Borboletas sempre voltam II Capítulo 12

Um conto erótico de Arthur Miguel
Categoria: Gay
Contém 5120 palavras
Data: 08/06/2021 21:05:28
Assuntos: Amor, Gay, Mistério, Sexo, Tesão

Capítulo 12

Isabel untava a forma de bolos enquanto ouvia Bruno narrar sobre a sua desconfiança a respeito da suposta infedelidade de Jonas.

Devido o calor sufocante, ela prendeu os cachos num coque.

_ Eu acho que você está viajando, Buba._ Isabel disse, limpando as mãos no avental.

_ A mensagem era muito suspeita. E sem contar que ambos passam a maior parte do tempo juntos. E, assim como o Jonas, Rafa não está comparecendo no sexo.

_ O Rafa é hétero! Ele jamais vai sentir alguma atração sexual pelo Jonas. A Cinthia me disse que eles são amigos há anos. Desde que eram crianças.

"Eles são cunhados e sócios, por isso é normal que passem a maior parte do tempo juntos."

_ Eu sei disso! Mas, estou sendo consumido pela dúvida. Como o Daniel disse, o detetive pode me esclarecer se há algo de errado ou não.

_ Esse tal de Daniel está colocando caraminholas na sua cabeça._ ela afirmava apontando a colher de pau para Bruno._ Já pensou se o Jonas descobre que você colocou um detetive na cola dele? Vai ficar puto e com razão. Eu acho que você deveria sossegar o facho. O Jonas já não disse que vai tirar umas férias para vocês viajarem? Então, cara, relaxe!

_ Na verdade... bom... Ah, vou dizer! Eu tenho medo do Jonas fazer comigo o que fez com o Matheus. Pronto, falei!

_ Bruno, era outro contexto. Jonas sempre te amou. Como você sumiu por anos, ele decidiu namorar o Matheus. Aí você voltou e ele se viu dividido. Agora, vocês estão juntos e casados. E você está com ciúmes de um cara hétero?! Tenha dó, né!

_ Você acha que estou sendo muito neurótico?

_ Pra caralho!

_ Você tem razão. Eu vou relaxar. Eu não vou procurar detetive nenhum.

Isabel despejou a massa de bolo na forma e a pôs no forno.

_ É a primeira vez que faço bolo de coco. Reze para que fique bom.

_ Você não gosta de bolo de coco! O que houve, mulher? Passou por baixo do arco-íris?

_ Não é para mim. É para o Patrick. Eu quero agradá-lo, coitado.

_ Como ele está?

_ Tentando superar. Mas, está muito triste. Isso tudo é tão absurdo! Eu não consigo me conformar que alguém pode ser tão monstruoso para acabar com a vida de uma pessoa, só porque se incomoda com ela faz na cama, o que não é conta de ninguém.

_ O mais triste é que é algo que todos nós estamos sujeitos a passar.

_ Nem me fale. A situação não está boa pra ele. O casal está com problemas financeiros e foram morar na casa da sua tia.

_ Eu estou sabendo disso. Sabe, eu não conheço esse Patrick. Só de vista mesmo e de tanto que Matheus o xingava por ciúmes do Jonas. Mas, eu tenho muita pena desse cara. Eu conheço o Matheus infelizmente. Sei que é um moleque mimado e imbecil. Ele não está acostumado a segurar o rojão da vida. Garanto que vai acabar abandonando o Patrick.

_ Eu duvido muito disso. Matheus mudou muito. Ele trata o Patrick muito bem. É muito atencioso, carinhoso e protetor. Acho que aqueles dois vão envelhecer juntos.

_ Deus te ouça.

Naquela ensolarada manhã de domingo, Jonas tirou uma folga para jogar futebol com os amigos.

Após a pelada, chegou em casa suado, retirando a blusa e as chuteiras. Dani estava sentada no sofá da sala lendo o livro Todo dia, de David Levithan. Sua atenção foi roubada pela visão de Jonas.

Desejou ser os pingos de suor que percorriam a sua pele alva. Os cabelos molhados davam um charme a mais. O jovem não pode deixar de observar o volume por cima do short branco.

Sentiu o seu corpo reagir áquela visão. Um calor o dominou e o seu pênis mediano dava sinal de vida.

Lançou sobre Jonas um olhar provocativo e um sorriso sexy, mordendo a ponta dos lábios.

Jonas tentou desviar o olhar e o sorriso de Dani ficou ainda mais atrevido.

No entanto, o mesmo sorriso foi desfeito quando se deu conta que Rose o observava com um olhar desconfiado da soleira da porta.

_ Minha querida sogrinha!_ Jonas exclamou dando um beijo no rosto da mulher.

Bruno entrou na sala vestindo um short de moletom cinza e uma blusa preta de estampa dos Simpsons.

_ Amor da minha vida!

Jonas o puxou e o beijou desejoso.

Dani os observava de um jeito inexpressivo que escondia a sua raiva interna. Sentia-se ofendido com o fato de Bruno ser casado com um homem rico e atraente. Julgava Bruno indigno de qualquer tipo de felicidade. Sentia-se roubado.

_ Você tá suado, amor! _ Bruno disse se afastando de Jonas.

_ É que você é tão gostoso que eu não consegui resistir._ Jonas o puxou para beijá-lo novamente, deixando Dani ainda mais bravo. Bruno se desviou.

_ Vá tomar banho, amor. O almoço já vai ser servido.

_ Eu te amo, porra!_ Jonas disse roubando um beijo e subiu as escadas correndo, antes que Bruno lhe desse uma nova bronca.

_ Bruninho, vem aqui um momento._ disse Rose, o convidando para ir até à cozinha.

_ Eu não confio nesse garoto.

_ Que garoto, mãe?

_ O Japoneizinho.

_ Ele é descendente de coreano.

_ Coreano, japonês para mim é tudo a mesma coisa.

_ Mas não é.

_ O que importa é que você deve abrir os olhos. Esse menino estava comendo o Jonas com os olhos lá na sala. Os olhos dele são pequenos por fora, mas por dentro é maior que as duas Coréias juntas.

Bruno não gostou da informação que recebeu da mãe. Sentiu uma pontada de ciúmes.

_ Abre o seu olho, Bruninho. Camarão que dorme a onda leva.

Os dois arrumaram a mesa para o almoço. Dani entrou se oferecendo para ajudar, trazendo os pratos.

Jonas entrou alguns minutos depois, de banho tomado.

Sentou sorrindo ao lado do marido e o beijou.

_ Hoje você está demais, hein Jonas!

_ É você que me deixa assim, louco por ti.

_ Se beijam mesmo. Vocês são perfeitos juntos. Eu nunca vi casal mais fofo._ Daniel disse, apoiando a cabeça na palma da mão, simulando prazer em vê-los juntos.

_ Filho, sabe quem perguntou por você?

_ Se você não disser, eu nunca saberei.

_ A mãe Lucinda.

_ Sério?! Faz tanto tempo que não a vejo! Estou com saudades.

_ Ela te mandou um beijo e te convidou para ir na gira. Estou pensando em esta semana. Vamos comigo? Faz tanto que você não vai.

_ Faz mesmo. Acho que vou dar um pulinho lá sim.

"Além de lerda, a bicha é macumbeira." Pensou Dani.

_ Eu acho fantástico essas religiões de matrizes africanas. E o preconceito que as pessoas têm por elas me irrita. Agora, eu não sabia que você tinha religião, Bruninho.

_ Eu sou umbandista. Mas, não frequento como deveria. Estou sentindo saudades do terreiro. Toda vez que eu ia, me sentia bem. Revigorado. Me faz tão bem!

_Venha conosco, meu genro?

_ Eu respeito muito a religião de vocês, sogrinha, mas não consigo tê-la como crença. Não é nada ligado ao preconceito. O meu pai é um umbandista roxo, até me levava nas giras quando eu era criança, mas não era a minha praia.

_ Você tem religião, Jonas?_ Quis saber Dani.

_ Não curto muito essa coisa de espiritualidade. Para mim o que existe é o aqui e agora. Somente o mundo físico.

_ Você é ateu?

_ Agnóstico.

_ Jura?! Que coincidência! Eu também sou! Nós temos tanta coisa em comum.

_ Sabe que eu não acho? Acho que o meu genro e o meu filho têm muito mais em comum do que com você.

Bruno ficou envergonhado com o comentário da mãe. Jonas preferiu fingir que não entendeu, se oferecendo para cortar o frango assado.

_ Eu concordo com a senhora, dona Rose. Bruninho e Jonas nasceram um para o outro.

Daniel estava incomodado com o fato de Bruno não tocar no assunto do detetive particular.

Sorrateiro, pediu licença para entrar no seu home office para anunciar que o jantar já estava pronto.

Daniel preparou o salmão ao molho de ervas para o jantar, um dos pratos favoritos de Bruno.

_ Entre, querido._ Bruno respondeu, sem tirar os olhos dos papéis que escrevia.

O jovem entrou sorrindo de um jeito meigo. Olhava Bruno docemente para simular simpatia pela chefe.

Sentou na cadeira em frente.

_ O jantar está pronto. Eu já arrumei a mesa e o Jonas vai abrir o vinho.

_ Obrigado, Dani. Você é um anjo.

_ Eu gosto muito de você, Bruno. Você e o Jonas são como pais para mim. Vocês me ajudaram tanto quando eu mais precisei. Eu serei eternamente grato.

_ Não precisa agradecer tanto. Você já fez isso inúmeras vezes.

_ E farei para o resto da minha vida. O amor de vocês é tão lindo. Eu fiquei emocionado quando você me contou a história de vocês. Só mesmo um amor tão forte e puro para resistir oito anos de separação. Diante de tudo que vocês fizeram por mim e do carinho que tenho por vocês, eu me sinto na obrigação de ser o guardião desta relação.

Bruno gargalhou.

_Você fala como se o meu casamento fosse uma jóia rara.

_ E é. Eu não vou permitir que ninguém o destrua. Você foi no detetive?

_ Eu resolvi não ir.

_ Não?! Por quê?

_ Eu conversei com a minha melhor amiga Isabel. Ela me aconselhou. Acho que ela tem razão. Nada a ver essa desconfiança no Rafa. Ele é hétero e marido da Olivia. A amizade dele e do Jonas vem de longa data. Eu não creio que role nada entre eles.

Daniel fez uma expressão de alívio.

_ Ainda bem. Eu estava preocupado! Mas, agora fico feliz por vocês. Acho que eu vi maldade onde não tinha.

"Sabe que eu acho legal esse jeito zero preconceito do Rafa. Ele é tão desconstruindo. A Olivia deu sorte. Para você ver, ele passou a tarde inteira no quarto com o amigo gay e não se importou em ser chamado de gay.

Bruno arregalou os olhos surpreendido.

_ Como assim?! Do que você está falando?

_ Da amizade deles. Acho que o mundo precisa de mais héteros como o Rafael.

Dani levantou-se e foi caminhando até a porta.

_ Venha, Bruninho. O jantar vai acabar esfriando._ Dani saiu. Ao fechar a porta sorriu e seguiu com o seu andar rebolativo.

Nervoso, Bruno não esperou o jantar e subiu correndo para o quarto. Encontrou Jonas deitado na cama com a barriga para cima, assistindo TV, com o controle remoto na mão.

Estranhou o olhar sério de Bruno, que sentou ao seu lado na cama.

_ O Rafael esteve aqui hoje à tarde?

_ Esteve. Por quê?

_ O que vocês dois fizeram? Por que ele estava contigo no nosso quarto?

_ Eu não estou te entendendo! Que implicância é essa com o Rafael?! Você nunca teve cisma com ele!

_ Não foge da pergunta, Jonas!

_ O Rafa é o meu amigo. Sempre frequentou a minha casa. Qual é o problema nisso?

Jonas estava profundamente irritado com o tom de voz do marido e as suas desconfianças.

_ Você acha normal um amigo ficar trancado a tarde todo com o outro amigo dentro do quarto do casal? Porque eu não acho normal.

_ Bruno, nós estávamos jogando vídeo game!

_ Por que não jogaram vídeo game na sala de TV?

_ Porque a Neide estava faxinando. Eu não estou gostando dessas suas palhaçadas com o Rafael. Você nunca teve essa merda. Tá parecendo o...

_ Se falar o nome daquele mimado cretino, eu juro que não respondo por mim.

_ Você está enlouquecendo! Precisa se tratar. Procure um psiquiatra ou tome um banho de descarrego, quando for ao terreiro com a sua mãe.

_ Eu não vou brigar com você. Quer brigar? Faça isso sozinho.

Bruno saiu batendo a porta. Estava com tanta raiva, que perdeu a fome e permaneceu trancado no escritório.

Quando Jonas chegou na sala de jantar, estranhou não ver o marido e perguntou por ele para Daniel.

_Eu não sei o que aconteceu. O Bruno entrou furioso no escritório e disse que perdeu a fome. Fiquei preocupado. Eu conheço o Bruno. Na redação ele come às pressas e acaba comendo coisas não saudáveis.

"Aconteceu alguma coisa, Jonas? Bruno estava tão bem e do nada ficou zangado?"

Jonas olhou no fundo dos olhos de Dani e sentiu um arrepio percorrer o seu corpo. Fixando bem o olhar percebeu que esse era vazio e inexpressivo, como se dentro daquele corpo não houvesse alma.

_ Você comentou com o Bruno que o Rafael esteve aqui hoje à tarde?

Dani sorriu.

_ Ah, eu comentei sim! Disse para ele o quão admiro o Rafa. Ele é um tipo de hétero raro. Tem uma boa amizade contigo sem nenhum preconceito. Você tem um amigo de ouro, Jonas!

_ O Bruno tá puto por isso.

Dani mudou a expressão, fingindo preocupação.

_ Por quê? Aconteceu alguma coisa?

_ Ele cismou com o Rafa. Não sei de onde ele tirou isso. Bruno está insuportável com esse ciúme besta.

_ Eu sinto muito. Mas, não fique chateado com o Bruninho. Ele só quer atenção. Ele é um homem por fora, mas por dentro não passa de um menininho carente.

_ Ele está imaturo isso sim.

_ Eu sinto muito por isso. Vejo o quanto você é um marido dedicado. Trabalha duro para dar uma boa vida a ele. Sei que você é um pouco ausente, mas só quer o melhor para o seu amado.

_ Mas, o Bruno não reconhece isso. Porra, só fica me cobrando! Eu me fodo de trabalhar, quando chego em casa é essa perturbação.

_ Deve ser tão difícil pra você. Eu sinto muito que o Bruno não te dê a compreensão que mereça. Mas, relaxa! Eu caprichei no jantar! Você vai adorar o salmão que preparei.

Os dois jantaram juntos. Dani fez questão de servir Jonas e demonstrar interesse pelo trabalho dele. Fazia perguntas e demonstrava empolgação ao ouví-lo.

Jonas terminou o jantar feliz e a raiva que sentira de Bruno se dissipou como névoa.

Rafael estranhava a frieza como Bruno o tratava ultimamente. Quando mandava alguma mensagem via Whatsapp, Bruno demorava dias para responder e fazia isso de forma seca.

Quando estavam juntos nas rodas de amigo, ele evitava falar com Rafael e sempre o olhava de um jeito sério.

Sem entender o que estava acontecendo, Rafael perguntou a Jonas se Bruno estava com raiva dele e disse que o jornalista o tratava de um jeito estranho.

Jonas sentiu raiva pelo ciúme do marido e um pouco de vergonha do cunhado. Mentiu dizendo que Bruno não tinha nada contra ele e que esse era o jeito estranho do marido.

Em casa, o casal discutiu a respeito dessas atitudes de Bruno com Rafael.

As brigas eram ouvidas por Daniel em seu quarto, que gargagalhava a abafando com a mão na boca.

Jonas acusava Bruno de ser ridículo e infantil e Bruno ficava furioso acusando Jonas de estar defendendo Rafael.

A lua cheia iluminava o terreiro com o auxílio das velas. As ervas aromáticas exalavam um cheiro forte pelo ar.

O local estava cheio e Rose temia não conseguir vaga para se consultar com Maria Padilha do Cabaré, sua entidade favorita.

Na porta, o cambono pergunta a Bruno com qual santo deseja se consultar. Indeciso ele olha para a mãe que sugere:

_Pede a Padilha do Cabaré. Ela é perfeita pra resolver assuntos como o seu. Até eu vou querer uma consulta com ela.

Bruno acatou a sugestão da mãe.

Rose se decepcionou ao saber que não havia mais vagas e acabou aceitando a sugestão do cambono em se consultar com Maria Quitéria.

Aguardando a sua vez na assistência, sentado ao lado de sua mãe, Bruno observava Esmeralda. Ela era uma bela jovem de cabelos longos e negros. Tímida, ela mantinha o doce olhar baixo e sorria como quem se desculpa.

No dia a dia, preferia se vestir da forma mais discreta possível, sempre usando os longos cabelos partidos aol meio e nenhuma maquiagem. Contudo, era de dia de gira e a jovem era o cavalo favorito de Maria Padilha do Cabaré. Por isso, teve que usar uma roupa que não fazia parte do seu estilo pessoal.

Trajava uma vestido encarnado de cetim contornada com rendas de mesma cor num decote em formato de V. O era longo, justo na cintura e colo e largo nos quadris e pernas, valorizando as curvas da menina e perfeito para uma dança com passos giratórios. Os lábios carnudos da jovem foram contornados de um batom também vermelho e manteve os cabelos partidos ao meio.

As sete da noite, a mãe de santo agradeceu a presença de todos e pediu aos espíritos que iluminassem à casa.

Os ogãs iniciaram os batuques.

A Gira foi aberta com o ponto:

Eu abro a nossa gira com Deus e Nossa Senhora!

Eu abro a nossa gira Sambolê pemba de Angola!

Gira, gira, gira os Caboclos...

Sem sua gira eu não posso trabalhar.

Assim, assim, na Fé de Ogum meu Pai!

Sem gira eu não posso trabalhar.

Eu abro a nossa gira com Deus e Nossa Senhora!

Eu abro a nossa gira Sambolê pemba de Angola!"

Em seguida, iniciou-se o ponto de defumação pra abrir os caminhos e os trabalhos, a casa, os consulentes, todos eram defumados enquanto o ponto era cantado:

"Defuma com as ervas da Jurema, defuma com Arruda e Guiné!

Bejuin, Alecrim e Alfazema,

Vamos defumar filhos de Fé!"

Quando os pontos dos Exus começaram a ser tocados, Esmeralda aguardava girando timidamente, cobrindo o seu colo com os braços. À medida, que o ponto seguia, a moça soltou os braços, segurou a saia e sentia perder o controle do seu corpo. Uma energia mística a dominava e ela se entregava na dança.

Padilha do Cabaré chegou no ponto em que era cantado:

"Tentaram me matar na porta de um Cabaré,

Tentaram me matar na porta de um Cabaré.

Ando de noite, Ando de dia;

Só não mata quem não quer!"

O jeito tímido da menina Esmeralda se dissipou por completo. Ajoelhada, gargalhava erguendo a cabeça com os olhos fechados. Maria Padilha do Cabaré chegou faceira, pondo os cabelos partidos para o lado.

O olhar doce de Esmeralda foi substituído por um olhar atrevido e sensual. O seu andar era rebolativo. O sorriso e o ar de poder sucumbiu completamente qualquer traço do cavalo. O corpo agora era dela, a faceira Maria Padilha do Cabaré.

Recebeu um cigarro e uma taça de vinho.

Chegando a sua vez, Bruno retirou os tênis e as meias em respeito.

Diante da entidade, ele recebeu um abraço e respondeu a sua saudação.

Maria Padilha do Cabaré penetrou em Bruno o seu olhar oblíquo. Estendeu a taça de vinho e o ofereceu. Erguendo a cabeça, sorrindo faceira ordenou:

_ Dê um gole, seu moço.

Bruno a obedeceu e devolveu a taça em seguida.

Com a taça novamente em suas mãos, ela bebeu. Entre os dedos com as unhas grandes e pintadas de vermelho pôs o cigarro, que levou aos lábios e soltou a fumaça erguendo a cabeça.

_Vosmicê tá com medo de levar galha do teu omi. Seu moço, não te preocupa não. Ele não traia o moço não...por enquanto!

O "por enquanto" fez Bruno gelar de medo.

_ O que muito se ofecere acaba sendo comido. Tô mentindo, seu moço?

Bruno ficou pensativo. Temia a resposta que receberia, mas perguntou aproveitando o mínimo de coragem que lhe restava.

_ O que está sendo oferecido ao meu marido, senhora?

Ela ergueu a cabeça soltando a fumaça novamente e gargalhou.

_ A cobra que rasteja no seu casuá quer lhe picar.

Sua memória remeteu imadiatamente a Rafael, que sempre frequentou a sua casa para visitas e festas.

_ A cobra está se rastejando bem devagarinho e enrolando o perna de calça do moço até conseguir tomar o seu lugar. Ouça o que eu digo pro moço na lua de hoje: o moço vai perder tudo o que tem e até o que não tem, se o moço não abrir o olho. Se não tirar fora a cobra de dentro do seu casuá. Essa cobra é peçonhenta. Ela faz briga dentro do seu casuá.

Bruno recordou das últimas brigas que teve com Jonas e que Rafael era o motivo delas acontecerem.

Sentiu uma agonia no peito e a tensão tomou conta do seu corpo. As lágrimas escorriam pela face. Estava inconformado com a traição do amigo, que estava sendo desleal com ele e com Olivia.

Ela deu um novo trago na taça de vinho.

_ Por fora, abre o olho do iro enyan de olhos fechadinhos. A inveja dele é erva daninha._ Ela gargalhou._ Estamos conversados, seu moço?

_ Sim, senhora. Eu já compreendi tudo. Muito obrigado.

Bruno beijou a mão dela se curvando e saiu tristonho.

Bruno aguardava a mãe no carro, segurando o volante. Ela entrou sorridente e esperançosa.

_ Pelo visto a sua resposta foi positiva, mãe.

_ Foi sim! Vai dar tudo certo._ Rose disse sorrindo. No entanto, ficou séria ao perceber que Bruno estava aflito.

_ Bruninho, o que aconteceu lá na consulta?

Bruno abaixou a cabeça ligando o carro.

_ Nada demais.

_ Não era o que você esperava, meu amor?

_ Infelizmente, foi o que eu esperava.

Rose o olhava sem entender o que estava acontecendo. Insistiu nas perguntas, mas Bruno se mostrou resistente no seu triste silêncio.

Jonas estranhou o silêncio de Bruno desde que esse chegou do terreiro. Passava a maior parte do tempo sério e dando respostas monossílabas.

Jonas perguntava o porquê de Bruno estar o tratando de um jeito tão áspero e ele dizia:

_ Não é nada. Só impressão sua.

Na redação, Daniel entrou na sala de Bruno trazendo um pacote com duas quentinhas e duas latas de suco de laranja.

_ Eu trouxe o seu almoço.

_ Oh, Daniel, não precisava se incomodar.

_ Não é incômodo algum. Eu gosto de cuidar de você.

Bruno agradeceu com jeito tristonho. Internamente, Dani se alegrava com a tristeza do chefe.

_ Você anda tão tristinho desde que voltou do terreiro com a sua mãe. O que aconteceu?

Bruno pôs as mãos nos olhos para conter as lágrimas.

_ A minha senhora me disse que tem um homem entre nós que está querendo destruir o meu casamento. Esse homem frequenta a minha casa e está causando intrigas entre mim e Jonas.

Daniel arregalou os pequenos olhos e pôs a mão na boca demonstrando espanto.

_ Bicha, eu estou pretérita mais que perfeita! Olha, cheguei me arrepiar agora! É lógico que ela estava falando do Rafael. Primeiro, o Rafael frequenta a sua casa como ela disse. Segundo, você e o Jonas estão brigando direto por causa dele.

Dani o abraçou.

_ Meu amigo, não é justo que você sofra assim. Você precisa se livrar dessa tortura. Agora mais do que nunca deve contratar o detetive. Eu vou contigo. Vou ligar marcando uma consulta e nós vamos juntos.

Bruno o olhou choroso.

_ Eu não quero perder o meu marido, Daniel.

_ Você não vai perder. O detetive vai conseguir as provas e nós vamos salvar o seu casamento.

Daniel ficou extremamente feliz quando Bruno fechou o acordo com o detetive particular naquela tarde fria. O jovem comemorava mais um passo para que o sucesso do seu objetivo.

Dario, o detetive particular, vigiava Jonas com total dedicação.

Alguns dias depois, Jonas foi surpreendido com a visita de Dani na pizzaria. Ele pediu para falar com Jonas e Betinho o olhou desconfiado.

_ O que você quer com o chefinho? Sabia que ele é casado com o seu patrão, veado?

_ Eu dispenso as suas informações sobre a vida conjugal do Jonas. Como criado, cumpra as suas tarefas e diga que quero falar com ele.

_ Mas, tu é abusada, hein filhote de kim jong un!

_ Vai logo, baleia! Eu tenho mais o que fazer.

Betinho anunciou a chegada de Daniel expressando nojo. Mesmo estranhando a visita do jovem, Jonas autorizou a sua entrada no escritório.

Daniel vestiu a sua máscara da meiguice e o cumprimentou com um abraço e um beijo no rosto.

_ Sua pizzaria é sensacional! Eu amei tudo!

_ Eu fico lisonjeado. Mas, a que devo a honra da sua visita?

_ Eu vou ser objetivo para não tomar o seu tempo. O Bruno é tão gentil comigo, que eu quero retribuir essa gentileza. Quero comprar um presente para ele, mas temo não agradá-lo.

"Como vocês estão juntos há tanto tempo, quero te pedir que me ajude na escolha do presente. A pizzaria está vazia. Você poderia me acompanhar até o shopping? Prometo não tomar muito o seu tempo."

Jonas aceitou o convite de Daniel e os dois saíram juntos. Betinho os observava e disse:

_ Brunildo que não abre os olhos pra vê se esse sushi de cobra não pega o macho dele.

Eles caminharam pelo shopping, entrando em várias lojas, pois Dani não conseguia se decidir.

Jonas percebeu que Dani olhava para os lados como se procurasse alguém.

_ Está acontecendo alguma coisa, Daniel?

Daniel nada respondia, estava distraído.

_ Daniel!

_ Oi?

_ O que está acontecendo?

_ Já reparou que aquele homem está nos seguindo?

_ Que homem?

Dani apontou discretamente para Dario, que estava enfrente a eles, fingindo digitar no celular.

Depois de escolher um livro, Dani convidou Jonas para tomar um café e novamente falou sobre Dario está na cola deles.

A partir daquele dia, Jonas andava atento e reparava que o homem o seguia, o que o deixava muito desconfiado.

Comentou sobre isso com Rafael e ambos decidiram tentar descobrir o que estava acontecendo.

Foram almoçar num restaurante próximo à pizzaria. E novamente, perceberam a presença do detetive.

Os dois se aproximaram da mesa de Dario.

_ Boa tarde._ disse Rafael, enquanto ambos se sentavam.

_ Boa tarde. Em que posso ajudá-los?

Jonas o encarava bravo, cruzando os braços.

_ O negócio é o seguinte: eu quero saber o porquê você anda me seguindo.

_ Eu? Seguindo o senhor? Não compreendo?

Jonas bateu na mesa.

_ Não se faça de desentendido! Eu percebi há dias que você me segue.

_ O senhor está equivocado.

_ Meu irmão, você vai falar por bem ou por mal?

_ Com licença.

Nervoso, Dario se levantou, mas foi detido pela mão de Rafael em seus braços.

_ Nós chamamos a polícia, cujo o delegado é o meu tio, e o senhor nos responde a nossa pergunta. Inclusive, ele está chegando aí agora.

Rafael apontou para um homem moreno e gordo, de meia idade que entrava no restaurante. Ele vestia uma calça jeans e uma blusa social azul claro.

Aproximou-se da mesa se apresentando como o delegado Medeiros. Ambos se reconheceram.

E para Dario não restou outra alternativa a não ser confessar, já que Medeiros disse a Jonas e o sobrinho que ele era um detetive particular.

_ Quem te contratou?_ Jonas perguntou furioso.

_ Isso eu não posso revelar. Tenho que manter a minha ética com o meu cliente.

_ Ética é o caralho! Me fala logo!

Rafael pediu calma a Jonas.

Em meios a muitas negociações entre eles, envolvendo acordos de trocas de favores entre o delegado e o detetive, Dario revelou a identidade do seu cliente e o motivo da sua contratação.

Jonas entrou em casa como um furacão. Da ponta da escada gritava por Bruno vermelho de raiva. Subiu as escadas correndo e abriu a porta do quarto com brutalidade, assustando Bruno, que estava sentado na cama lendo um livro.

_ O que aconteceu, Jonas?

Com a respiração ofegante e as narinas abertas, Jonas o olhava como uma fera preste a devorar a sua presa.

_ Você ficou maluco?!

_ Por que você está gritando?

_ Eu sei o que você fez, seu doente! Você... _ Jonas virou para a parede, apoiando as mãos sobre ela. Girou, voltando a olhar Bruno._ Eu sei que você teve a audácia de pôr um detetive na minha cola!

Bruno arregalou os olhos. Sentiu um frio percorrer o seu corpo, o arrepiando. O medo o dominou.

_ Puta que pariu! O que você tem nessa porra de cabeça? Você tá doente! Está conseguindo ser mais ridículo que o Matheus! Nem ele descia tão baixo como você desceu agora!

Com voz trêmula, Bruno tentava argumentar:

_ Eu posso explicar e...

_ Explicar o quê? Que você surtou e passou a ter ciúmes do meu melhor amigo?! Porra, Bruno, eu me mato de trabalhar para dar o melhor a você e como agradecimento eu ganho esse tipo de desconfiança?! Isso é uma baixaria muito grande! Uma puta falta de respeito da sua parte!

_ Jonas, você precisa se acalmar. Nós podemos conversar._ Bruno disse tocando em Jonas, que movido pela fúria, empurrou, jogando na cama.

_ Eu não quero conversar contigo! Estou muito puto! Eu tenho vontade de..._ Jonas fechou o punho e socou a porta para tentar aliviar a raiva e não bater no marido.

_ Me perdoa? Eu...Eu estava muito nervoso e acabei fazendo merda!

Jonas o puxou pelo braço e o pôs para fora do quarto, trancando a porta.

Do lado de fora, Bruno batia desesperado, chamando por Jonas, implorando para conversar.

Jonas ignorava o marido e colocava algumas peças de roupas numa maleta.

Ouvindo o barulho, Neide subiu para saber o que estava acontecendo. Se ela não estivesse tão distraída, teria flagrado Dani sorrir na entrada do corredor.

Jonas saiu do quarto furioso portando uma mala. Bruno o segurou.

_ Meu amor, o que você está fazendo?

_ Me solta, caralho! Não dar para conviver com um doente como você. Vá se tratar!

Jonas puxou o próprio braço e desceu as escadas as pressas.

Bruno ia atrás implorando para que o marido não fosse embora. Chorava tentando conversar com Jonas que o empurrou para o lado e saiu porta a fora.

Bruno foi atrás dele até a garagem. Bateu na janela do carro e Jonas saiu furioso.

Daniel o seguiu.

_ Calma, Bruno! Vai dar tudo certo.

_ Ele foi embora! Que merda que eu fiz?

_ Ele está nervoso. Deixe que esfrie a cabeça e aí vocês podem conversar com calma.

Dani o abraçou.

_ Oh, meu amor, vai dar tudo certo.

Enquanto Bruno chorava em seu ombro, Dani sorria por trás.

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CARAMBA BRUNO, A COBRA QUE A ENTIDADE FALOU NÃO É O RAFAEL PQP PQP HAHAHAHAHAHAHAHAHA

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Como sou ateu e nunca pisei num terreiro na vida não tenho conhecimento sobre a religião, que tanto respeito, assim como qualquer outra. Por isso, contei com a ajuda de Daniel Lyon para compor essa cena.

Obg, Daniel.

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