Não sei quando comecei a desconfiar, mas alguma coisa ali não estava certa. Josi e Douglas eram íntimos demais, gentis demais um com o outro, pareciam se conhecer mais do que haviam me contado.
Eu não queria fazer papel de louco, ficar desconfiando sem motivos, mas me mantive vigilante. De uma coisa eu tinha certeza: me traindo os dois não estavam. Josi não saia do meu lado e nunca ficava sozinha no mesmo cômodo que Douglas. Quando eu resolvia tirar um cochilo à tarde, ela sempre me acompanhava. Josi e Douglas nunca saíram sozinhos de casa … aquilo tudo deveria ser paranoia da minha cabeça. Mas, eu não conseguia ignorar o ditado: onde há fumaça, também há fogo.
De qualquer forma, foram mais sete meses trancados dentro de casa. Eu e Douglas nos revezávamos para as compras na rua e Josi fazendo a comida, pois era a melhor cozinheira e, principalmente, gostava de cozinhar. Todos ajudavam na arrumação, cada um lavava sua roupa e assim íamos vivendo. Contudo, aquela sensação não me abandonava e por medo do que poderia descobrir, acabei deixando pra lá. E também, como questionar alguém que não dá motivos? Que provas eu tinha para levar aquilo para a frente?
Para contexto geral, preciso falar sobre Douglas. Ele é um daqueles irmãos, por escolha, que a vida nos dá. Daiane, sua ex, era minha vizinha e melhor amiga da minha irmã, um ano mais nova do que eu. Os dois começaram a namorar ainda na adolescência. Como minha família era muito festeira, assim que começou a namorar com Daiane, Douglas passou a frequentar nossa casa. Temos a mesma idade e nossa amizade só se fortaleceu com o passar dos anos. Ele é, com a mais absoluta certeza, o meu melhor amigo. Como nós dois trabalhamos com tecnologia e internet, assunto nunca nos faltou.
Eu achava que Douglas era completamente apaixonado por Daiane, que eles formavam o casal perfeito, mas para a minha estranheza, ele não queria falar sobre os motivos da separação. Daiane, puta comigo, achando que eu estivesse passando a mão na cabeça dele, acabava não respondendo minhas mensagens.
Eu poderia perguntar a minha irmã, mas ela também tinha seus problemas, e eles eram bem mais graves do que um casamento rompido. Desde o início da pandemia, ela lutava contra um câncer de mama. Estava vencendo a batalha, mas eu não queria preocupá-la, desviar sua atenção de um tratamento tão brutal e doloroso.
Com a diminuição das restrições, Josi estava louca para voltar a sair e no primeiro final de semana de reabertura dos bares, nós três não víamos a hora de colocar o pé na rua, curtir um pouco da vida noturna tão agitada da nossa cidade.
Eu estranhei o fato de Douglas não aceitar a escolha óbvia, o barzinho com música ao vivo que sempre frequentamos. Sua desculpa era não querer encontrar com Daiane. Solidários, Josi e eu aceitamos acompanhá-lo para um outro local, tão bom quanto o de costume. Qual não foi a nossa surpresa ao ver, lá pela meia-noite, Daiane entrando no bar com outro homem. Senti Douglas murchar e até perguntei se ele queria sair dali. Josi estava nervosa, irreconhecível. Insisti:
– Porra, cara! Tu não precisa passar por isso. Era isso que não queria me contar? Que tua mulher arrumou outro homem?
Josi tentou interromper, se meter na conversa entre eu e ele, mas eu não deixei. Ela parecia incomodada, e lembrando das minhas suspeitas anteriores, sabendo que quando está de pileque Douglas é um “boca aberta”, pressionei:
– Se tu quiser, eu vou lá falar umas poucas e boas para aquela sem vergonha.
Douglas, nervoso e alterado, confessou:
– A culpa não é dela não, irmão! Eu fui otário, pisei na bola, acabei traindo …
Josi ficou muito nervosa de repente, parecia um barril de pólvora prestes a explodir, tentando desviar minha atenção, dizendo para o Douglas:
– Tu não precisa falar se não quiser. O Clay vai entender …
Douglas explodiu:
– Pro caralho, mulher! Eu não aguento mais segurar isso. Essa situação está me corroendo por dentro. Chega dessa merda, preciso confessar. - Ele me encarou e seus olhos brilhavam. - Foi com a Josi, porra! Foi com ela que eu traí a Daiane.
Aquela confissão me atingiu como uma bala de canhão imaginária, dilacerando meu peito, fazendo um buraco, um rombo gigantesco dentro de mim.
"Como assim? Se a separação deles foi antes da minha relação com Josi, por que nunca me contaram? Será que eles continuam a se relacionar e me trair, mas em que momento isto pode ter acontecido? Eu estava em casa o tempo todo, os dois nunca ficaram sozinhos. Corno do meu melhor amigo? Que filhos da puta!" Pensei e não consegui entender. No fundo, nem me preocupei com os detalhes, em como aquilo teria acontecido, eu só precisava sair dali, me afastar daquele dois.
Me levantei e tudo ao redor estava em câmera lenta. Josi falava, me puxava, parecia estar chorando. Douglas também, mas eu não conseguia ouvir nada … tirei algumas notas do bolso, sem nem contar o valor e joguei sobre a mesa. Saí do bar e apenas entrei no carro, trancando as portas antes da Josi me alcançar e acelerei.
Dirigi sem rumo por alguns minutos e automaticamente parei em frente à minha garagem, mas não acionei o controle para abrir o portão. Saí do carro, entrei em casa, peguei meu notebook e alguns outros equipamentos importantes e saí dali. Sabia que era o primeiro local que iriam me procurar.
Não! Eu não estava sendo covarde e tendo medo de encarar a situação. Meu medo era não conseguir me segurar e acabar espancando os dois. Me conhecendo, eu sabia que na hora da fúria, eu acabava ficando cego. Me afastar era o melhor. Mensagens pipocavam no meu celular e eu apenas o desliguei, adiando todo o drama.
Dirigi por cerca de duas horas até a casa de um tio no interior do estado. Ele era um solteirão convicto e morava sozinho em uma pequena chácara. Sabia que ali poderia colocar a cabeça no lugar e pensar com clareza no que fazer. Acho que o assustei chegando tão de repente e sem avisar. Ela saiu da casa enrolado em um lençol:
– Tá fazendo o que aqui, moleque? Quase quatro horas da manhã. Aconteceu alguma coisa? Estão todos bem?
Ele percebeu o quanto eu estava abatido. Ele se virou para alguém na sala:
– É meu sobrinho, tudo bem. – E voltou a falar comigo. – Espera um minuto, estou acompanhado.
Pela janela, pude ver uma mulher saindo apressada da sala, nua, pegando sua roupa no chão e indo para o banheiro. Tentei brincar:
– Acho que empatei tua foda.
Ele me fez sinal para entrar:
– Que nada. Já tinha acabado.
Alguns minutos depois, já devidamente vestida, a mulher voltou:
– Que família, hein? A nova geração está bem servida.
Juca, meu tio, não sei se brincando, ou falando sério, disse para ela:
– Esse aí não é pro teu bico, cachorra. Se contente com o velho aqui.
A mulher o abraçou e deu um beijo em sua boca:
– Vou deixar vocês conversarem. Me liga depois.
Ela saiu da casa, entrou em seu carro e se foi. Meu tio foi direto:
– Que cara é essa? De duas, uma: ou alguém morreu, ou é galha. Qual foi?
Meu tio foi o cara que me ensinou tudo o que eu sabia sobre mulheres. Eu confiava nele e contei toda a história, com todos os detalhes que me lembrava. Ele pensou por algum tempo, me servindo uma cerveja e depois disse:
– Porra, mas não era essa a galega que fodia com geral? Liberal que fala, né? Aquela que tu disse que queria dar uma chance, mas que tinha medo?
Confirmei e ele voltou a falar:
– Mas se tu disse que dentro da sua casa era impossível, como isso foi acontecer? Tu saiu fora, não deixou eles se explicarem?
Eu respondi:
– Fiquei muito puto, com medo de fazer uma bobagem, de machucar os dois. Achei melhor me afastar …
Ele se sentou ao meu lado:
– Fez bem. Melhor assim. Passe o resto do final de semana aqui comigo, a distância vai te dar uma melhor perspectiva.
Ele me levou até o quarto de hóspedes e me emprestou uma bermuda e uma camiseta. Esgotado mentalmente, acabei dormindo. Não foi um bom sono, pois acordei poucas horas depois, completamente arrasado e sem saber o que fazer. Senti o cheiro de bacon no ar, ouvi o barulho de movimento na cozinha e fui me juntar ao meu tio. Ele me recebeu com um sorriso:
– Conseguiu dormir um pouco?
Me sentei ao seu lado e ele serviu um café, bacon e ovos mexidos:
– Muito pouco, estou só o bagaço.
Meu tio me olhou mais sério:
– Preciso confessar que o Douglas me ligou. Ele me disse que tudo aconteceu antes de vocês ficarem juntos e pediu para eu dizer a você. Ele e sua garota estão preocupados. Acho que você devia conversar com os dois, entender tudo isso e só depois tomar uma decisão definitiva.
Infelizmente, Douglas sabia tudo sobre mim, era lógico que ele adivinhasse o meu esconderijo. Lembrei de Daiane e agora que eu sabia o motivo da separação, poderia conversar com ela e me preparar para encarar os dois, já tendo uma versão da história e me prevenindo em caso de qualquer um deles ocultar a verdade.
Peguei meu telefone, mas percebi que continuava bloqueado por ela. Pedi ao meu tio o aparelho dele emprestado e tornei a ligar. Ela demorou um pouco para atender:
– Alô! Quem é?
Precisei ser rápido:
– Daiane, é o Clay. Por favor, não desligue. Precisamos conversar.
Ela debochou de mim:
– Claro que não vou desligar. Depois daquela cena patética de ontem à noite, estou curiosa.
Ao invés de me estressar, preferi ser inteligente:
– Você tem razão. – Sabendo que Daiane era uma mulher prática, fui direto. – Poderia me contar como se deu sua separação com o Douglas, quando e como foi que você descobriu a traição?
Ela pensou um pouco e disse:
– Eu tenho um compromisso agora, quer vir em casa após o almoço? Esse é o tipo de conversa que deve se ter cara a cara.
Eu concordei:
– Também acho. Eu vou sim, até mais tarde. E obrigado por fazer isso.
Daiane me surpreendeu:
– Não estou fazendo por você, mas sim pela Josi.
Eu não entendi:
– Como assim?
Ela me deixou no suspense:
– Eu preciso ir, estou atrasada. Nos falamos mais tarde e eu conto tudo.
Desliguei e um pouco mais calmo, terminei de tomar meu café da manhã. Meu tio disse:
– Isso é foda, sobrinho. Por qual motivo os dois esconderam uma bobagem dessa de você? Que idiotas, arriscando tudo por tão pouco.
Eu não sabia o que responder:
– Não faço a mínima ideia. Eu também quero entender.
Ele perguntou:
– Vai ligar para eles?
Eu pensei por um instante antes de responder:
– Ainda não. Vou me encontrar com Daiane primeiro, saber o que aconteceu. Tendo a informação, eu controlo a narrativa e se os dois não forem totalmente honestos, a coisa vai ficar feia pro lado deles. Se realmente aconteceu antes de mim, não tem por que ficar criando caso. Eu só não entendo a omissão, o motivo deles esconderem isso.
Meu tio brincou:
– Até porque, a garota era liberal, né? Dava mais que chuchu na parreira antes de ficar contigo. Mais um, menos um …
Eu não conseguia ficar bravo com ele, sabia que era uma provocação:
– Vai tomar no cu seu velho brocha. Tá me tirando?
Ele ria de se acabar:
– Mas nem coloquei ainda … e brocha não, né? Você viu a potranca saindo daqui ontem? Saiu satisfeita. Esse velho ainda dá no coro.
Depois de boas risadas, acabamos conversando mais algum tempo e eu resolvi que era hora de religar o celular. Após dar uma conferida nas mensagens e áudios de Josi e Douglas, em sua maioria pedidos de desculpas e justificativas, achei que era hora de voltar para a minha cidade. Ainda não os respondi.
Esperei mais um pouco, apenas para que o horário de chegada coincidisse com a hora marcada com Daiane, me despedi do meu tio, agradecendo os conselhos e peguei a estrada de volta.
Cheguei bem próximo ao horário combinado, apenas tirando um tempinho para almoçar antes de encontrá-la. Cheguei a sua casa e ela já me esperava, me convidando para entrar e voltando a se mostrar a mesma Daiane amiga de antes. Nos cumprimentamos com beijinhos no rosto e ela me pediu para acompanhá-la até a cozinha. Ansioso, fui direto:
– E então, eu gostaria de ouvir como você descobriu a traição do Douglas. Pode me contar?
Enquanto separava ingredientes para fazer um doce, ela começou a falar:
– Na verdade, foi tudo uma grande coincidência. A mentira é foda, ela sempre encontra um jeito de se revelar.
Eu apenas ouvia, sem interromper. Ela continuou:
– Tudo começou com uma amiga que também foi traída e me pediu ajuda. Quando ela me mostrou a foto que recebeu, do marido com outra mulher, ela nem percebeu o que havia no fundo da imagem.
Eu, achando que entendi, não resisti:
– Tu tá de sacanagem? Me explica essa porra.
Ela explicou:
– No fundo, Douglas estava agarrado com outra mulher também. Ele estava de costas, mas a tatuagem o denunciou. Qual outro idiota você conhece que tem uma âncora com o nome Daiane abaixo tatuada no ombro?
Eu pedi:
– Você ainda tem essa foto? Poderia me mostrar?
Misturando seus ingredientes, ela disse:
– Não! Douglas apagou no dia em que brigamos. Ontem eu entendi o porquê.
Eu que não entendi, ela explicou:
– Eu não sabia que era a Josi. Se soubesse, teria contado a você.
Antes de eu falar alguma coisa, ela concluiu:
– Mas eles têm razão em um ponto: a traição ocorreu antes de vocês começarem a namorar. Mesmo com raiva, eu não posso mentir e te prejudicar. Eu demorei a descobrir. Ainda fiquei com ele mais de um ano, no escuro, tendo sido corna sem saber.
Eu, me levantei e cheguei mais perto dela:
– Mas porque você me bloqueou, não quis falar comigo?
Ela estressou:
– Vai se foder, Clay! Vocês são farinha do mesmo saco, você teria acobertado a safadeza se soubesse. Tu acha que me engana? Eu só soube ontem que era a Josi. Assim que você saiu, ela veio me pedir desculpa, dizer que ele também a enganou dizendo que era solteiro. Ela me contou um pouco do passado dela. Liberal, né?
Eu me mantive quieto, pensando sobre tudo. Ela disse:
– E também, como eu poderia saber? Só fui conhecer a Josi ontem, saber que era ela que estava morando com você. Estávamos sem nos ver desde o início da pandemia. Eu acabei ficando muito tempo concentrada no tratamento da sua irmã e eu não sabia que era com a Josi que você estava morando. Até sabia o nome e tal, sua irmã disse que você estava apaixonado e feliz, mas ainda não conhecia a pessoa.
Daiane não parecia estar brava comigo, pois já sorria e brincava:
– E quando eu soube que você deu abrigo para aquele traidor e nem me procurou para conversar, eu fiquei muito chateada com você. Esperei semanas por um contato seu que nunca chegou. Acabei te bloqueando, puta da vida. Poxa, eu sou sua amiga antes daquele merda e você nem se preocupou comigo.
Fiz a única coisa que eu poderia fazer:
– Me desculpe, você tem razão. Você me perdoa? Fui insensível. Quando Douglas não quis contar o motivo da separação, acabei o apoiando, não querendo me meter, achando que ele precisava desse espaço. Achei que ele falaria quando estivesse pronto.
Curiosa, ela perguntou:
– E então? Vai fazer o quê? A Josi parece ser uma garota legal. Em outras circunstâncias, até poderíamos ser amigas.
Eu fui honesto:
– Sinceramente, não sei. Mesmo que eles não tenham me traído fisicamente, a confiança foi abalada, houve uma quebra …
Preocupada, ela me interrompeu:
– Eu não deveria defender aquele crápula, mas ele precisa muito do emprego. Inclusive, ele me paga pensão por ter me feito deixar o trabalho pra tentar engravidar. Não vai foder o meu lado também, né?
Após boas risadas, ela voltou a falar:
– Eu entendo você, essa omissão não é algo que se possa apenas esquecer e seguir em frente. Eu mesma tentei perdoar o Douglas, mas toda vez que ele me tocava, que chegava perto de mim, eu me sentia mal, doente … como você disse, alguma coisa se quebrou. E mesmo que seja remendada, nunca mais será a mesma.
Eu tinha muito para pensar, decisões a tomar, mas sabendo de tudo, poderia confrontar os dois e entender o motivo da omissão, o porquê de eles decidirem não me contar uma coisa tão importante. Me despedi de Daiane prometendo dar notícias com mais frequência e passar para visitá-la de vez em quando.
Antes de voltar para casa, parei numa praça no centro da cidade e me sentei em um dos bancos, de frente para um jardim oriental e enquanto pensava em tudo, observava as carpas nadando de um lado para o outro, sem preocupações, sem problemas a resolver, apenas vivendo.
Me lembrei de alguns dias antes de Josi e eu decidirmos morar juntos, uma tarde gostosa, de sexo incrível, logo após ela se declarar para mim:
"Segurando seus braços, com ela de quatro na minha frente, estocando fundo naquela buceta, ela me provocava:
– Vai, cachorro … fode essa putinha safada … esfola essa buceta … que delícia, meu tesudo …
Ela me tirava do sério, me deixando louco de tesão. Eu tirava o pau inteiro e voltava a socar forte dentro dela. Ela gemia alto:
– Isso, seu puto … fode vai … mete com força, sem dó … me arrebenta …
Eu estocava cada vez mais rápido, mais forte, batendo meu corpo contra sua bunda, enterrando tudo. Ela não parava de provocar:
– Mais rápido, mais forte … vou gozar … aí, caralho … isso … assim, não para … tô gozando … que delícia … ahhhhh …
Alucinado, querendo rachar aquela safada no meio, sabendo que ela adorava ser fodida de forma selvagem, segurei firme em suas ancas, aproveitando seu orgasmo intenso para gozar também. Tentando enfiar o mais fundo que conseguia, sem tirar ou me movimentar, sentindo as contrações da xoxota e me entregando aquele momento de puro êxtase e satisfação.
Desmontamos na cama, suados, arfando, maravilhados. Foi uma de nossas fodas mais intensas e incríveis. Me lembrei das palavras dela para mim, enquanto namorávamos após o sexo incrível, pedindo para que eu acreditasse nela, que confiasse:
– Eu sei que o meu passado traz preocupações, que é difícil de aceitar que uma mulher seja tão independente e liberada, mas eu também, assim como a maioria, me apaixono, sofro, me desiludo … no fundo, todos querem a mesma coisa, tem o mesmo objetivo, achar alguém para compartilhar a vida. Eu não sou diferente.
Meu medo de entrar numa relação com ela era real. Seu modo de vida, tão diferente e que eu ainda não conseguia compreender, era um grande sinal vermelho para mim. Por outro lado, eu estava realmente apaixonado e querendo me livrar daqueles sentimentos covardes, preconceituosos e dar uma chance a Josi. Cobrei um reforço na promessa que ela tinha feito:
– Eu quero estar com você também, mas preciso que você prometa novamente, que se algo mudar, que se a vida de casal não for para você, eu serei o primeiro a saber.
Josi, me surpreendendo, começou a fazer ofertas malucas:
– Se for para tu ficar tranquilo, eu tiro a senha do celular em casa e também do notebook. Pode até colocar aqueles programas de bisbilhotar a vida online das pessoas, de compartilhar localização … eu não ligo. Eu prometo a você que se algo mudar, a gente se senta e conversa. – Mas ela também me cobrou. – E eu espero o mesmo, tá? Se para você, as coisas estiverem ruins, eu também quero ser a primeira a saber.
É claro que eu não aceitei nenhuma daquelas ideias malucas de controle que ela propôs. Eu queria uma companheira, não uma escrava submissa. Com a promessa feita, em poucos dias estávamos juntos, sob o mesmo teto, vivendo como casados".
Fui tirado dos pensamentos com a notificação de mensagem no celular. Mais uma das dezenas de mensagens de Josi pedindo para conversar. Era hora de voltar pra casa e resolver a vida.
Ainda desconfiado, sem saber o que encontraria em casa, estacionei o carro em uma rua lateral, três casas antes da minha e terminei o percurso a pé, abrindo o portão menor com a chave, sem fazer barulho. Ao me aproximar, parei na varanda, em frente a porta da sala e ouvi a música que tocava, uma versão acústica mais triste de "Take On Me", da banda A-ha:
We’re talking away
(Estamos jogando conversa fora)
I don’t know what
(Eu não sei o que dizer)
I’m to say I’ll say it anyway
(Vou dizer de qualquer maneira)
Today’s another day to find you
(Hoje é mais um dia para te encontrar)
Shying away
(Afastando-se)
I’ll be coming for your love, okay?
(Eu voltarei para pegar o seu amor, ok?)
Take on me (take on me)
(Me dê uma chance)(me dê uma chance)
Take me on (take on me)
(Me aceite) (me dê uma chance)
I’ll be gone
(Eu vou embora)
In a day or two
(Em um dia ou dois)
So needless to say
(Tão desnecessário dizer)
I’m odds and ends
(Eu não valho muito)
But I’ll be stumbling away
(Mas seguirei, mesmo tropeçando)
Slowly learning that life is okay
(Lentamente aprendendo que a vida está bem)
Say after me
(Diga depois de mim)
It’s no better to be safe than sorry
(Não é melhor prevenir do que remediar)
Abri a porta cuidadosamente e entrei, encontrando Josi deitada no sofá, chorando, com o celular na mão, parecendo esperar uma resposta minha às suas dezenas de mensagens. Ao me ver, ela se levantou em um pulo, desligou a música que tocava no celular e começou a falar atropeladamente:
– Meuamormeperdoaeujuroque…
Precisei interrompê-la:
– Calma! Eu tô aqui, vou te dar a chance de se explicar.
Ela praticamente me agarrou, tentando me abraçar desesperadamente. Eu não recusei, mas também não retribuí. Deixei que ela se acalmasse por alguns minutos, antes de desgrudá-la de mim. Pedi que se sentasse, dizendo que eu estava disposto a ouvir suas explicações. Mas antes, perguntei:
– Cadê o Douglas? Ele não está aqui?
Josi estava muito emocionada e nervosa, esfregando uma mão na outra, de cabeça baixa, mas respondeu:
– Não! Eu voltei sozinha do bar ontem à noite, pedi que ele dormisse em outro lugar.
Eu peguei o telefone e liguei para ele:
– Estou em casa e estou esperando você para nós três conversarmos. Não demore. – Desliguei imediatamente.
Fui seco, demonstrando que não estava para brincadeiras. Josi continuava na mesma posição, mas naquele momento, chorando baixinho também. Informei:
– Douglas está vindo, vou tomar um banho antes. Não demoro.
Ela não disse nada, parecia estar com medo de suas palavras desencadearem alguma reação violenta em mim, encolhida no sofá, como se esperasse uma agressão. Chateado, sem acreditar que ela pensasse tão mal de mim, perguntei:
– Você está com medo de mim ou algo do gênero? Acha que eu seria capaz de fazer mal a você, de lhe machucar?
A resposta me quebrou:
– Não! Eu estou com vergonha de ter mentido para você, lamentando minhas atitudes. De uma forma ou de outra, quebrei uma promessa, o único pedido que você me fez. Estou com nojo de mim mesma.
Minha vontade era abraçá-la, dizer que eu reagi de forma desproporcional a toda situação, julgando antes de ouvir e saber toda a verdade, que também passei do ponto, mas eu precisava manter a postura. A omissão pode ser menos grave, do que uma traição, mas ela também tem seu potencial nuclear de acabar com uma relação.
A deixei sozinha na sala e fui tomar um banho, aproveitando a água para aliviar a tensão muscular que eu sentia. Acho que demorei quase vinte minutos ali e ao retornar, Douglas já tinha chegado e os dois me esperavam sentados, o mais longe possível um do outro no sofá em “L” da minha sala, cada um em uma ponta.
Douglas também parecia estar mal, com uma cara de velório. Não enrolei, já partindo direto para a ofensiva sobre ele:
– Primeiro você. Me conta por que traiu sua esposa.
Ele usou as desculpas de sempre, as que todo traidor usa, de ter sido fraco, ter se deixado levar pela situação, influência de amigos ruins, que apenas aconteceu, que não tinha a intenção, mas quando deu por si já tinha acontecido e blá, blá, blá, … pelo menos, no final, manteve toda a sua versão idêntica à que Daiane me contou. Voltei a apertar:
– Sobre o seu encontro com a Josi, eu não quero saber os detalhes, mas porque vocês resolveram não ser honestos comigo, contar que já tinham estado juntos?
Douglas falou primeiro:
– Eu queria contar, mas a Josi estava com medo da sua reação …
Muito brava, Josi o interrompeu:
– Vai se foder, cara! Era eu que queria contar. Tu me implorou para não falar nada, dizendo que isso iria abalar sua relação com ele, que você o conhecia bem demais, que ele ia terminar comigo …
Eu interrompi os dois, mas olhei diretamente para Josi:
– E por que você aceitou isso?
Ela nem pensou duas vezes, falando sem demora, dando credibilidade a sua versão:
– Eu, idiota, burra, me deixando influenciar, acabei acreditando. Douglas disse que tu ia ficar puto, que ia expulsar nós dois daqui, que o que aconteceu foi antes da nossa relação e que não dizia respeito a você. – Ela me olhou nos olhos. – Eu acreditei, ué. Fiquei com medo de perder você, Douglas sempre que tinha a oportunidade me lembrava do que estava em jogo, fui entrando em pânico e me afundando cada vez mais.
Pela falta de reação do Douglas, pois eu o conhecia bem demais, sabia que ele não reagir era um sinal da sua culpa. Resolvi acreditar em Josi e fiz a pergunta mais importante:
– Existe mais alguma coisa que eu precise saber? Tem mais algum coelho nesse mato? Sejam honestos, pois é a única chance de vocês.
Douglas continuou mudo, de cabeça baixa, mas Josi voltou a me olhar nos olhos, antes de responder:
– Isso é tudo, nós nunca mais nos encontramos até o dia em que ele veio pedir sua ajuda. Aquele foi um encontro único, casual, sem maiores consequências. Inclusive, eu me desculpei com a ex-esposa dele ontem, antes de voltar para casa. Ele mentiu para mim também, dizendo que era solteiro.
Antes que eu pudesse falar, Josi voltou a dizer:
– Isso também me deixou muito assustada, pois Douglas usou a ex para me fazer não contar nada. Mas eu não estou dando desculpas, pois sou tão culpada quanto ele. No final, foi uma escolha e eu também a fiz.
Eu me sentei no sofá, estava esgotado. Dormi muito pouco naquela noite e o sono foi de baixa qualidade. Do jeito que Josi falou, a convicção com que explicou tudo, sem nunca tentar fugir de sua própria responsabilidade, passando segurança e respondendo a tudo o que eu perguntava imediatamente, me deram a certeza de que ela estava sendo verdadeira. Aquela era a Josi decidida e honesta que eu amava.
Ela e Douglas se mantiveram quietos enquanto eu pensava. Eu já tinha tomado minha decisão no carro, pesando minha resposta ao dois durante a viagem de volta. Refleti profundamente por cerca de dez minutos, que mais pareceram uma eternidade, dada a tensão no ar. Falei primeiro para Josi:
– Nós vamos conversar depois, a sós, ainda precisamos esclarecer algumas coisas.
Ela concordou em silêncio, respeitando minha decisão. Me virei, então, para o Douglas:
– A sua omissão foi a mais dolorosa, pois o tenho como um irmão. Não acho que podemos continuar todos juntos sob o mesmo teto, vivendo como uma família feliz. Não confio mais em você …
Ele tentou me interromper:
– Eu entendo, e como você disse, nós somos irmãos. Você vai …
Eu não estava a fim de ouvir desculpas, falei alto e de forma grosseira:
– Éramos como irmãos. Você precisa reconquistar a minha confiança. No momento, eu preciso de espaço, colocar as coisas em perspectiva. Não vou abandoná-lo, nem te despedir, mas está na hora de você arrumar um local só seu, recomeçar ou tentar consertar as coisas com sua esposa. Você decide.
Numa surpreendente atitude de ingratidão, Douglas disse:
– Irmãos antes das mulheres, isso é sagrado. Se você escolheu ela, seja feliz. Eu não preciso de esmola. Volto depois para pegar as minhas coisas.
Douglas saiu batendo a porta, nervoso, se achando injustiçado. Começaria ali um capítulo doloroso e triste das nossas vidas, que iria me levar ao limite, testar todas as minhas convicções.
Continua.
Consultoria e revisão: Id@