ETHAN
— Em trinta anos de ensino, eu nunca passei tanta vergonha. Já avisei aos pais de vocês. — Esbraveja o diretor na nossa direção.
Por sorte, consigo tirar o Jimmy dessa confusão. Só de imaginar o que o pai dele é capaz de fazer se recebe uma ligação da direção da escola. A Betty age como se já estivesse acostumada com os sermões do diretor Mitchell. Eu, por outro lado, estou desesperado. Tenho certeza de que a expulsão vem. Não seria a primeira vez, mas não quero, de jeito nenhum, voltar para o Centro de Cura Gay.
Ouvimos mais quinze minutos de discurso moralista. No fim das contas, recebemos apenas um aviso por escrito. Quando saímos da sala, encontramos o Jimmy esperando, ansioso por novidades. Conto tudo sobre a bronca que levamos, e ele parece ficar mais aliviado.
— Betty, mais uma vez, obrigado. — Diz Jimmy, com um sorriso tímido no rosto.
— Não se preocupem. Só não esqueçam: uma mão lava a outra. — Afirma Betty, enquanto segura no ombro dele.
— E as duas lavam o rosto. — Solto a piada, mas ela não surte efeito, porque ninguém ri.
— Fui. — Avisa Betty, seguindo pelo corredor.
— Você está bem? — Pergunto ao Jimmy.
— Sim. Obrigado por não me dedurar e...
— Relaxa. — Interrompo, mas logo deixo um alerta. — A gente precisa redobrar o cuidado, Jimmy.
— Você está certo, mas...
— Mas o quê? — Insisto.
— Nada. — Ele responde, mas o olhar dele diz outra coisa.
— Fala logo, James. — Brinco, usando o nome completo dele.
— Você gostou do beijo da Betty? — Ele pergunta, me arrancando um sorriso.
— Bobo. — Digo, e começo a andar. Jimmy vem atrás de mim, querendo a resposta.
— Ethan, me responde. Ethan. — Jimmy pede.
Que loucura. Nem acredito que beijo uma garota. Tudo bem, não sinto absolutamente nada, mas um beijo é um beijo, certo? Para de viajar, Ethan. Você tem um namorado. E você é gay.
Quando entro em casa, não vejo sinal da minha mãe. Vou direto para o meu quarto e me jogo na cama.
A paz dura pouco. Minha mãe invade o quarto com um sorriso no rosto e diz que hoje é o dia mais feliz da vida dela. Não demora e meu pai entra logo em seguida.
— Filho, o diretor Mitchell ligou. Que história é essa de que você foi pego beijando uma garota? — Ele pergunta, sentando-se ao meu lado na cama.
— Bem...
— Isso é verdade, Ethan? — Pergunta minha mãe, com um sorriso esquisito estampado no rosto. — Você está apaixonado?
— Não, mãe! Meu Deus, o que vocês estão dizendo? — Me levanto da cama com o coração disparado.
JIMMY
Eu não estou com ciúmes. Eu não estou com ciúmes. Tento afastar os sentimentos ruins de dentro de mim, mas a imagem da Betty beijando o Ethan não sai da minha cabeça. Durante o treino, fico responsável por cronometrar o tempo dos meus colegas, mas concentração é a última coisa que tenho agora.
Esse é o motivo perfeito para o treinador Stuart gritar comigo. Ele adora atenção, mesmo que precise berrar com os alunos. Não me leve a mal, o treinador é uma boa pessoa, mas sabe ser babaca quando quer.
Estou acostumado. Prefiro ouvir gritos a apanhar. Além disso, todas as palavras dele são da boca para fora. Sei que o treinador Stuart me enxerga como um filho. Os filhos de verdade dele são ingratos, um bando de cretinos que o abandonaram.
Quem sou eu para julgar? É foda. Ao mesmo tempo que não vejo a hora de fugir desta cidade, sei que o treinador não merecia ter sido deixado para trás pelos filhos.
Queria ter alguém com quem conversar. O Trevor é meu melhor amigo, mas não imagino qual seria a reação dele se descobrisse que sou gay. Ele vai me apoiar ou me repudiar? Tenho medo de descobrir essa resposta.
— E aí, cara? Fazendo bacanal com a Betty e o Ethan? — Pergunta o Travis, completamente sujo de barro.
— Vai se foder. O Ethan que deu uns pegas nela no porão. Eu só estava no lugar errado, na hora errada. — Minto. Essa foi a história que combinei com meus amigos.
— Porra, até o crentezinho tá comendo as garotas do colégio. — Desabafa o Travis, colocando o capacete dentro do armário.
— É, cara. Tem gente que nasceu sem jeito. — Brinco, dando um tapinha na cabeça do Travis.
— Só não revido porque tu tá com a cirurgia. Quer saber... — Ele para de falar e me dá um tapa. — Isso é por não ter me chamado pra te ajudar. Eu sou o teu melhor amigo, seu zé ruela!
— O Travorzinho ficou com medo de me perder? Não fica assim, bebezão. — Digo, porque amo deixar o Trevor sem graça.
— Vai se tratar! — Ele exclama, saindo do vestiário e batendo a porta com força.
Em casa, meu pai não está tão presente, o que significa: sem qualquer tipo de violência. Aproveito o tempo para estudar e focar na minha recuperação. A Sra. Watanabe envia alguns muffins de frutas vermelhas. Se o paraíso existe? Talvez sim. A quietude de casa acalma meu coração. Amo isso.
***
ETH@N:
Já comeu? Tomou banho? Tá tudo certo?
JAMES:
Sim, sim e sim. Estou bem. De onde você tá falando?
ETH@N:
Um milagre. A minha mãe acha que eu estava me pegando com a Betty lol. Eu e a Betty, imagina? Enfim, ela ficou tão feliz que me devolveu o celular.
JAMES:
E isso foi com um beijo, né? Se transar com a Betty, a tua mãe vai te comprar um PS5.
ETH@N:
Idiota! A única coisa que eu quero é me livrar de tudo.
JAMES:
Te entendo. Antes de você, eu tinha planos certos de fugir e deixar tudo pra trás. Agora...
ETH@N:
Agora?
JAMES:
Tempo ao tempo, Ethan. Tempo ao tempo.
***
— Tempo ao tempo. — Digo em voz alta.
— O que tem o tempo? — Meu pai pergunta, e quase tenho um infarto.
— Pai, pai... o que o senhor está fazendo aqui?
— A bruxa velha da minha chefe mandou eu vir pra casa. Disse que eu estava muito bêbado pra ficar no trabalho. — Ele explica e deixa uma grade de cerveja em cima da mesa. — Como tá a cirurgia?
— Tá ótima. — Me levanto do sofá e vou na direção do meu quarto.
— Quer uma garrafa?
— Não, pai. Não posso beber. Tenho dever de casa. — Subo as escadas. — A paz acabou. — penso.
Que droga. Que droga. O jeito é ficar trancado no quarto até amanhã. Acho que vou aproveitar pra assistir ao último jogo do time. Por causa da cirurgia, meus amigos passaram maus bocados para derrotar o time do Colégio Luterano de Wisconsin. Ainda preciso tentar uma bolsa em alguma universidade, e o futebol pode ser meu bilhete dourado para longe dessa cidade maldita.
***
ETHAN
Estranhos. Não tem outra palavra para definir meus pais. Desde que descobrem minha "pegação" com a Betty, os dois agem de forma suspeita. Para começar, mamãe deixa um café da manhã farto antes de sair para o trabalho. Já papai me libera de algumas tarefas da igreja.
Será que consigo convencer a Betty a fingir que é minha namorada? Não. Não rola. Para com isso, Ethan. Você está namorando o Jimmy. Tudo bem que é escondido, mas ainda assim é um namoro sério.
Aproveito a paz que tenho para trabalhar na minha história. Como ainda estou sem meu notebook, uso o computador da escola para continuar as aventuras do Capitão Spectron. Sério, não sabia que roteirizar uma história de super-herói podia ser tão divertido. Só espero que, um dia, o Capitão me salve de toda essa bagunça.
Alguns dias passam e meu relacionamento com o Jimmy cresce. Ele começa a se abrir mais comigo, principalmente sobre o pai. Que homem desprezível. Como alguém que deveria amar o filho é capaz de fazer uma barbaridade daquelas?
Para piorar, a única tia do Jimmy tem medo do Sr. Robinson. Realmente, ele não é nada amável. Fico pensando em maneiras de ajudar meu namorado, mas, por enquanto, a única forma de ser útil é ficar nas sombras.
No intervalo, vou para a arquibancada. A brisa fria bate em mim, então fecho o casaco que estou usando. A maioria das meninas que namoram os jogadores usa os casacos do time. É a forma que elas encontram de mostrar para a escola que fazem parte do seleto grupo de garotas. Infelizmente, isso nunca vai ser uma realidade para nós.
De longe, Jimmy acena para mim. Esse é o primeiro treino dele depois da cirurgia, e as expectativas são altas. Trevor também se aproxima da arquibancada, mas senta algumas fileiras à frente. Ele carrega a bolsa do Jimmy. Não sei se fico feliz ou com ciúmes — apesar de tudo, Jimmy tem um ótimo amigo.
— Vai assistir ao namoradinho? — Pergunta Betty, desanimada, jogando as coisas no chão e sentando ao meu lado.
— Betty, meu Deus, que susto! — Respondo no susto. — Como você chegou aqui? — pergunto, colocando a mão no peito para conferir se meu coração ainda bate.
— Eu vim voando. Esqueceu que sou uma bruxa? — Ela levanta as mãos, imitando uma bruxa voando.
— E sim, estou acompanhando o Jimmy. Esse treino é importante. O treinador Stuart ainda está relutante em colocá-lo no time. — Explico, sem tirar os olhos do campo.
— Entendo. A cirurgia ainda é recente, mas seria interessante ver um pouco de sangue e tripas. — Diz ela num tom sério, mas dá um sorrisinho ao ver minha expressão de espanto. — Tô brincando, Ward. Não tenho vontade de matar vocês dois... ainda.
— Ah, obrigado pelo seu jeito único de dizer que gosta de mim. Eu também gosto de você, Betty. É a única pessoa que não me trata como um estranho. — Abro meu coração, mas ela parece não se importar muito.
— A vontade de te matar voltou um pouquinho. — Ela brinca. — Você fez o dever de álgebra?
— Fiz. — Respondo, pegando minha mochila para passar as anotações. — Minha letra é meio confusa, mas dá pra entender. — Entrego o caderno para a Betty. — Faz o exercício aqui. Depois vamos juntos para a sala.
— Ok. — Ela concorda, colocando os fones de ouvido.
O treino começa e os jogadores correm pelo campo. A equipe titular usa uma camisa laranja, nas cores da bandeira da escola. No inverno, os atletas treinam com um moletom horroroso. Eu recebo um no meu primeiro dia de aula. O time adversário, que são os reservas, veste preto.
Correm de um lado. Correm para o outro. Eu não entendo nada de futebol americano e, por enquanto, a Betty não é uma boa companhia. Como ela consegue copiar o exercício ouvindo uma música tão alta? Jesus.
De repente, Jimmy cai no chão, e minha primeira reação é me levantar. Tento controlar minha boca, mas é mais forte que eu.
— Jimmy! — Grito, chamando a atenção de todos.