AINDA DÁ TEMPO PARA AMAR - CAPÍTULO 04: ENCONTROS INESPERADOS

Um conto erótico de Escrevo Amor
Categoria: Homossexual
Contém 2064 palavras
Data: 03/07/2022 18:36:33

Platão ligava o amor ao desejo. Amar outra pessoa, portanto, significava desejar. Ele não está errado. Eu estou desejando muito o Henrique. Porém, eu nunca vivi isso nos meus 48 anos de vida. Eu não sei como responder as carícias e expectativas do Henrique.

Quando penso em amor, as coisas ficam distorcidas dentro de mim. Afinal, o meu pai não amava a minha mãe e tão pouco me amava. Depois que ele descobriu a minha sexualidade passou a me tratar pior que um cachorro.

Acordo de um sonho recorrente, o dia que ele quebrou o meu braço. Às vezes, consigo sentir a dor de quando o osso se partiu. Até hoje tento descobrir de onde o meu pai tirou aquele taco de madeira.

Levanto da cama e faço uma massagem para aliviar a falsa dor. Na cama, o Henrique dorme tranquilamente. Ele usa apenas uma cueca branca e meias do Bob Esponja. Vou para a cozinha e começo a fazer o café.

De repente, a Lúcia aparece na minha frente. Ela segura uma vassoura e uma pá de lixo. A minha única reação é esconder meu corpo com uma panela, pois estou usando só uma cueca.

— Que diabos você está fazendo aqui? — perguntei, cobrindo o meu corpo com uma panela.

— Oxê, limpeza. — mostrando a vassoura e pá.

— Eu sei, mas hoje você estava de folga. — a lembrei.

— Se você olhasse o celular, — coçando a garganta. — veria uma mensagem minha trocando a folga de hoje. A Alessandra vai desfilar na sexta-feira. Eu preciso fazer a maquiagem e cabelo. — explicou Lúcia.

Puta merda. Eu quero passar pela Lúcia, mas tenho medo dela ainda mais. Digamos que estou com uma cueca confortável (para não dizer velha e rasgada atrás). Isso não pode piorar, né?

— Bom dia. — Henrique nos desejou.

— Bom d...

A Lúcia vira para falar com o Henrique e fica boquiaberta. Eu não a culpo, ele é gostoso. Ainda sonolento, o Henrique leva um pouco de tempo para perceber o que está acontecendo. O coitado cobre os peitoral com as mãos.

— AAAH! — Henrique grita de uma maneira bem engraçada.

— Eita, moléstia. Seu Henrique? — questiona Lúcia, que olha para mim assustada. — Pera aí. — fazendo uma careta confusa. — Não pode ser. Vocês dois?

— Sim, sim. — disse.

— Vocês tão namorando?

— Sim. — falou Henrique de uma maneira espontânea.

— Não. — eu disse junto com ele, porém, quase desesperado.

— Eu ainda não entendi. — comentou Lúcia, deixando os objetos em seus lugares. — Vamos fazer assim, vocês dois vão se trocar. Eu passo o café e conversamos.

A vergonha é tanta que não consigo olhar para o Henrique. Colocamos as nossas roupas em silêncio e voltamos para a cozinha, que está com um aroma maravilhoso de café. A Lúcia colocou duas xícaras sobre a mesa. Nos sentamos (ainda em silêncio) e nos servimos. Eu gosto do meu café puro, dessa forma, o efeito da cafeína é mais potente, pelo menos para mim é assim.

De uma maneira engraçada, a Lúcia finge que está atarefada com alguns serviços da casa, mas, vez ou outra, nos fita com seus olhos castanhos e sorri.

— Então, — se aproximando de nós. — temos um novo casal na área? — questiona Lúcia sorrindo.

— Não. — soltei e o Henrique revirou os olhos. — Estamos nos conhecendo.

— Era pra gente tá namorando Dona Lúcia. — Henrique afirmou, mas acabou levando um tapa na orelha de Lúcia.

— Dona Lúcia é o escambau. Tenho idade para ser a sua irmã mais velha. — reclamou a minha amiga.

Um riso foi inevitável. No fim das contas, o Henrique sorriu e entrou na brincadeira. Contei toda a história para a Lúcia, que ficou surpresa com o nosso relacionamento. Nem sei se pode ser chamado de relacionamento, pois a gente só transa.

Passado o choque inicial, a Lúcia nos contou sobre o desfile que a Alessandra iria participar no fim de semana. Animada, ela nos convidou para assistir e, claro, ajudar na produção dela. O Henrique adorou a ideia e deu mil sugestões para a Lúcia.

Eu não entendo nada de moda e fiquei na minha. Desde sempre aprendi a interagir só quando sou solicitado na conversa. Aparentemente, o Henrique conhece bastante sobre o tema e é cara de pau o suficiente para se convidar. Eles ficam trocando figurinhas por minutos. Parece que nem estou na cozinha.

— Gostei desse cabra, viu. — Lúcia disse, dando um tapa em minhas costas.

— Er. — solto.

— Então, como vocês me deram carona naquele dia. Eu posso levar vocês, mas só se quiserem. — propôs Henrique, que sorriu de uma maneira tão genuína.

— Claro. Eu vou adorar. O Chameguinho precisa de um descanso. — concordou Lúcia.

— Eu te pego na sexta-feira, tipo, às 19h? — Henrique pergunta para mim.

— 19h, o quê?

— Para assistirmos ao desfile da Alessandra. Ela é sua afilhada, não é? — ele questiona e aproveita o silêncio para tomar um pouco de café.

— Sim.

— Claro, que o macho vai! — exclama Lúcia. — Ele faz todos os caprichos da minha menina.

— Pior que faço. — digo, rindo e lembrando de algumas situações. — No aniversário de seis anos, a Alessandra queria um aniversário de fadas. Ela me fez colocar uma fantasia ridícula de Peter Pan.

De repente, Lúcia pula na frente de Henrique com o celular em mãos. Ela mostra a minha foto vestido de Peter Pan. Eu queria esganar a Lúcia. Novamente, os dois começaram a conversar, mas o assunto da vez era como eu estava fofo no aniversário da Alessandra. Eu não sei receber elogios, sempre acho que as pessoas estão sendo piedosas ao invés de sinceras.

A minha única reação é dar uma risada sem graça e beber mais café. Segundo o Henrique, o que chama mais atenção é o meu olhar. Já a Lúcia acredita que o meu sorriso é avassalador. Eu só quero que esse constrangimento acabe!

— Eu vou! — dou um grito controlado. — Eu vou. Podemos só mudar de assunto? Pelo amor de Deus. — resmungo.

— Você fica mais lindo assim, sabia? — Henrique fica curvado para alcançar a minha bochecha e aperta.

— Henrique. — o repreendo.

O Henrique saiu depois do café. Ele precisava ajudar os pais em algumas tarefas e aproveitaria para cortar o cabelo. Nem preciso dizer que a Lúcia passou a tarde enchendo o meu saco. Ela acompanhou todos os meus traumas de perto, só que não podia fazer muita coisa a não ser sofrer comigo.

Teve uma época que o meu pai pensou que éramos namorados. Acho que foi a única época em que ele pegou leve a respeito da minha sexualidade. Ela até buscou me ajudar, entretanto, acabou se apaixonando por Ramiro, o seu primeiro e único amor. Infelizmente, ele faleceu antes da Alessandra fazer a adequação de gênero.

Eu passei a cuidar ainda mais das duas. Assumi a responsabilidade de ser pai e melhor amigo. Uma vez que a Lúcia havia me salvado tantas vezes. Como, por exemplo, durante uma das surras que eu levei de papai. Ela correu até um telefone público e chamou a polícia.

— Tô feliz por ti, galego. — ela comentou, enquanto lavava algumas louças na pia.

— É só sexo, Lúcia. O Henrique foi um aluno que sentia atração pelo professor. Ele só está realizando um desejo, depois isso passa. — afirmei, cruzando as pernas e respirando fundo.

— E enquanto não passa, você pode se divertir. Jaime, você ganhou esse direito. Você merece isso. — Lúcia sabia como me atingir de todas as maneiras.

Eu mereço isso. Eu mereço me divertir. Quantas coisas eu não me privei por medo da reação dos meus pais? Acho que isso é uma forma da vida me recompensar por uma trajetória de humilhações e medo. Quantas surras eu levei ou fui proibido de sair de casa? E a época da instituição de cura gay? Realmente, eu sofri demais. Eu tenho o direito de desfrutar o universo LGBTQIA+.

— Vai fazer algo mais tarde? — perguntei da Lúcia. Ela para as coisas e se vira para mim.

— Acho que não.

— Ótimo. Vamos às compras. Aproveitamos para almoçar no Shopping.

— De graça até injeção na testa. — disse Lúcia. — Vá se arrumar que termino aqui em 10 minutos.

Tive uma tarde maravilhosa com a Lúcia. Mandamos mensagem para a Alessandra, que nos encontrou no Shopping. A minha afilhada adorava montar looks diferentes. Expliquei do meu rolo com o Henrique, a reação dela foi parecida com a da mãe. Escolhemos algumas peças para eu usar durante o trabalho e um, exclusivo, para o desfile da Alessandra.

Nem preciso dizer que a semana passou voando. Os seminários tomaram todo o meu tempo, ainda mais quando alguns grupos não quiseram fazer um bom trabalho. O lado ruim de ser professor é essa constante cobrança que fazemos com os alunos. Eles só têm uma missão: estudar. Ser pontual com as entregas é pedir demais?

Na sexta-feira, eu fui no barbeiro para fazer algo legal no rosto. Fato engraçado? Apesar de raspar a cabeça por causa da calvície, a minha barba é cheia e acho um dos pontos fortes do meu rosto. Bem, pelo menos, é o que fala o meu barbeiro, o Adailton. Vou à sua barbearia há 20 anos.

Me arrumo todo e uso as roupas na ordem que a Alessandra ordenou. Comprei um cardigan preto. Achei a peça um pouco diferente, mas ela garantiu que coube perfeitamente. Por baixo, usei uma camisa branca com listras azuis, uma calça jeans e botas pretas.

***

Henrique:

Tô aqui na rua. Pode sair se quiser

Eu:

Ok. Só verificando se tudo está trancado. Já saio.

***

Eu sou muito esquecido. Esse é um dos meus pontos fracos. Por essa razão, eu checo se todas as portas e janelas estão fechadas. Ao sair, encontro Henrique escorado em um carro enorme. Eu não sou muito de automóveis, nunca me interessei. A única informação era o 4x4 na lataria do veículo. Ao me ver, o Henrique deu um sorriso e me abraçou.

— Que roupa é essa? — ele questionou, ainda me abraçando.

— Tô ridículo, né. A culpa é da Alessandra. — revelei, deixando ligado o botão da baixa auto estima.

— Ei, pare com isso. Você está lindo, Jaime. Eu tô muito excitado. — Henrique disse no meu ouvido como se contasse um segredo.

— Idiota. Vamos, as meninas estão aguardando. — avisei, entrando no carro.

Senhor Amado. Que banco confortável. Eu não sou alto, então, pareço uma criança dentro do carro. O perfume do Henrique começa a exalar por todos os lados. É um aroma doce e cítrico. O trajeto até a casa de Lúcia não é longo. Estacionamos ao lado do Chameguinho e a diferença entre os veículos é gritante.

A Alessandra sai de casa carregando umas seis bolsas, entre malas e mochilas. Ainda bem que o carro tem uma carroceria. O Henrique tira a lona de proteção e colocamos todas as malas dentro. A Lúcia estava linda, aproveitei as compras no shopping para presenteá-la com um belo vestido cor de vinho.

Já a minha afilhada é uma bagunça total. Ela está com bobs amarelos nos cabelos e usa um roupão da 'Art Models', a agência que a recrutou no início deste ano. Eles que conseguiram o job na boate para a Alessandra.

Seguimos em silêncio para o local do desfile. A única voz ecoando pelo carro é a da moça do mapa. Ela nos direciona em cada etapa do trajeto. Em uma atitude espontânea, o Henrique coloca a mão na minha coxa, uma atitude que me causa um nervoso.

Levamos uns 15 minutos para chegar. A missão da noite era ajudar com as malas da modelo. Ainda bem que uma moça nos deixou estacionar mais perto para retirar os pertences da Alessandra.

Foi a primeira vez que estive nos bastidores de um desfile. É uma bagunça organizada. Por um minuto, desejei que as minhas turmas fossem daquela maneira. Se bem que eu posso aplicar um pouco disso para os pestinhas. Após ajudar a Alessandra, vamos para os nossos lugares na plateia.

Nunca vi tanta gente bonita por metro quadrado. O Henrique foi na frente abrindo o caminho, entretanto, alguma coisa, ou melhor, alguém o parou. Era um rapaz alto e musculoso. Ele abraçou e deu três beijos no rosto do Henrique.

— Você está acompanhando? — o jovem perguntou me fitando de maneira constrangedora.

— Sim. Esse é o Jaime. Estamos aqui para ver o desfile da afilhada dele. — Henrique nos apresentou. — Jaime, esse é o Luan...

— Prazer, — Luan passou por Henrique e me cumprimentou. — eu sou Luan. Sou ex-namorado do Henrique. Cuidado com ele viu. Eu tive bastante trabalho. — olhando para Henrique, que ficou visivelmente constrangido.

Siga a Casa dos Contos no Instagram!

Este conto recebeu 9 estrelas.
Incentive Escrevo Amor a escrever mais dando estrelas.
Cadastre-se gratuitamente ou faça login para prestigiar e incentivar o autor dando estrelas.

Comentários

Foto de perfil genérica

E eis que chega Luan na história...

Se tornará amigo ou adversário????

0 0