A ÚLTIMA NOITE

Um conto erótico de Cláudio Newgromont
Categoria: Homossexual
Contém 1364 palavras
Data: 30/06/2022 15:41:01
Última revisão: 29/09/2022 12:24:22
Assuntos: Gay, Homossexual

Tenho sessenta anos. Adoro poesia. Amo declamar. Era um sarau pessoano, num botequim alternativo de uma pequena cidade maranhense. Apresentava-se a poética de Álvaro de Campos, o heterônimo gay de Fernando Pessoa. “Eu podia morrer triturado por um motor / Com o sentimento de deliciosa entrega duma mulher possuída” – saía de meus lábios com uma verdade que parecia mesmo ser minha. Eu e minha vontade “De ser a cadela de todos os cães e eles não me bastam”.

Eu me sentia num paraíso, dizendo versos tão íntimos, mas ao mesmo tempo tão ousados. Não via a minha frente senão rostos comuns, tão extasiados em ouvir a poesia de Pessoa quanto eu em mostra-la. Tremores e estremecimentos enquanto ouviam as partes mais fortes dos poemas. Eu declamava e sentia minha ereção levantando a calça, tanto prazer me proporcionava.

Num intervalo das declamações, sentei a uma mesa, na varanda no bar, entregando-me à admiração da lua, que, naquela noite, estava um depravo de tão bonita. Enquanto bebericava meu vinho, olhos perdidos pelo luar, senti alguém se aproximando e pedindo licença. Estava agora em minha frente um senhor de seus 70, quase 80 anos - talvez mais. Embora maltratado pelo tempo e por reveses da vida, era um velho bonito, cheiroso, vestido com elegante simplicidade.

Veio me parabenizar pelos poemas que apresentei; agradeci, mas encaminhei a maior parte dos cumprimentos para quem o produzira. Ele sorriu. Enquanto circulava o gelo no copo de uísque, encarou-me, e falou com a voz cansada, mas nítida e forte: “Vi Álvaro de Campos dizendo seus poemas ao ouvir você declamar. E parecia falar para mim, para meu corpo, para minha rola, que até agora está rígida!”

Eu não deixei de me surpreender com as palavras dele, mais diretas impossível. Embora não me assustassem nem me despertassem qualquer sentimento de pudor. Na verdade, eu adorara ouvi-las, excitava-me constatar que conseguira, com minha voz e interpretação da poesia pessoana de Álvaro, provocar ereção em alguém. E este era o segundo ponto que me surpreendia: não era um jovem, mas um ancião, cuja pica se mantinha rígida (constatei pelo volume proeminente), por um tempo razoavelmente longo. Eu mesmo, cerca de vinte anos mais moço, já não tinha essa disposição por tanto tempo...

Essas coisas eu pensava enquanto olhava para o senhor, que se calara e mantinha o olhar na lua. E foi assim que ele começou a falar, com a mesma ausência de arrodeios. “Sou engenheiro naval. Tenho câncer terminal. Estou aqui pela força da morfina. O muito que vivi e agora esta doença, sala de espera do fim, mais do que me causar medo, me dá a sabedoria de minimizar até praticamente diluir completamente qualquer necessidade de preconceitos, explicações ou pudores. A verdade é que não tenho tempo para circunlóquios”. Caralho, articulava bem as palavras aquele homem! Eu já o queria!

Calou-se por segundos, voltou o rosto inexpressivo para mim e continuou: “Você quer vir até meu apartamento, declamar-me mais Pessoa e Campos?” Como se esperasse há séculos por aquele convite, não titubeei: “Claro que queremos!”. Levantamos e o segui – “É perto, dá para ir a pé!” No meio do caminho, deu-me o braço e assim caminhamos por uns dez minutos, em silêncio, até chegar à porta de um antigo prédio.

Instalado em confortável sofá, tragando mais uma taça de vinho, esperei-o ir ao interior do apartamento, reforçar a morfina (como me falaria depois). Na volta, estendeu-me a mão e me fez levantar, levando-me ao seu quarto. Sentamo-nos sobre a enorme e antiga cama, com espelhos na cabeceira e nos pés – cada um ocupando uma extremidade. Esticou o braço, recolheu um livro de poemas sobre o criado-mudo, e me entregou. Folheei, buscando o poeta que nos unira, e fui lendo, aleatoriamente: “Quantas vezes eu beijo o teu retrato. / Lá onde estás agora (não sei onde é mas é Deus) / Sentes isto, sei que o sentes, e os meus beijos são mais quentes (em gente) / E tu assim é que os queres, meu velho, e agradeces de lá, / Sei-o bem, qualquer coisa mo diz, um agrado no meu espírito, / Uma ereção abstrata e indireta no fundo da minha alma.”

“Uma ereção abstrata e indireta no fundo da minha alma” – repeti, pousando meus olhos sobre o rígido mastro do velho, à minha frente, eu também já sentindo minha vara endurecendo. Ele estava de olhos fechados, cabeça voltada para o alto, passando a língua sensualmente pelos lábios... Murmurou, embora audivelmente: “panax ginseng”. “Oi?!” Minha expressão instintiva, mais que minha voz, demonstrou minha surpresa. Ele explicou: “É uma planta coreana que faz milagres... facilita a circulação do sangue nos corpos cavernosos do pau” – enquanto explicava, abria calmamente o cinto e o botão da calça, fazendo brotar rígido cacete, pulsante no ar. Em segundos, estava totalmente nu; era o corpo de um senhor idoso, evidentemente, mas encheu-me a boca d’água.

“Eu queria ser um bicho representativo de todos os vossos gestos, / Um bicho que cravasse dentes nas amuradas, nas quilhas, / Que comesse mastros, bebesse sangue e alcatrão nos conveses, / Trincasse velas, remos, cordame e poleame, / Serpente do mar feminina e monstruosa cevando-se nos crimes!” – enquanto lia, com a voz manhosa, eu tirava cada peça de roupa e em pouco tempo estava também nu, minha pica pinotando. Deitei-me de bruços, de costas para o velho, e continuei a leitura...

“Ser o meu corpo passivo a mulher-todas-as-mulheres / Que foram violadas, mortas, feridas, rasgadas pelos piratas! / Ser no meu ser subjugado a fêmea que tem de ser deles / E sentir tudo isso – todas estas coisas duma só vez – pela espinha!” Um breve estremecimento do leito e o corpo do meu amante depositava-se sobre o meu, e sua rola procurava meu cu e se enfiava suavemente... “Queria ser Aquela que vos esperasse nos portos, / A vós, odiados amados do seu sangue de pirata nos sonhos! ... Porque ela teria acompanhado vosso crime, e na orgia oceânica / Seu espírito de bruxa dançaria invisível em volta dos gestos / Dos vossos corpos, dos vossos cutelos, das vossas mãos estranguladoras!” Minha voz tremia pelas estocadas do velho em mim, eu pulava versos e versos. Não tinha mais qualquer articulação poética. Só queria saber daquele corpo senil a me violar, a arrancar prazer das minhas entranhas.

“Ahó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó — yy... / Schooner ahó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó-ó — yy......” Era o trecho do poema ou era o grito de gozo dele; seu rosto, num esgar de supremo prazer, parecia uma folha de papel... E ele desabou sobre minhas costas, arfando, a respiração ofegante e ruidosa... Eu sentia todo seu sêmen borbulhando no meu cu, derramando-se pelas coxas.

Quando ele foi se acalmando, voltando ao normal, saindo de cima de mim, pus-me de lado e o ajudei a deitar. Arrumei sua cabeça no travesseiro e cobri seu corpo desnudo. Estava muito cansado, decerto. E, entre fortes respiros, ele foi dizendo: “Dentro de mim há um só vácuo, um deserto, um mar noturno. / E logo que sinto que há um mar noturno dentro de mim, / Sabe dos longes dele, nasce do seu silêncio, / Outra vez, outra vez o vasto grito antiquíssimo.” Enquanto falava de cor os versos de Campos, sua mão buscava minha rola duríssima e a acariciava suavemente. Entre um ou dois versos, calava a voz, aproximava a boca e punha meu pau todo em sua boca, sugando-o e roçando a língua sobre e sob a cabecinha. Em seguida, retirava minha rola com a mão e, enquanto voltava a declamar, continuava a me punhetar.

Até que não consegui mais segurar e explodi em fortes jatos de prazer, que se projetaram sobre o lençol, o colchão, o espelho do leito e quanta superfície mais houvesse por perto. Enquanto as últimas golfadas se despediam de mim, por entre seus dedos, ele ainda declamava: “Dá-me o orgulho moderno de viver numa época onde é tão fácil / Misturarem-se as raças, transporem-se os espaços, ver com facilidade todas as coisas, / E gozar a vida realizando um grande número de sonhos.”

Dois homens gozados e satisfeitos, em meio à poesia mágica de Fernando Pessoa. O velho fechou os olhos e adormeceu. Recolhi minhas vestes, recompus-me e saí na ponta dos pés, para não o acordar, sem saber que nem era mais preciso esse cuidado. O engenheiro naval Álvaro de Campos não acordaria nunca mais.

Siga a Casa dos Contos no Instagram!

Este conto recebeu 15 estrelas.
Incentive ClaudioNewgromont a escrever mais dando estrelas.
Cadastre-se gratuitamente ou faça login para prestigiar e incentivar o autor dando estrelas.

Comentários

Foto de perfil de Tito JC

Perfeito! A POESIA CABE EM TODOS OS ESPAÇOS. Em todos os sentimentos, seja de ódio, de amor, de alegria e de prazer, principalmente, lá está a poesia se insinuando. Parabéns!

Sinto falta de publicar meus simples poemas, mas tento, de vez em quando, fazer textos poéticos. Abraços!

0 0
Foto de perfil genérica

Chorando e aplaudindo você de pé. Suas palavras são mágicas e você as utiliza com maestria. Parabéns e obrigado.

0 0
Foto de perfil genérica

Cláudio, que coisa mais linda tua narrativa. Chorei no final... Você é um tecelão das palavras escritas. Escreva e conte-nos mais...

0 0

Listas em que este conto está presente

Amor de picas
Contos com temática gay.