Contratados: O Prazer - Capítulo I

Um conto erótico de KaMander
Categoria: Gay
Contém 4601 palavras
Data: 19/04/2023 10:46:36
Assuntos: Gay, Homossexual

CAPÍTULO I

*** EDUARDO***

PERNAS DOENDO de tanto andar, pés latejando dentro dos tênis velhos e duros, cabeça explodindo de tanto tomar sol quente, boca seca de sede e corpo mole de exaustão, esse é resumo do meu dia. Com os olhos pesados e a pele colando de suor seco, giro a chave na fechadura. Finalmente, cheguei. Finalmente, em casa. Mas, o que vejo é tão desanimador, ou mais, do que a imagem, que contra a minha vontade, sou obrigado a encarar no espelho pendurado de frente para a porta. Uma imagem que rouba a minha atenção por parecer terrível, eu mesmo.

A pele pálida poderia assustar até mesmo alienígenas moradores de planetas sem sol. Quando foi a última vez que eu fui à praia? Meus cabelos longos e castanho-escuros parecem palha, já que há semanas eu não sei o que é um condicionador, e tenho usado detergente de cozinha para lavá-los. Os círculos quase pretos ao redor dos meus olhos, que foram muito mal disfarçados por um corretivo barato, ainda pela manhã, voltam a dar sinal de vida, depois de horas suando e andando a pé, derretendo minha pele e minha força de espírito.

Com os pés descalçados, tiro a bolsa desgastada do ombro e deixo-a sobre a cadeira ao lado da porta. Balanço a cabeça negativamente e tento afastar meu desgosto comigo mesmo. Não é culpa sua, Edu! Não é culpa sua! Amanhã vai ser melhor do que hoje, e depois vai ser melhor do que amanhã! Você só precisa de fé!

Meu estômago ronca e eu torço os lábios em desgosto, já antecipando o que encontrarei na cozinha. Cinco passos são suficientes para atravessar a distância ínfima entre a porta da casa e a geladeira. Todo o meu glorioso espaço tem apenas um cômodo, que no fim das contas, abriga todos: quarto, sala, cozinha, banheiro e área de serviço. É quase como voltar à infância, quando eu imaginava que uma caixa de papelão era o castelo, só que, agora, eu brinco de imaginar que esse cubículo é o lar dos meus sonhos.

Porquê, da maneira como as coisas andam, por mais esperançoso que eu seja capaz de me manter, ainda assim, a improbabilidade de que um dia eu possa ter esse lar continua a mesma, altíssima. Morar em São Paulo custa uma pequena fortuna, uma que eu não posso pagar. O segredo mais mal guardado da história da humanidade? Eu estou falido! Absoluta e completamente. Nem um real no bolso, nada na conta, debaixo do colchão ou no fundo do guarda-roupas.

Na verdade, nem um desses eu tenho mais, vendi há dois meses e ando guardando meus poucos panos de bunda em caixas de papelão. Mas dívidas? Ah, essas eu tenho! Muitas, muitas dívidas! No cheque especial, em sei lá quantos cartões de crédito, na padaria da esquina e na mercearia do bairro. Ah! E não podemos esquecer do boteco do seu

Luiz, o último recurso dos desesperados.

A cama, feita de dois paletes e alguns colchonetes, me chama. É quase como o canto de uma sereia, mas eu não posso apenas ouvi-lo e me jogar nela, a menos que queira me quebrar inteiro, ou quebrar à cama. Deitar nela requer paciência, tenho que deitar devagar para ter certeza de que vai ficar tudo bem, porque nem dez reais para comprar dois paletes, e substituir esses, eu tenho.

Suspiro derrotado e abro a geladeira. Uma dúzia de ovos, meia caixa de leite, três garrafas de água e duas bananas. É tudo o que há. Curvo a cabeça para o lado, me perguntando o que fazer, mas não é como se eu tivesse muitas opções. Vitamina de banana então, como todos os dias nos últimos quase dois meses. Às vezes consigo comprar outras frutas, mas, no geral, a banana é a mais barata. E, apesar de parecer pouca coisa, a diferença entre a banana e o mamão, que é a segunda fruta mais barata, muitas vezes, é preço da batata.

Enquanto preparo minha última/única refeição do dia, a cama segue com sua cantiga encantada. Mas, um banho, eu preciso de um banho para esquecer esse dia de derrota. Oito horas andando a pé, entregando currículos. Gastei meus últimos centavos para imprimi-los e andei até onde meu corpo aguentou entregando-os em todos os lugares que vi: lojas, restaurantes, lanchonetes, bares, todo e qualquer lugar que pudesse ter uma vaga, e em nenhum, nem mesmo em um único deles, qualquer pessoa me deu esperanças de conseguir alguma coisa.

Despejo a vitamina no copo e assim que o levo à boca, o sabor adocicado da vitamina me faz fechar os olhos. Enjoado, é isso o que é, pelo menos quando se está há mais de um mês tomando a mesma coisa todos os dias. Enquanto engulo o líquido cremoso penso em uma lasanha, sim!

Definitivamente, uma lasanha, quase posso sentir o cheiro do macarrão com camadas de uma carne moída bem

temperada, tudo isso coberto por queijo derretido. Salivo, prolongando na língua o sabor da banana e do leite, e sem que eu nem mesmo me dê conta disso, a primeira lágrima rola.

Nove meses. Nove meses desde o último “Você está demitido”. Três meses. Três meses desde a última parcela de seguro desemprego. E a dez reais. Eu estou a exatos dez reais de passar fome. Jogo a cabeça para traz, encostando-a na geladeira atrás de mim e deixando que mais lágrimas escorram pelo meu rosto.

Quando saí de São Roque, minha cidade, no interior do estado, foi porque a vida que eu via as pessoas levando lá não era a que eu queria para mim. Homens que trabalhavam fora enquanto as mulheres ficavam em casa, cuidando do lar e fazendo comida. Quatro das minhas colegas de turma se formaram no ensino médio em dezembro e se casaram em janeiro. Advinha só? Em Abril elas já estavam grávidas...

A verdade é que eu não fazia ideia do que eu queria ser, mas eu tinha absoluta certeza daquilo que eu não queria. E foi assim que eu fiz dezoito anos num dia e, no outro, estava dentro de um ônibus, com uma mochila nas costas, carregando nela não só roupas, mas mil e um planos de futuro e todo o dinheiro que eu economizei desde o meu aniversário de quinze anos, fosse vendendo doces na escola, cuidando de crianças aos sábados e domingos, ou fazendo toda e qualquer atividade que pudesse me render alguns trocados.

Passei os primeiros dias na casa de uma prima distante que eu nunca tinha visto antes, mas eu logo percebi que o marido dela não estava muito feliz pela minha estadia. Duas semanas depois da minha chegada, ele disse que eu precisava mostrar gratidão pelo que estava fazendo por mim, e aquilo não me soou bem.

No dia seguinte, comecei a procurar um lugar para morar, o que rapidamente me fez descobrir que o dinheiro que eu tinha, que não era muito, mas para mim, era tudo, porque era mais do que minha mãe ganhava com quatro meses de trabalho, na verdade, não era nada. O dinheiro durou dois meses, a maior parte dele foi gasta com o depósito de aluguel. Quando pisei na minha casa de vila pela primeira vez, eu sorria de orelha a orelha, o primeiro dos meus sonhos tinha se realizado, agora só restavam mil. Hoje, quatro anos depois, ainda resta exatamente o mesmo número, isso se eu não contar os que acrescentei desde então, e isso dói, dói demais. Às vezes, mais do que eu acho que posso suportar.

Com uma última expiração profunda, me desencosto da geladeira e, deixando o copo sujo dentro da pia, vou em direção ao banheiro. A miniatura de 1x1m tem um vaso sanitário encardido, uma pia suspensa e uma área para o chuveiro separada do restante do espaço por uma cortina plástica com desenhos de peixinhos. As paredes cobertas por um azulejo marrom escuro deixam tudo ainda mais feio, e o chão frio belisca meus pés, mas meus últimos tapetinhos se resgaram há alguns meses e eu não tive dinheiro para comprar novos.

A primeira peça de roupa a sair é a camiseta preta desbotada que eu vestia. Depois, a calça jeans, me deixando só de cueca, sendo obrigado a lidar com a imagem que, mais uma vez, me encara no espelho. Magro, pálido e cansado. Eu costumava me sentir bonito e, por isso, eu costumava ser bonito. Agora..., agora, há momentos em que eu nem mesmo sei se me sinto algo além de sozinho.

Eu poderia voltar para casa. Mas voltaria para o quê? Para ser pedreiro? Não que isso seja um problema, só não é o que eu quero, nunca foi. Os filhos não deveriam caminhar mais léguas do que os pais caminharam ao longo de suas vidas? Repetir os passos de meu pai sempre foi exatamente do que eu fugi. Por mais que eu o ame, não quero a vida dele para mim. Ou, talvez, eu pudesse voltar para casa para um casamento, não seria exatamente igual à minha mãe, mas também não seria exatamente diferente, não é mesmo?!... Dormir, eu só preciso dormir e amanhã vai ser um dia bem melhor do que hoje.

Passo as mãos sobre os ossos pontudos da minha clavícula, notando que eles estão cada vez mais aparentes, provas incontestáveis de que estou cada vez mais magra. Mas também, o que eu queria? Mal tenho dinheiro para comer, engordar é que eu não iria. Aperto os olhos com força, me desfazendo da cueca de algodão cinza.

O registro do chuveiro é duro e eu faço força para abri-lo, quando a água gelada finalmente cai sobre o meu corpo, tenho o primeiro prazer do dia inteiro, o toque dela em minha pele. Enfio a cabeça embaixo d’água e ela molha meus cabelos, grudando-os em minha testa, ombros e costas, passo as mãos pelos fios, fazendo o melhor que posso para penteá-los com os dedos.

O banho limpa meu corpo e alivia a exaustão dos meus músculos, mas não faz nada pelo meu espírito desanimado, ou pela minha alma dolorida. Fico ali, sentindo o jato de água acertar meu corpo como um chicote gelado por muito mais tempo do que deveria, e muito menos do que gostaria. Mas, sabendo que não posso abusar da água, ou o dono da casa vai reclamar da conta, e que eu não posso dar motivos para isso, afinal, já tenho dois meses de aluguel atrasado, fecho o chuveiro e saio do pequeno espaço me enrolando na toalha, depois de secar o cabelo minimamente com ela. Olho para as caixas de papelão cheias de roupas, mas a vontade de procurar qualquer coisa que seja nelas, sai correndo no mesmo instante em que cogito a ideia. Ansioso pelo fim do dia, me jogo na cama ainda enrolado na toalha e com os cabelos úmidos, mesmo sabendo que quando eu acordar, terei um verdadeiro ninho de passarinhos na cabeça.

Fecho os olhos e me estico enquanto tomo respirações profundas, esperando pela dormência do sono, mas antes que ela possa me alcançar, meu celular toca. Gemo, frustrado, porque ele está na bolsa que deixei sobre a cadeira ao lado da porta. Contrariado, me levanto e vou arrastando os pés até lá.

O nome no visor multiplica meu desânimo por mil. Mãe. Eu adoraria falar com ela, Deus sabe o quanto eu preciso de colo, mas não estou com disposição para fingir hoje. Hoje não. O toque do celular, uma música que eu adoro, mas que diz muito pouco a meu próprio respeito estes dias, Dona de mim, da Iza, vai morrendo à medida que a chamada vai sendo encerrada e direcionada para a caixa postal, mas logo em seguida recomeça, fazendo o aparelho voltar a vibrar na minha mão. Deixo que toque até que, mais uma vez, o som diminui e para, só para recomeçar uma terceira vez.

Dividida entre a exaustão e a preocupação, encaro o aparelho em minhas mãos e decido que se ela ligar uma quarta vez, eu atenderei. A música toca, repete e, por fim, morre. Aguardo ansiosa os segundos seguintes e, para meu desespero, o celular volta a tocar. Respiro fundo e troco o peso dos pés de um para o outro. Com os olhos fechados, toco no ícone verde na tela e levo o aparelho ao ouvido.

− Oi, mãezinha! Tudo bem? -Falo alto e com força, fingindo uma animação que estou longe de ter.

− Ô, meu filho! Que susto! Por que demorou tanto pra atender?

− Eu estava no banho, mãe. -Minto.

− Ah sim! Como estão as coisas por

aí? Você não me ligou nem sábado nem ontem. Passou o fim de semana estudando?

Aperto os olhos, ainda fechados, e levo a mão à ponte do meu nariz, fazendo pressão ali também. Suspiro, tentando não fazer barulho e buscando coragem para não desmoronar, sentindo-me muito perto disso.

− Me desculpe, mamãe. É que eu estou em semana de provas na faculdade, e acabei me desligando do mundo enquanto estudava no fim de semana. Quando me dava conta, já era de madrugada, aí não dava pra te ligar.

Mas eu devia ter mandado uma mensagem pelo menos, me desculpa mesmo. - acrescento mais alguns pontos à minha rede de mentiras, semanalmente tecida para minha mãe durante nossas conversas por telefone, aos sábados de manhã.

Mas a última semana me foi tão terrível, que foi simplesmente impossível ligar e fingir que estava tudo bem. Fingir que eu tenho uma casa que não é uma espelunca. Fingir que eu tenho um emprego com ótimos colegas de trabalho e um chefe muito chato em uma loja de roupas. Fingir que estou no terceiro período da faculdade de nutrição. No sábado pela manhã, eu sentia-me tão sobrecarregado pela minha realidade, que preferi abrir mão do único momento na semana em que não me sinto só ultimamente, o telefonema para minha mãe, a precisar fingir qualquer coisa.

Parado, enrolado na toalha, com os cabelos úmidos caídos até os ombros, os pés descalços, a mente exausta e o corpo esgotado, fazendo um imenso esforço para me manter de pé, de frente para a porta marrom e descascada da minha casa, me pergunto, pela milésima vez, se não seria melhor contar a verdade para ela. Mas a simples ideia de decepcioná-la, de tirar da voz dela o sorriso que ela tem toda vez que conversa comigo sobre a minha vida incrível na cidade, me faz escolher o meu próprio sofrimento ao dela. Mil vezes o meu ao dela, mil vezes.

Escuto tudo o que ela fala, mas não ouço absolutamente nada. Concordo quando percebo que o silêncio se estendeu por tempo demais e, vez ou outra, digo qualquer bobagem para mantê-la satisfeita. Depois de mais ou menos vinte minutos, ela diz que precisa desligar, pois está me ligando da casa dos patrões. Nos despedimos, e quando ela diz que me ama, coloco meu punho na boca, mordendo-o, para impedir que o soluço irrompa por ela, mas quando a chamada finalmente é desligada, me arrasto até a cama e lá eu choro, sozinho, completa e totalmente sozinho.

****************************************************

*** João Pedro***

DO ALTO do mezanino, observo a festa se desenrolando no andar inferior. O hotel fazenda Belanucci foi uma boa escolha, apesar de afastado do centro da cidade, é espaçoso e conseguiu entregar exatamente o que planejamos para o lançamento da ArquiCasa, a mais nova revista de arquitetura e design de interiores do grupo editorial Govêa.

Os vários estilos de móveis espalhados pelo salão cumprem seu papel, dando à festa a identidade perfeita para a ocasião. Debruçado sobre o guarda-corpo, levo meu copo à boca, apreciando o sabor do Macallan 18. Porra, eu não poderia ser pobre! Tem gente que não vive sem café, eu não vivo sem um Whisky que tenha idade para pedir seu próprio whisky.

Apesar disso, esta noite, nem mesmo a minha bebida preferida espanta o tédio. A festa está perfeita, exatamente o que deveria ser, chata.

Incontestavelmente, chata. Enquanto observo tudo se enrolar no andar abaixo de mim, sinto o telefone vibrar no bolso do terno. Ao pegá-lo, um sorriso cresce em meu rosto automaticamente, já não era sem tempo.

− Espero que você tenha trazido um pouco de diversão com você! Porque essa porra tá um saco. -O filho da puta do outro lado da linha gargalha.

− Claro que está! Você sabe que eu sou a alma da festa, sem mim, qualquer uma fica morta. Mas pode relaxar, eu cheguei! - É a resposta que ouço e o sorriso na voz do meu amigo é tão claro quanto as vogais e consoantes que ele pronuncia.

− Se você conseguir animar essa festa, Marcos! Você é muito mais que a alma dela, você pode ser declarado, oficialmente, a porra de um santo! - Uma gargalhada efusiva alcança meus ouvidos e eu preciso afastar o telefone para não ficar surdo.

− Você sabe que foi você quem organizou essa festa, né?

− Porra nenhuma! Foi o setor de eventos, e eles fizeram um excelente trabalho para o público da revista. Mas, definitivamente, eu não faço parte desse grupo.

− Nem eu! Cheguei há cinco minutos e essa música já tá me dando nos nervos!

− Eu estou aqui há horas, meu amigo! Horas!

− Onde você está?

− No mezanino.

− Beleza! Chego aí em vinte minutos.

− E vai fazer o que durante esse tempo, Marcos?

− Cumprimentar as pessoas, porra! Minha mãe me deu educação.

− Vai pra porra, filho da puta! - Digo por último e desligo o telefone.

Com o celular em mãos, e sem nada melhor para fazer, aproveito para conferir minhas mensagens: mãe, trabalho, trabalho, trabalho, mulher, trabalho, trabalho, trabalho, mulher, trabalho, homem, mulher, homem, trabalho... nada importante. Deixo para responder minha mãe quando entrar no avião mais tarde. O próximo aplicativo a ser conferido é o de e-mails, o de trabalho está, como sempre, superlotado, e o pessoal, vazio.

Ninguém me manda um e-mail pessoal. Para o endereço eletrônico, meu cpf não existe. Dos e-mails, passo para o Instagram, passeio por alguns perfis de arquitetos e empresas do ramo que estão presentes na festa, acompanhando por ali a cobertura que estão fazendo do evento em suas páginas. Leio comentários, vejo a repercussão e o número de pessoas acompanhando aa transmissão ao vivo do evento, me perdendo em trabalho, como sempre.

̶ - Quem é vivo sempre aparece! -A voz de Marcos soa alta em meio à música ambiente, chata para um caralho, tocando ao meu redor.

Me viro, encarando meu amigo, o filho da puta é uma vadia! Vestindo um terno azul marinho e camisa branca, o barbado loiro anda na minha direção já com os braços abertos para um abraço que eu recebo e retribuo de bom grado.

− Você sabe que foi você quem acabou de chegar, certo? -pergunto, com as sobrancelhas arqueadas.

̶ - E eu só vim porque, ultimamente, a única maneira de te ver é no seu trabalho. Pelo menos, hoje, ele é uma festa, ainda que chata para um caralho... - Marcos responde, arrastando a frase no final.

Com o abraço desfeito, encaro meu amigo dando-lhe a única resposta possível:

− Tá foda! Desde a aposentadoria do velho, tá foda pra caralho!

− Você sabia que não ia ser fácil... Diz, caminhando na direção de um conjunto de sofás próximo ao guardacorpo do mezanino em que, antes, eu estava apoiado, vendo a festa lá embaixo acontecer. Abrindo o botão do paletó, me sento e apoio meu copo sobre a mesa enquanto Marcos senta-se no sofá de frente para mim.

− Eu não queria que fosse fácil, puto! Mas um pouco mais de tempo não me faria mal. Tem meses que eu não consigo uma porra de uma noite de folga! Fora que, tudo parece tão igual esses dias, o trabalho é exaustivo, mas constante... Constante demais pro meu gosto.

̶ - Tá precisando transar, é? - Ele debocha com uma sobrancelha arqueada, cruzando uma perna sobre a outra enquanto se recosta no sofá.

̶ - Marcos, eu estou sempre precisando transar, mas, ultimamente, eu estou começando a me perguntar se não devia foder minha secretária, afinal, ela passa mais tempo comigo do que qualquer outra pessoa.

̶ - Mas a sua secretária não é uma senhora de idade?

̶ - Eis o problema, meu amigo! Eis o problema! - Deslizo a palma das mãos pela lateral do cabelo e Marcos ri alto do meu comentário, chamando a atenção de algumas pessoas ao nosso redor. Estreito meus olhos para ele, apenas para ser completamente ignorado.

̶ - Sabe, Marcos? Vai chegar o dia em

que vai ser você assumindo a presidência do seu escritório, e quando esse momento chegar, você pode ter certeza, eu vou rir do quão fodido você vai ficar!

̶ - Ah, mas ainda falta muito pra isso acontecer. Ao contrário do seu pai, o meu não quer largar o osso! E eu não vejo nenhum problema nisso! Porque enquanto ele estiver lá, eu sou livre pra...

− Vadiar! - Corto sua fala e é a minha vez de gargalhar, mas ele não discorda.

− Pode rir, eu sei que é inveja! Você só tá com saudade da vida que levava e que eu continuo levando...

− Saudade? Talvez! Inveja, com certeza não. Você sabe que eu me preparei a vida toda pra estar onde estou agora. O cargo de CEO do grupo Govêa sempre foi meu objetivo. Mas eu

realmente estou sentindo falta de ter uma companhia além do trabalho constante...

Recosto minha coluna e estalo o pescoço. Não vou contar para ele, ou ele vai ficar ainda mais fodidamente convencido, mas até de conversas simples como essa, cara a cara, sem que o propósito seja trabalho, eu estou sentindo falta.

̶ - Se o problema é companhia, a solução tem quase o mesmo nome. Acompanhante...

Encaro Marcos com as sobrancelhas arqueadas em um questionamento mudo e ele meio se defende, meio responde à pergunta que eu não fiz:

− O quê? Você precisa de alguém que esteja disponível pra você 24/7, porque vossa excelência está com uma agenda infernal. A única outra solução que eu consigo imaginar pra isso se chama relacionamento, e eu não acho que você esteja interessado...

Olho para ele incrédulo, antes soltar um riso desgostoso:

− Mas é claro que eu não quero a porra de um relacionamento, Marcos! Se eu tô te dizendo que estou sem tempo pra arrumar uma foda, mesmo que eu

quisesse um, o que, definitivamente, não é o caso, como é que você acha que eu conseguiria administrar um

relacionamento? Nem minhas noites são minhas... tô aqui nesse evento chato, e em quatro horas vou estar em um avião rumo à Nova York!

− Então a solução continua válida... acompanhante... posso te indicar uma agência muito boa.

− Tá usando os serviços, Marcos? Questiono, curvando o canto dos lábios e alisando os cabelos para trás.

− Às vezes sim! E a Blaséè oferece um serviço como nenhuma outra agência oferece. Te juro, aquelas mulheres e homens parecem ser treinados pra isso...

− Blaséè? Não sei Marcos, porque uma coisa é fazer disso algo esporádico. Mas a ideia de tornar um hábito, o que, acabaria se tornando... Não gosto muito da ideia...

̶ - Então, talvez, você devesse mesmo comer sua secretária ou o seu faxineiro! - Diz enquanto eu levo um novo copo de Whisky à boca, e preciso fazer um enorme esforço para engolir a bebida sem engasgar depois dessa afirmação. Tossindo, coloco o copo sobre a mesa entre nós e puxo o ar com fora para os meus pulmões enquanto o desgraçado ri frouxamente.

− Mas que porra, Marcos! Dona

Norma tem sessenta anos, caralho!

− Você poderia ter desenvolvido um desejo proibido por mommys... - Ele começa, e eu dirijo a ele um olhar muito mais significativo do que qualquer palavra que eu pudesse dizer. Marcos levanta as mãos e, ainda com um sorriso no rosto, continua a falar:

̶ - Eu quis dizer que você deveria contratar uma secretária ou secretário com esse único propósito...

− E depois ser processado por assédio? Enlouqueceu, Marcos?!

− Deixa claro no processo seletivo o que você quer, ué!

− Ah, claro! Eu já posso imaginar o anúncio de vaga que vou mandar para as agências de emprego que usamos no Govêa: Procura-se secretário para serviço de foda 24/7. Salário e outros benefícios.

Marcos ri com deboche e balança a cabeça negativamente.

− Tudo bem, se você não quer, não quer! Mas é uma boa ideia! Jeito de fazer dar certo, tem! Enfim... Você disse que seu voo sai em quatro horas?

Levo meus olhos até meu pulso esquerdo, conferindo o horário.

− Aproximadamente...

− Ótimo! Isso quer dizer que você tem três horas pra melhorar esse humor.

− Marcos, sem chance de ir à caça em uma festa oferecida pela minha própria empresa. Tudo o que eu não preciso é acabar na cama com algum funcionário que eu não conheça...

̶ - Então, que bom que você encontrou seu grande amigo Marcos, não é? - O encaro com um sorriso de canto de boca e franzo o cenho, curioso. Ele se levanta dos sofás e caminha na direção do guarda-corpo do mezanino. Sem opção, eu o sigo.

− Bom, não! Melhor amigo Marcos! afirma, com uma entonação debochada.

− O que? Vai querer que a gente penteie os cabelos um do outro e pinte as unhas, agora?

Ele me olha com um sorriso enorme.

− Se você não tivesse um voo pra pegar, nós poderíamos fazer algo muito melhor juntos, algo que não inclui você tocando em nenhuma parte de mim, ou eu de você, mas nós dois tocando muitas partes de uma terceira e quarta pessoas... Mas como você está com pressa... Eu vou aproveitar meu tempo muito melhor sem você... Ali, à sua direita, ao lado do bar.

Marcos me diz, apontando com a cabeça e, ao levar meu olhar para a direção apontada, encontro duas pessoas paradas de frente para uma mesa de coquetel. A primeira é loira e alta, tem os cabelos curtos na altura do queixo e usa um vestido vermelho que se agarra às suas curvas, deixando seus quadris pronunciados evidentes e os seios pequenos a mostra em um decote generoso. Bonita, mas eu não sou muito de loiras.

É o segundo quem chama a minha atenção. Um moreno um pouco mais baixa e malhado. Seu corpo não é magro, tem os músculos nos lugares certos e seu terno azul ajustado na bunda. A imagem dele nu, na minha boca, faz meu pau dar sinal de vida.

Subo meu olhar pelo corpo do moreno que não me vê. Além de estarmos distantes, ele está distraído em uma conversa com a amiga. Inclino a cabeça levemente para o lado, fazendo cálculos mentais de quanto tempo eu ainda tenho, mas quando o homem morde o lábio, eu mando os cálculos para a casa do caralho.

− Eu realmente não tenho muito tempo... - Divago em voz alta.

− Então, que bom que eles já estão esperando por nós! - Marcos me diz e, ao virar meu rosto para ele, me deparo com um sorriso de gato da Alice escancarado em sua boca.

− O quê? Como?

− Eu te disse que ia cumprimentar as pessoas quando eu cheguei... - responde, simplesmente, e eu estreito meus olhos para ele, mas não consigo me impedir de sorrir antes de Balbuciar:

− Filho da puta...

− Não, não! Melhor amigo do mundo! Vamos! Agora você só tem duas horas e cinquenta e cinco minutos...

̶ - Marcos, me diz que você tem a porra de..

̶ - Um quarto aqui no hotel? - Ele me corta, tirando do bolso do paletó escuro um cartão magnético.

̶ - Porra, Marcos! Eu te daria um beijo na boca agora, mas não! -Respondo, pegando a chave da mão dele e deslizando para o bolso da calça enquanto fazemos nosso caminho até o primeiro andar da festa.

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Comentários

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Ótima história com dois contos iniciais, será que elas vão se cruzar? Duas pessoas carentes, uma de tudo e outra de carinho e atenção, e agora? - Ansioso.

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Ótimo início e desenvolvimento! Continua logo pfvr!!

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