdido o meu marido e agora a minha filha, talvez as duas! Mandei uma mensagem para o Mark, pedindo desculpas e querendo saber dela, mas ele sequer a visualizou. Também pudera, devia estar tentando controlar os nervos da nossa filha que, filha de Nanda e Mark, devia estar dando um show. Ainda assim, pedi, pelo amor de Deus, que me retornasse assim que possível.
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