Rivais

Um conto erótico de DGT
Categoria: Heterossexual
Contém 1330 palavras
Data: 14/07/2021 19:23:00

Por vezes, Edgar acreditava que os jovens haviam complexificado demais o mundo. Quando Vitor, funcionário responsável pelo RH da editora, chegou mais uma vez com reclamações sobre as discussões entre Ulisses e Cecília, o dono da editora lidou com a situação a sua maneira:

— Vocês dois serão responsáveis pela edição da antologia de contos desse segundo semestre. Espero que levem o trabalho a sério, sabem o quanto a editora, nesses tempos, depende cada vez mais da qualidade dos exemplares que vendemos. Esse é o nosso carro-chefe de, pelo menos três bimestres!

A árdua tarefa mais o velho blefe do "façam ou se arrependam" não demoraram para diminuir a tensão entre os dois, ao ponto de cessar as discussões. Foram três meses de calmaria e muito trabalho duro. Ao final de dezembro, Edgar, na frente de toda editora, leu extremamente satisfeito com o trabalho feito pelos dois e sua equipe. De soslaio, percebeu uma leve mudança na rivalidade entre os dois; estava sutil, implícita, disfarçada pela felicidade de ter concluído a obra.

Na sexta-feira, último dia útil antes da folga de Natal e Ano-Novo, Edgar organizou uma festa para comemorar tanto a obra quanto o fim de um ano extremamente difícil, mas gratificante. Mais um ano no mercado selvagem de livros. Geralmente, sua ex-mulher era responsável por esses eventos, transformando-os em grandes reuniões, arrojadas e chiques. Ele, por outro lado, era mais simples; pediu à Suzane, sua secretária, que todos permanecem até 18h para um balanço financeiro corrigido, o qual ainda não estava pronto, mas servia como pretexto. Enquanto isso, gastou consideráveis horas em parte da manhã e do início da tarde comprando bebidas e decorações, encomendando quitutes, convidando alguns dos escritores selecionados, sócios e amigos para a celebração de fim de ano, aprendendo a mexer na potente caixa de som do filho Roberto.

Bem que Edgar queria se lembrar do que aconteceu na festa. Lembrou de virar um shot de alguma mistura completamente perigosa para um homem de sua idade, enquanto ouvia algum funk que, de repente, havia se tornado sua musica favorita. Então, acordou em sua casa, tão somente com a cueca da noite anterior. O celular estourava de mensagens e ligações perdidas. A ressaca o embrulhou o estômago quando viu de quem era boa parte das mensagens. Vítor e um caso urgente. Levantou-se mal-humorado, aceitando o encontro no sábado no escritório, rezando que não fosse algo grave

Em quarenta minutos, o chefe da editora, derrotado pela ressaca, suspirava em frente do responsável do RH. Jogou-se na cadeira acostumado a utilizar nas inúmeras reuniões que tinha na festa. Vitor, ansioso, encarava nervosamente o chef, segurando um tablet e uma expressão mortalmente séria.

— O que aconteceu? — Edgar indagou, torcendo sinceramente que nada de grave tivesse ocorrido em sua festa.

— Ulisses e Cecília. Os seguranças do prédio me mostraram e, bem, achei melhor mostrar para o senhor.

Tomou o aparelho das mãos do funcionário, detendo-se na imagem congeladas dos dois. Torcendo para que não fosse o pior (mas já sabendo exatamente quais medidas tomar), deu play e começou assistir o vídeo. Passava-se na festa da noite anterior, na mesmíssima sala de reuniões agora onde Edgar sentava-se confortavelmente na cadeira, na ponta da longa mesa de vidro.

Os dois folheavam um dos rascunhos impressos da antologia compilada, segurando taças descartáveis vazias.. No último mês, passavam pelo menos uma hora a mais ao fim do expediente para finalizar os detalhes do livro. E, ontem, não havia sido diferente. Conversavam amigavelmente, um de frente para o outro. Ulisses parecia perguntar algo para Cecília que, por sua vez, assentiu com um sorriso animado, embora estivesse visivelmente cansada.

— Não há nada de sério, aqui, Vítor..

— Avance um pouco. Eu vou ficar do lado de fora, para que o senhor veja com calma.

Um tanto contrariado, assistiu a saída do funcionário. Então, tocou brusca e rapidamente na tela, acelerando o desenrolar do vídeo ao máximo. Por no mínimo, 30 a 40 minutos, eles conversavam animadamente, contentes por terminar o trabalho, como se esperassem por alguma coisa. Então, ambos saíram por um breve instante, retornando com um pratinho descartável de salgadinhos, junto com copinhos preenchidos de caipirinha. Quem raios fizera aquilo ele não sabia. Comeram rapidamente, enquanto se aproximavam. Edgar sentia-se assistindo a um filme, a curiosidade deixando-o ansioso pela próxima cena.

Quando finalmente terminaram os pratos (os quais, conforme Edgar notou, não eram suficientes para alimentar nenhum dos dois), o chefe teve a sensação que não veria o momento que Vitor tanto desejava mostrar para o dono da editora. Despediram-se brevemente, ela saiu apressada, deixando sua carteira para trás. Ulisses não percebeu o retorno dela, permanecendo distraindo no celular, conversando com outra pessoa na linha. Ela o aguardou, o observando. Ao final da ligação, mantiveram o olhar firma, os rostos expressando a dúvida acerca do que estava prestes a acontecer, bem como a evidente atração entre os rivais.

O primeiro beijo foi calculado, como se os dois estivessem medindo seus sentimentos. Contudo, estava claro tanto para Edgar quanto para os dois; a rivalidade e todas as suas diferenças sucumbiram, no mínimo — aqui o romantismo de Edgar o fazia acreditar que havia algo mais ali — ao evidente tesão.

Como quem assistia, e não deveria estar, a vida real, Edgar certificou-se que não havia áudio, bem como a filmagem não estava brilhante demais. A intensidade do beijo foi escalonando, a ternura dando espaço para o desejo, Ulisses puxava-a para si pela cintura, certificando-se que dali nenhum dos dois sairia, enquanto Cecília respondia, segurando-o pelas maçãs do rosto.

Pausaram por um breve momento, percebendo que o pragmático profissionalismo debandou-se instantes atrás, quando, excitados, trocaram apalpadas. Os rivais, então, sorriram, descobrindo a cumplicidade carnal. Despiram-se, abandonando qualquer traço de animosidade, utilizando-se da longa da mesa de vidro como palco de sua trégua.

Cecília curvou-se, ignorando o quanto detestava o jeito expansivo e por vezes debochado dele, desejando sentir o corpo dele debruçar sobre o dela, sua pele quente contrastando com o frio do vidro. Ulisses mergulhava-se nela, disposto a remediar por todas discussões bobas as quais não procurou evitar, acariciando-a e experimentando, pela primeira vez, a sensação tão renegada por anos de tocá-la.

O desejo e a necessidade, bem como a velocidade do vídeo, fizeram com que o ato libertino terminasse repentinamente como havia começado. Ao fim, levantaram-se do chão, um tanto trôpegos e sem ar. Recuperavam o fôlego, conscientes do que fizeram enquanto vestiam-se, ainda admirando a visão não profissional um ao outro. Os melhores rivais eram aqueles que despertavam em ambos o melhor, como Edgar costumava dizer. Portanto, pouco importaram-se com as provas deixadas para trás, conscientes do que fizeram. Retornaram a festa, deixando o ocorrido para trás, despedindo-se com um último beijo quente, Cecília apertando firmemente as bochechas de Ulisses, o olhar penetrante dela encontrando o desejo em seu par.

Vitor entrou ao sinal do chefe, preocupado em elencar as ações que teria de tomar.

— Não fará absolutamente nada. Foi algo consensual. — A postura seria de Edgar mostrava o quão decidido estava.

— Mas... — O olhar de Vitor demonstrava o inconformismo com a situação.

— Sim, não foram profissionais. Mas pelo que eu vi, foi totalmente consensual. Você por algum a acaso a qualquer um dos dois se sentiu constrangido ou constrangida pelo colega?

— N-não.

— Então, não temos nada a ver com isso. Afinal, o que o senhor prefere: um ambiente de paz com os dois juntos compartilhando um segredo, ou um ambiente diário de estresse, com os dois se digladiando? Somente envie um email sobre a importância de uma conduta apropriada no ambiente de trabalho, apague esse vídeo e peça para a segurança fazer o mesmo. Se o senhor achar necessário, pergunte diretamente sobre alguma possibilidade de não ter sido consensual.

Orgulhoso e profissional, Vitor saiu derrotado, cumprindo as ordens do chefe, enquanto tentava entender quando encontraria seu rival da mesma maneira, atormentado pela visão Ulisses penetrando-a vigorosamente, ao passo que Cecília se estimulava com o mesmo ritmo. Edgar suspirou profundamente; nada pior nesse mundo do que os empata-fodas.

Siga a Casa dos Contos no Instagram!

Este conto recebeu 0 estrelas.
Incentive DGT a escrever mais dando estrelas.
Cadastre-se gratuitamente ou faça login para prestigiar e incentivar o autor dando estrelas.

Comentários

Este comentário não está disponível